Castiga! - The Kinks e o Império Britânico


Por Marco Antonio Gonçalves
Colecionador

Um dos maiores representantes do rock britânico, os Kinks também foram protagonistas da chamada Invasão Britânica - um marco na história do rock, cujo estopim foi o desembarque dos Beatles no aeroporto de Nova York em fevereiro de 1964. O fenômeno foi responsável pela popularização de bandas inglesas na terra do Tio Sam, lançando no mercado americano não só os Beatles, como os Rolling Stones, The Who, The Animals, Yardbirds, Small Faces … e claro, os Kinks, uma das prediletas da casa.

Nascido das cinzas do Ravens em 1963, o grupo era composto em sua formação original pelos irmãos Ray Davies - vocalista, guitarrista, principal compositor e também a alma da banda - e Dave Davies (guitarra e vocais), e ainda Pete Quaife (baixo e vocais) e Mick Avory (bateria). Nem sempre tão lembrados como os Fab Four ou os Stones, mas tão importantes e influentes quanto, tocaram do rock and roll ao pop, passando pelo rhythm and blues, psicodelismo, country e folk. Com o single “You Really Got Me”, em 1964 alcançaram o primeiro lugar na parada britânica, lançando as bases do hard rock.


O som dos Kinks pode ser pressentido principalmente através dos acordes potentes e distorcidos da guitarra de Dave e, claro, nas sensacionais composições de humor refinado interpretadas por Ray, um autêntico cronista do modo de vida britânico e simplesmente um dos melhores letristas da história do rock. Legítimos bad boys, desenvolveram uma carreira cercada de polêmicas, envolvendo conflitos internos, agressões mútuas entre os músicos e condutas deploráveis em algumas turnês.

Nos Estados Unidos, após performances viscerais na tour de 1965, foram proibidos de pisar em solo americano até meados de 1969. Os motivos nunca foram revelados, mas o comportamento selvagem nos palcos, as desavenças com os promotores locais por causa dos cachês, shows inacabados ou cancelados e as confusões e brigas envolvendo os integrantes são alguns dos fatores que certamente contribuíram para que o veto ocorresse. A “doce” relação entre os irmãos Davies foi definida pelos próprios na música “Hatred (A Duet)”, do disco "Phobia" de 1993: “o ódio é a única coisa que nos une”.


Com uma carreira sólida que se estendeu até 1996, gravaram mais de trinta álbuns, alguns indispensáveis, como a estréia homônima (64), "Kinks-Size" (65), "The Kinks Kontroversy" (65), "Face to Face" (66), "Something Else by the Kinks" (67), "The Village Green Preservation Society" (68), "Lola Versus Powerman and the Money-Go-Round - Part One" (70) ou "Muswell Hillbillies" (71), só pra citar alguns. O disco que escuto neste momento é sem dúvidas um dos meus favoritos: "Arthur (Or the Decline and Fall of the British Empire)".

Lançado em 1969, Arthur era a trilha sonora de um projeto da TV Britânica que acabou não indo adiante, no qual Ray Davies colaborava com o dramaturgo e roteirista Julian Mitchell. Um álbum menosprezado pela crítica da época e atropelado meses depois pela ópera rock "Tommy" do The Who. Considerado ultrapassado e recebido de forma gélida pelos súditos da coroa, o long-play passou longe das paradas de sucesso e vendeu pouco, tornando-se um fracasso comercial do selo Pye. Algo que não dá para entender, já que o registro é simplesmente maravilhoso. "Arthur" marca também a estréia do baixista John Dalton (ex- Mark Four) como membro fixo, substituindo Pete Quaife, que preferiu respirar novos ares, montando a sua própria banda, o Mapleoak.


Obra conceitual retratando o declínio e a queda do Império Britânico pós-Segunda Guerra Mundial, numa crônica debochada e miserável de Mr. Ray Davies. Um almanaque sonoro contendo uma coleção de críticas sociais e políticas das mais irônicas ao modo de vida britânico, em meio à reconstrução nacional do pós-guerra. O que se ouve são verdadeiros hinos detonando as guerras, o imperialismo, a monarquia reinante e o establishment inglês. Letras sarcásticas disparando contra a pequena burguesia, a decadência moral e econômica, o panorama desalentador da classe operária, o incógnito mercado de trabalho em outro país, lavagem cerebral e repressão institucional, vitórias e derrotas, sonhos e desilusões, o glorioso e o banal.

Faixas altamente pegajosas, embaladas por levadas empolgantes, numa sucessão de melodias e composições insuperáveis. Belos arranjos vocais, riffs memoráveis, orquestrações, naipe de metais e seção rítmica
made Távola Redonda, com o quarteto mostrando porque era a mais inglesa das bandas inglesas. O que dizer de maravilhas como “Victoria”, “Yes Sir, No Sir”, “Some Mother’s Son”, “Drivin”, “Brainwashed”, “Austrália” … e eu nem cheguei no lado B do vinil. Não preciso falar mais nada. Escutem e tirem as suas conclusões! Um chiclete sonoro … simples assim!!


Obra-prima à parte, o que me motivou a escrever esta resenha foi a confirmação de que a banda está voltando à ativa após um recesso de doze anos. O anúncio foi dado à BBC de Londres por ninguém menos que Ray Davies, que afirmou que um álbum de inéditas já vem sendo esboçado, possivelmente para ser lançado em 2009.

Esse retorno, por sinal, vem sendo cogitado há alguns anos, mas foi adiado por conta do quadro de saúde dos irmãos Davies. Em 2004, enquanto Dave sofria um derrame cerebral, Ray era alvejado com um tiro na perna, após uma perseguição a assaltantes. Reestabelecidos, parece que agora o negócio é pra valer. Não foram divulgadas datas de lançamentos ou shows, mas uma coisa é certa: o retorno aos palcos será com a formação clássica. Fiquei na espectativa!


Comentários

  1. Acho uma banda subestimada, se compararmos com Stones e Beatles. Tomara mesmo que eles voltem com tudo.

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  2. Meus preferidos são Village Green e Lola, seguido de perto do Arthur. Três obras primas.

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  3. Chegando aqui com um atraso secular,mas nao poderia deixar de elogiar tanto o resumo sobre a banda quanto o resumo sobre o disco Arthur,q junto com o Face to Face,Lola,o Village Green e o Schoolboys sao os meus favoritos.A unica coisa q eu acrescento ao texto eh q o Dave Davies tambem eh um excelente compositor e cantor,porem teve seu talento ofuscado pela mao de ferro do Ray,isso com certeza contribuiu para piorar ainda mais a relacao entre os irmaos.Eu Tambem torco muito por um retorno deles,ate pq tanto o Ray quanto o Dave estao hoje em turnes pelas suas carreiras solo,portanto ambos estao prontos para o retorno.

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