11 Discos para começar a gostar de jazz


Por Régis Tadeu
Colecionador e Jornalista
Matéria publicada originalmente no site Yahoo!

O pessoal aqui do Yahoo! pediu para que eu escrevesse alguns artigos que indicassem os melhores discos de determinados gêneros para quem não está familiarizado com os mesmos.

É uma tarefa até que razoavelmente fácil, desde que se tenha em mente que a pessoa que nunca teve um contato mais profundo com o jazz, por exemplo - que é justamente o gênero que resolvi abordar agora neste espaço -, não pode ouvir logo de cara trabalhos de melodias e harmonias complexas - como algumas obras do genial Charlie Parker -, muito menos de artistas transgressores como Ornette Coleman.

Muitas vezes, uma pessoa pega bronca de um determinado tipo de música justamente porque começou ouvindo os discos, digamos, "errados" para quem nunca teve qualquer experiência com o respectivo gênero.

Por isso, procurei montar uma verdadeira seleção de craques, com onze álbuns escolhidos para facilitar a entrada dentro do maravilhoso mundo do jazz, um universo difícil de abandonar depois que seus labirintos sônicos são desvendados. Embaixo de cada texto há uma sugestão de um outro álbum do artista, caso você tenha curtido a minha dica e queira ir além. 

Vamos a eles:

1) Miles Davis - Kind of Blue (1959)

Sem sombra de dúvidas, este é o disco mais importante da história do jazz. Foi o momento em que o virtuosismo acelerado deu lugar a uma elegância harmônica e a uma sensibilidade melódica até então inédita. O mais inacreditável é que a fantástica banda que o trompetista reuniu para este álbum - o pianista Bill Evans, o saxofonista Cannonball Adderley, o baixista Paul Chambers e o baterista Jimmy Cobb - só tomou conhecimento das composições poucas horas antes de o gravador do estúdio ter sido ligado, ou seja, muito daquilo que se ouve aqui foi pura improvisação.

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'Round About Midnight (1957).

2) John Coltrane - Ballads (1963)

O maior saxofonista de todos os tempos nem sempre agradou a todos. Embora os amantes ortodoxos do jazz abominem este disco,
Ballads mostrou que no estilo exuberante de Coltrane, por vezes bastante complexo e repleto de notas surpreendentes, também cabia a delicadeza em prolongar as notas dentro de temas profundamente românticos, mas sem jamais deixar os arranjos açucarados. Isso sem contar o maravilhoso piano de McCoy Tyner.

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A Love Supreme (1965).

3) Oscar Peterson - Night Train (1963)

No piano, não tinha para ninguém. Dono de uma técnica quase sobrenatural, Peterson era capaz de imprimir velocidades estonteantes para os padrões do gênero em seus arranjos e ainda assim soar de modo suingado. Neste álbum, o genial pianista deu um tratamento jazzista a diversos temas do blues e rhythm n' blues, acompanhado por dois de seus melhores parceiros - o baixista Ray Brown e o baterista Ed Thigpen. Preste atenção à belíssima versão de "Georgia on My Mind", de Ray Charles.

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Blues Etude (1966).

4) Chet Baker - Baby Breeze (1965)

Um dos primeiros nomes da escola West Coast, vibrante e suingada, que se contrapunha à introspeção e complexidade do jazz feito em Nova York, Baker era um músico especial. A maneira como ele tocava seu trumpete era de um intimismo avassalador, algo que pode ser facilmente comprovado neste disco, em que não só exibia sua delicadeza como instrumentista, mas também ao cantar doces melodias com uma voz quase hipnótica. Quase não dá para acreditar que ele morreu de modo trágico - ele caiu da janela de seu apartamento depois da última das milhares de doses de heroína que tomou na vida.

Gostou? Ouça Chet Baker Sings (1954).

5) Grant Green - I Want to Hold Your Hand (1965)

Guitarrista extraordinário e subestimado, Green conseguia misturar jazz, blues, rhythm n' bluese até algumas pitadas de soul e bossa nova - ouça com atenção a reconstrução que o guitarrista fez de "Corcovado", de Tom Jobim, incluída neste disco. Ao lado do organista Larry Young, do saxofonista Hank Mobley e do lendário baterista Elvin Jones, Green esmerou-se em mostrar temas softs, quase românticos, mas cheios de bossa e charme. Dá para sentir que sua guitarra parecia respirar, ao contrário do estilo frenético de seu maior rival no instrumento, o sensacional Wes Montgomery.

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Matador (1979).

6) Art Blakey's Jazz Messengers - Moanin´ (1959)

O grupo deste extraordinário baterista praticamente redefiniu o conceito de vanguarda dentro do jazz, incluindo de maneira brilhante elementos mais suingados dentro da rigidez rítmica do bebop. Neste disco, Blakey apresentou temas com um molho surpreendente.

