Bandas de Um Disco Só: Peggy’s Leg – Grinilla (1973)


Por Ronaldo Rodrigues
Colecionador
Apresentador do Programa Estação Rádio Espacial

Incrível ouvir um disco e ficar com aquela sensação de "quero mais" após saber que a tal banda, responsável por aquele petardo que você acabou de ouvir, só tem aquele único trabalho. Os anos 1960 e 1970 foram pródigos nesse tipo de produção, visto que existia um cenário de grande permissividade musical e muita gente queria embarcar nessas possibilidades. Porém, a indústria fonográfica já era implacável, tal como é hoje: não fez sucesso, tá na rua. Além disso, gravar um álbum naquela época era muito mais díficil e caro. Mas tinha gente que não tava nem aí, fazia o que dava na telha e, em muitos casos, com esse pensamento, discos maravilhosos foram produzidos no período. 

A idéia desta seção é resgatar um pouco dessas histórias de insucessos, que coincidem também com história de grandes injustiças musicais, além da pretensão de tentar apresentar algo que mereça ser redescoberto por ouvidos de boa vontade, tanto de novos como de experientes aficcionados por música.

A História

Essa é uma verdadeira pérola perdida para quem gosta de art-rock e trabalho instrumental caprichado em geral, com aquela aura toda especial do som analógico dos anos 70. A banda foi formada em 1972 pelo guitarrista Jimi Slevin, após seu retorno para Dublin vindo dos EUA. Juntou-se ao baterista Don Harris, ao guitarrista Jimmy Gibson e ao baixista Vincent Duffy e formaram o Peggy’s Leg. 

Logo no início da trajetória, já chamavam a atenção na cena local. Com apenas um ano de estrada e tendo lançado seu primeiro (e único) registro, já estavam sendo aclamados como a melhor banda do ano da Irlanda por uma votação, além de levar o caneco no quesito melhor guitarrista (para Jimi Slevin) e melhor baterista (vale citar que o páreo era duro naquela Irlanda do começo dos 70). A banda rodou todo o país deixando platéias embasbacadas com tanto talento, inclusive tocando na Irlanda do Norte logo após um grave incidente, no qual Jimi Slevin perdeu um grande amigo, que seria convidado para ingressar na banda, Tony Geraghty.


O repertório incluía, além de um considerável material autoral, peças clássicas de compositores como Bach e Hendel e covers de grupos como o Yes e o Emerson, Lake & Palmer. No fim de 1973 entraram em estúdio para registrar “Grinilla”, álbum que foi capitaneado pelo manager da banda, John Dee, que era membro do grupo Mushroom. Em apenas 23 horas de estúdio e com poucos overdubs, este fantástico álbum foi concebido e como era de se esperar, foi muito bem recebido pela crítica e pelo público. 

Tudo ia bem ao longo dos seis meses após o lançamento de “Grinilla”, até que o baixista Vincent Duffy resolve pular fora para seguir sua própria carreira. A banda se virou bastante para conseguir outro baixista talentoso, até encontrar o tecladista Martin Biseneiks e depois o baixista John Brady. Depois foi a vez de Jimi debandar, em 1975, para integrar uma nova formação do lendário Skid Row (que contou em seu início com o jovem prodígio Gary Moore). A banda foi segurando a barra com Eric Bell (futuro Thin Lizzy) mas durou poucos meses após a saída de Jim. Jim Slevin era grande fã do Skid Row e entrar no grupo para ele era como realizar um sonho, ao passo que também era um desafio calçar os sapatos do incrível Gary Moore.

O Disco


“Grinilla” pode ser considerado como um disco de rock progressivo, devido às constantes referências à música erudita, ao virtuosismo de seus músicos, às variações de suas faixas. Porém, há um ebulir de influências e uma musicalidade muita rica que o coloca acima de rotulações. A ausência de teclados, por um lado, deixou o som um pouco incompleto, mas por outro, o tornou altamente peculiar.

A abertura com “History Tells” já abre alas para a tônica de todo o trabalho - um estrondo de inventividade e de domínio instrumental. Da sutileza dos
licks da música country às tortuosas veredas da música progressiva, há peso e classe equilibradamente distribuídos nos avantajados ritmos e nuances de canções complexas, atordoantes, geniais. Há momentos bem melódicos e cancioneiros, com linhas vocais assobiáveis ao estilo Beatles. Mas mesmo na simplicidade, a genialidade do grupo não consegue ser suplantada. 

A presença intensa dos violões fornecem um apaziguante clima rural para um entardecer enluarado do cosmos; existe aqui uma abordagem clássica do violão próxima da de Steve Howe e uma abordagem sideral da guitarra tal qual de Steve Hillage. O lado clássico é bem visível num saudável virtuosismo dentro da estrutura das suítes, com todo seu recorte de idéias. A finalização do trabalho é uma versão para “Sabre Dance” de Katchaturian (que ficou bem conhecida na versão do Love Sculputure, no fim dos anos 60), fechando de maneira atônita e caótica e provando que a musicalidade da banda lhe dava condição de caminhar por qualquer terreno, valendo-se de peso ou de sutileza.


Aqui coexistem música clássica, ritmos jazzistas e sonoridade espacial. Uma alvorada musical encantadora, espiritual, transcendente. Certos trechos possuem um ar de esoteria. Solos de guitarra moldados como esculturas e um todo instrumental irrepreensível, chocante, admirável.

Uma cópia original desse disco é muito cara (valendo algumas centenas de euros), já que sua tiragem na época foi pequena (cerca de 500 itens apenas pelo selo local Bunch). Em CD, o trabalho foi disponibilizado pelo selo Kissing Spell em 2001 numa edição caprichada com as letras e fotos do grupo, mas no ano de 2005 os direitos voltaram aos autores. O relançamento em CD contém um bônus ao vivo, gravado em Dublin, em 1974. Apesar da baixa qualidade de som deste trecho de performance, ali a banda apresenta um lado mais pesado e um devastador solo de bateria de Don Harris.

Comentários

  1. Cara, eu adoro essa banda! Uma pena eu não conseguir o cd original, pois é muito caro. Gostei muito da sua matéria, pois já tinha procurado informações sobre eles na internet e achei pouca coisa. Parabéns!

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  2. Obrigado pelo comentário, cara! tb adoro a banda.
    Abraço!
    Ronaldo

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