Bandas de Um Disco Só: Kahvas Jute - Wide Open (1971)


Por Ronaldo Rodrigues
Colecionador

A História

O Kahvas Jute foi formado a partir do grupo Mecca, encabeçado pelo guitarrista Dennis Wilson, que era um músico de estúdio do cenário de Sydney e já tinha rodado o circuito com vários grupos beat. Junto com Dennis, faziam parte do Mecca o baixista Bob Daisley e o baterista Robin Lewis. Em 1970, também contariam com os vocais de Clive Coulson, um cara super descolado que já tinha trabalhado como roadie dos Yardbirds, Pretty Things e Led Zeppelin. O Mecca chegou a lançar um single e excursionou pela Nova Zelândia por um ano, mas logo Coulson pulou fora voltando a trabalhar com o Led Zeppelin em sua tour européia de 1970. 

Isso motivou o fim do grupo naquele mesmo ano. Wilson e Daisley começavam a trabalhar em um novo projeto. Wilson tinha fama razoável como guitarrista e convidou os então membros do Tammam Shud (banda emergente do cenário de Sydney), o baterista Dannie Davidson e o guitarrista Tim Gaze, para a nova banda que formaria junto com Daisley. Tim era um garoto prodígio de 17 anos que detonava nas seis cordas, tendo substituido o primeiro guitarrista do Tammam Shud, Alex Zytnic. Já Dannie era membro desde o início do grupo.

Banda formada, começaram a trabalhar em composições e batalhar a gravação do disco. O entrosamento era impressionante e já no início era aclamados pelas platéias que os viam. Isso atraiu a atenção do selo Festival, que estava inaugurando uma subsidiária para cuidar de grupos mais ousados, a Infinity. Selado o contrato, partiram para os estúdios da Festival e gravaram "Wide Open" em apenas três dias, mesmo contando com tempo ilimitado de estúdio. 


O disco foi um dos primeiros lançamentos da Infinity, que começou no mercado em janeiro de 1971, e foi bastante comentado na época, pois a banda arrebentava ao vivo e o álbum tinha ótimas composições. Mas enquanto o LP estava sendo lançado, o jovem Tim Gaze novamente voltava a trabalhar com o Tammam Shud para o lançamento do disco "Goolutionites and the Real People", o que atrapalhou bastante a divulgação do trabalho. 

A banda resolveu seguir em frente como trio. Wilson e Davidson partiram para a Inglaterra, tentando a sorte por lá, já que "Wide Open" passou a ser comentado entre os mais antenados na terra da Rainha. Bob Daisley inicialmente não foi, sendo substituído temporariamente por Scott Maxey. A banda, infelizmente, acabou passando um tanto quanto despercebida por lá e terminou. Existem boatos não confirmados de que David O'List, do Nice, teria tocado com os caras também nessa estada pela Inglaterra.

Bob Daisley acabou se dando bem por lá, trabalhando com grupos como Mungo Jerry e Chicken Shack, e posteriormente fazendo fama com o Rainbow, Uriah Heep, Black Sabbath e Gary Moore. Dennis Wilson chegou a ser convidado para integrar um projeto com ex-membros do Jeff Beck Group em 73, porém o lance não se concretizou. Dennis voltou para a Austrália e reformulou o Kahvas Jute, com Davidson e Maxley, que durou até 1974, tendo como maior feito ser banda de abertura de Bo Diddley durante sua tour australiana. Wilson formou o grupo Chariot e Davidson foi para o grupo de blues-rock Band of Light. Tim ficou com o Tammam Shud até o fim da banda, em meados de 72 e depois fez vários trabalhos relevantes, sendo um guitarrista muito respeitado em seu país.

O Disco


"Wide Open" possui uma beleza rústica e surrada pelo tempo na sonoridade de violões, guitarras, baixo e bateria. Um céu mágico de estrelas pulsando numa trilha poeirenta, com um som sujo, enlameado, curado de sol. Um disco repleto de barulhos maquinais acelerados, com canções em que predominam nuances belas, mudanças, instrumental eloquente. É a trilha do soprar dos ventos no cabelo, som do desapego e da beleza de quem põe os sonhos na mochila.

Aqui há todo um espectro de frequências a serviço de um caldeirão magmático em ebulição. Peso e lisergia devastando os obstáculos que se opõe a uma livre e improvisada expressão de música. Bateria e baixo numa pulsação quase sexual e solos de guitarra ardendo como braseiros no deserto. Toques jazzistas sofisticados numa abordagem pitoresca de um instrumental hippie rural. Baixo e guitarra em encontros e embates trefêgos em "Parade of Fools" e "She's so Hard to Shake"; sofisticação em paisagens psicodélicas em "Steps of Time", "Up There" e "Twenty Three". Improvisações da escola do Cream, com baixo despejando rastros de seu fraseado grosso e astuto e solos de guitarra fantásticos; orientação blues, folk e de tudo o que passeava naquele imaginário hippie. Um disco de vida quente, intensa na busca infinita do horizonte.

Fora da Austrália, é bem díficil encontrar o LP. Em CD, o selo italiano Akarma o relançou nesta década, sempre com o capricho que lhe é de praxe. Em julho de 2005 o grupo se reuniu para um show em Sydney e lançou o material em vídeo, mostrando bastante vigor e qualidade nas releituras de suas canções. Além do vídeo, batizado de "Then Again: Live at The Basement / The Quickening", o disco "Wide Open" também foi relançado pelo selo Aztec Music com algumas faixas bônus do atual período do grupo.



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