Hardão 70: Bang, o Black Sabbath americano?


Por Marcos A. M. Cruz
Colecionador e Editor do Whiplash! Rock e Heavy Metal
Whiplash

"Muitas bandas de heavy rock dos anos setenta não tiveram o reconhecimento que mereciam naquela época, só anos mais tarde é que começaram a ser cultuadas, pois o que fizeram influenciaria todo o som pesado que viria nas décadas seguintes. Foi lá que tudo começou". (Frank Ferrara)

"Faço gravações de raridades em fita K7. Mande selos para receber catálogo".

Mais que depressa, respondi ao anúncio, e logo que recebi a lista fiz meu primeiro pedido; dentre outros, um tal de Bang, que até então nunca tinha ouvido falar, mas que de acordo com a descrição, era "parecido com Black Sabbath".

Alguns dias depois, ao receber o material, constatei que a descrição era mais que precisa, pois se tratava de um power trio pesadíssimo para a época (início dos anos setenta), e gostei tanto da coisa que passei a encher o saco do indivíduo que havia me gravado a fitinha, até que consegui comprar o bolachão, pagando a bagatela de trinta ou quarenta dólares, não lembro ao certo.

Mas a referência à Iommi & companhia dizia respeito apenas à sonoridade da banda, pois a temática nada tinha a ver com o som do Sabbath, até porque a terra natal dos integrantes do Bang é os Estados Unidos, mas precisamente a Filadélfia, embora alguns pensem que eles sejam originários da Flórida, devido ao fato de ter havido por lá na época uma banda chamada The Bangs, que chegou a ser citada aqui no Brasil numa edição da revista Pop.

Por outro lado, somente o primeiro disco (que na realidade foi o segundo gravado pelo grupo) é "pesado", os demais são bem mais suaves, embora muitíssimo interessantes em minha opinião (que no fundo não conta muito, pois sou apaixonado pelos seventies).


Final de 1969: o baterista Tony D'Iorio responde a um anúncio de jornal e se encontra com o guitarrista Frank Gilcken e o baixista Frank Ferrara, ambos com apenas dezessete anos mas que já tinham experiência com várias bandas formadas desde que iniciaram na escola secundária, influenciados principalmente pelos Beatles. Como a química havia funcionado, começam a ensaiar, inicialmente contando com um vocalista conhecido apenas como CJ, com quem fariam sua primeira apresentação, ocorrida num manicômio(!), que era o lugar onde CJ estava morando ...

Após tentar vários vocalistas (e até tecladistas), decidem que o melhor seria se estabelecer como um power trio; na época, eles tocavam sob o nome Magic Band, até que um dia D'Iorio se deparou com um artigo na revista Rolling Stone intitulado "English groups bang in USA", que falava sobre a explosão das bandas inglesas nos EUA.


Nada de grande aconteceria até 1971, tempo este que seria aproveitado pelo grupo, já batizado de Bang, para compor e ensaiar material próprio para o que viria a ser o LP "Death of a Country", que seria engavetado pela gravadora, permanecendo inédito até 1999.

Gravadora? Pois é, graças a um contato na Flórida (justamente onde havia aquela outra banda quase homônima), eles são convidados a abrir shows para artistas do quilate de Rod Stewart, James Gang, Deep Purple, Uriah Heep, Steppenwolf, e um pouco mais tarde, o Black Sabbath (parece que todo mundo abriu para eles naqueles tempos), além de muitos outros. Estes shows acabam rendendo um contrato com a Capitol Records, onde gravam o tal álbum em agosto de 1971, que de certa forma se tratava de um trabalho conceitual, com letras falando sobre o apocalipse, inclusive tendo ao final uma reprodução (bastante distorcida) do som da explosão de uma bomba atômica.


Mas a Capitol achou o trabalho extremamente anti-comercial, e acaba por rejeitá-lo, designando para Michael Sunday (que havia trabalhado, entre outros, com o pessoal do Blue Cheer) a incumbência de produzir outro disco. Michael decide realçar o aspecto "heavy" do grupo, e lhes dá duas semanas de prazo para compor um novo álbum, que resulta no auto-intitulado LP gravado em fevereiro de 1972 e lançado poucos meses depois, com a capa inspirada no que teria sido o primeiro trabalho (originalmente deveria ser dupla, não se sabe porquê saiu simples - contenção de despesas?). Um single ("Future Shock"/ "Questions") também é editado na mesma época.


