O Jazz e Sua Formação - Parte 3


Por Fábio Pires
Pesquisador e Colecionador

O formato de jazz band que conhecemos atualmente tem a ver com o agrupamento inicial de instrumentistas no começo da cena jazzística, músicos amadores que tinham uma mesma idéia para tocar um estilo de que tanto gostavam. Os primeiros grupos que formaram um jazz mais 'organizado' surgiram por volta do início do século XX, com instrumentos bem diferentes daqueles que caracterizavam os anos 40 ou mesmo os grupos de jazz rock que começaram no início dos 60, abrindo seu espaço definitivo junto à transformação musical que viveu essa década e que tanto conhecemos.

A habilidade dos instrumentistas por volta de 1890 não era uma primazia, não havia uma formação técnica, algo que veio a ocorrer mais tarde, com músicos que passamos a conhecer pela mídia, como Louis Armstrong, Duke Ellington ou Chet Baker. Os músicos eram mais autodidatas do que exímios concertistas, tocavam instrumentos pelo fato desses virem parar em suas mãos e de não terem alternativa para outros.


Vale a pena mencionar os chamados minstrels (menestréis), artistas que tocavam seus lamentos ao som de um violão pelas ruas. Muitos deles saíam em grupos para a divulgação de seus trabalhos e, de uma forma até circense, exibiam sua poesia em forma de música, arte essa que era chamada de vaudeville (grupos de arte ambulante que marcaram sua influência até a década de 10 do século XX - procurar nas obras de Bertold Brecht, dramaturgo alemão que fazia alusão ao vaudeville e que se utilizou dele em suas peças, influenciando nada menos que Jim Morrisson em muitas das canções dos Doors).

O fato é: após a Guerra da Secessão (1865) muitos soldados que tinham morrido ou fugido desse conflito interno dos EUA abandonaram seus instrumentos de bandas militares. As tubas, cornetas, clarinetas, saxofones e outros eram aproveitados pelos negros (ex-escravos), que deles se apropriaram para justamente 'compor' suas primeiras notas. Colegas, o jazz veio do resto, do lixo, daquilo que o homem branco deixou para o negro e que, muito bem aproveitado, foi trazido à esfera da arte musical, mesmo que no início eles não tivessem esse pensamento artístico. E não tinham mesmo, mas criaram, souberam criar, souberam deixar um legado. Do 'lixo ao luxo', isso é muito estranho de escrever, mas foi justamente isso que nos deram há mais de um século atrás. 


De todos esses fatores mencionados (curiosidade, vaudeville e instrumentos que foram apropriados) é que nasceram as jazz bands. Elas se baseavam em pequenos grupos ou até uma orquestra completa composta pela front line (músicos da linha de frente) e a chamada rhythm section (acompanhamento de ritmo e de harmonia da música).

No início em New Orleans tínhamos: 
front line tradicional formada por corneta, e tempos após o trompete e a clarineta; seção rítmica formada pela tuba (substituída após pelo contrabaixo), o banjo (depois pela guitarra) e a bateria; piano como participante de ambas as posições de uma big band, executando solos, auxiliando na harmonia e ritmo.

Com instrumentos de ambas linhagens, militar e doméstica (piano, por exemplo), formou-se o que já podemos considerar como as modernas
big bands, pois seu formato não foi alterado. A essência do estilo New Orleans baseava-se na melodia tocada pela corneta (ou trompete) com graves e agudos formados pelo trombone e clarineta.

Mas muitos músicos não tiveram tanta sorte em achar instrumentos ou comprar os mesmos, portanto entra em cena a imaginação em fabricar os instrumentos, processo semelhante ao que aconteceu no samba brasileiro. Colegas, o negro era e ainda é extremamente criativo, e isso ficou pautado na elaboração das bandas de jazz nos EUA. 


Chamamos de spasm bands aquelas que eram formadas por músicos de técnica precária, esses mesmos que não tiveram a sorte grande de ter instrumentos mais caros e refinados. Esses instrumentos eram a guitarra, a rabeca, o banjo, pentes em papel, latas, chaleiras, vários utensílios de cozinha e as famosas washboards (tábuas de lavar roupa). As spasm bands continuaram até os anos 20, dando lugar às reais bandas de jazz. Nesse exemplo, o artista Kid Ory se mostrou para o mundo da música e com dinheiro conseguiu seu primeiro trombone real, e seguiu sua carreira como músico profissional. Havia espaço para a criação dentro das spasm bands, havia a criatividade que mais tarde fortaleceu o jazz dentro do fusion, ou jazz rock, por exemplo. Creio que paralelamente à técnica do estilo veio a criativadade do músico, que mesmo sem conhecer as formalidades técnicas da música clássica criou seu próprio mundo musical, sua própria verdade técnica. Isto é jazz.

*Ajudou-me nesta pesquisa a obra do grande Augusto Pellegrini, "Das Raízes ao Pós-Bop", da editora Códex.

Comentários

  1. Mais um texto excelente. Parabéns, Fábio.

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  2. Flávia, muito obrigado pelo seu excelente comentário. O propósito do blog é esse mesmo, trocar informações sobre música, e seu texto é muito elucidativo.

    Abraço.

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