Em novembro do mesmo ano os rapazes registram mais um álbum, desta vez sob a produção de Jeffrey Cheen e John Palladino, que seria lançado ainda em dezembro: "Mother / Bow to the King", que pode de fato ser considerado como dois trabalhos distintos, pois as capas e até os selos do Lado A e B apresentam diferenças. Outros dois singles são lançados: "Keep On"/ "Red Man" e "Idealist Realist"/ "No Sugar Tonight". Mas os produtores aprontam uma sacanagem com D'Iorio, tendo substituído sua gravação original pelo trabalho de dois bateristas de estúdio: Duris Maxwell e Bruce Gary (Knack). Isto provocaria uma crise no grupo, que resultaria em sua saída, embora ainda permanecesse como letrista e tenha passado para a função de empresário.


Como a gravadora não havia investido em publicidade, eles não conseguem sequer fazer uma turnê para promover o álbum, mas mesmo assim, como tinham assinado um contrato para gravar quatro discos, em junho de 1973 registram algumas músicas, novamente com Bruce Gary na bateria, que seriam lançadas no mesmo ano no LP "Music", além do compacto "Feels Nice" / "Slow Down". Era o fim. Gilcken vai para o Texas, tocar numa banda local, Ferrara parte para carreira solo e Tony sai do meio musical.


"Wanna trade some rare 70's stuff? Write for me!".

Logicamente não resisti ao apelo, e mandei um e-mail para o gringo, que demonstrou ser profundo conhecedor da coisa. Conversa vai, conversa vem, perguntei se ele conhecia o Bang, ao que ele respondeu: "They have an official website, look at bangmusic.com". Quase caí da cadeira ao constatar que eles não só haviam voltado à ativa, como o webmaster do site se tratava do Tony D'Iorio em pessoa, que já estava online desde 1996.


Em 1999 eles lançam mais um álbum, "RTZ", naturalmente bem longe da sonoridade que os notabilizou no passado, mas ainda assim até que interessante - mal comparando, dá para fazer uma analogia entre o que o Grand Funk fez no passado com o que oferece hoje em dia.

Há projetos de se lançar um novo trabalho em breve, cujo título deverá ser "Isle of Hope", e de acordo com eles vai trazer regravações de faixas como "Love Sonnet" e "Bow to the King".

Os dois discos de 1972 foram relançados em CD por uma gravadora européia chamada Lizard Records, na realidade uma subsidiária da famosa SPM, que como muitos sabem não se trata exatamente de um selo "legítimo"; por sinal, o Bang está brigando na justiça pelos direitos sobre seu catálogo, em poder da Capitol até hoje, e que pelo visto dificilmente serão relançados digitalmente pela gravadora, que ainda por cima se recusa a liberar as masters originais.


Entretanto, todo o catálogo da banda (incluindo logicamente o "RTZ") pode ser adquirido diretamente no website dos caras em edições dois em um; uma com os dois discos de 1972 (curiosamente sem a versão de "No Sugar Tonight" de Randy Bachman, provavelmente ausente devido à questões autorais), e a outra trazendo o "Music" de 1973, o inédito "Death of  a Country", além do single de 1973 e uma faixa inédita, "Make Me Pretty", das mesmas sessões de gravação.

Minha opinião? Se for para gastar uma grana com o lançamento pirata da Lizard, melhor investir neste feito pelos próprios integrantes do grupo, que embora também tenha sido extraído dos velhos LPs (em excelente estado de conservação, tal como os usados pela gravadora européia) traz um livreto com toda a ficha técnica e as letras das músicas.


Nota do editor: em 2004 o grupo lançou o álbum "The Maze", trazendo um som similar ao som mais pesado que faziam no início dos anos setenta. Como esse texto do Socram foi escrito antes dessa data, essa informação não consta nele.





Comentários

  1. O que o Marco narra no começo da matéria era muito parecido com o que a antiga 'New Face Records' fazia na década de 80, cópias de fitas de vários estilos, e com o HM também não era diferente.Ouvi muitos trabalhos de bandas punk, psychobilly e outros em minha época de adolescente através desses tipos de catálogos...

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  2. Fábio, acho que as pessoas da nossa geração, que ouvem música desde sempre, tiveram experiências com esse tipo de aventura que o Socram narra nesse texto. Saudosas fitinhas, que nos apresentaram inúmeras bandas. Elas eram os nossos MP3, certo?

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  3. Bem, era um processo semelhante ao que vivemos hoje, mas sem essa de marginalizar o processo como é feito hoje.Acho que na época as gravadoras nem sabiam disso, sei lá...

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