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The Freedom Rider (1964).

7) Cannonball Adderley - Somethin´ Else (1958)

Um dos maiores saxofonistas de todos os tempos, Adderley tinha um estilo tão exuberante e alto astral que os fãs de jazz logo o identificavam quando ouviam qualquer participação que ele fizesse em discos de outros músicos. Aqui, ele despejava notas como se fossem petálas em um lago cristalino, fazendo com que os solos presentes em cada tema beirassem o sublime. Sem contar que Adderley foi acompanhado aqui por um time acima de qualquer suspeita (Miles Davis, o pianista Hank Jones, o baixista Sam Jones e o batera Art Blakey).

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Know What I Mean? (1962).

8) Bill Evans - Moon Beams (1962)

Poucos pianistas eram dotados da técnica e da sensibilidade de Evans. Sua música era introvertida e relaxante, mas sem qualquer traço de descartabilidade melódico/harmônica. A maneira como ele encadeava cada acorde era tão desconcertantemente bela que ele foi o responsável por influenciar inúmeras gerações de instrumentistas. Este foi o disco que Evans gravou logo após a morte de um de seus melhores amigos e parceiros de banda, o baixista Scott LaFaro, substituído posteriormente por Chuck Israels. Cada tema apresenta uma tristeza explícita, mesmo nos momentos em que predominam uma exuberância rítmica monumental, como em "Stairway to the Stars" e na quase-valsa "Very Early".

Gostou? Ouça Portrait in Jazz (1960).

9) The Dave Brubeck Quartet - Time Out (1959)

Raros foram os discos que trouxeram uma inovação rítmica tão grande quanto este, já que as composições eram tocadas com batidas até então inéditas dentro do gênero, muitas delas influenciadas por elementos oriundos da música erudita e de outras culturas, como a africana e a oriental - ouça com atenção o que o grupo fez em "Take Five" e "Blue Rondo à la Turk". O que para muitos parecia uma loucura acabou se tornando um inesperado sucesso de público. Brubeck elaborou aqui um álbum repleto de melodias riquíssimas, com um grau de sofisticação que atingiu um ponto máximo.

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Time Further Out (1961).

10) Duke Ellington - Such Sweet Thunder (1957)

Ele foi o mais importante compositor do jazz em todos os tempos. Isso é um fato inquestionável, mas Duke Ellington foi muito além disso. Como líder de sua orquestra, ele praticamente construiu um laboratório sonoro que se tornou uma fonte inesgotável de revoluções musicais. Este disco tinha um certo conceito por trás dele, já que Ellington resolveu se inspirar em diversas obras de William Shakespeare para criar cada uma das composições incluídas aqui.

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Ellington Uptown (1953).


11) Stan Getz - Jazz  Samba (1962)

Outro saxofonista maravilhoso, Getz foi um dos primeiros músicos internacionais a perceber a riqueza da música brasileira. Dono de um estilo ricamente melodioso, ele logo sacou que o samba e a então emergente bossa nova poderiam servir de inspiração para a criação de uma mistura perfeita com o jazz. E não deu outra: além de vender uma quantidade de discos inacreditável para os padrões da época, Getz literalmente abriu as portas do mercado mundial para artistas como João Gilberto, Tom Jobim e Sérgio Mendes. Neste álbum, as harmonias, melodias e ritmos não são menos que sublimes - preste atenção aos arranjos de "Desafinado" e "Samba de Uma Nota Só" (aqui batizada como "One Note Samba"). Ao lado do guitarrista Charlie Byrd - o verdadeiro responsável por apresentar a bossa nova ao saxofonista -, Getz soube divulgar a música brasileira no planeta como ninguém havia feito antes.

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Reflections (1963).

Comentários

  1. Obrigado pelas dicas. Ótimos discos. O que me estranha, para alguém que está começando a ouvir o gênero bem lentamente, é que o primeiro disco da lista, do Miles Davis, parece absorver todos os outros. É incrível como eu quero sempre voltar a ele.

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  2. Tenho esse 'problema' também com o 'Kind of Blue'. Sempre que o coloco para ouvir, ele acaba ficando no CD player por dias ...

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  3. Milesima vez por aqui, é sempre bom rever as fontes... viva a muisica lol

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  4. Como você citou na matéria, sei que a intenção não foi necessariamente elencar os top 10, apenas dar um ponto de partida para os néofitos. Ainda assim, só para registrar, uma curiosidade que notei, ao ler muitas listas relatando grandes nomes do jazz, de várias fontes, nenhuma delas cita o grande Art Tatum, que foi grande influência inclusive para John Coltrane e Charlie Parker, mas nunca entendi o motivo do mesmo não ser tão conhecido, mesmo entre os considerados “entendidos” no assunto. Palavras do grande Ray Charles em entrevista (vide link abaixo): “Ele faz parecer que são duas pessoas tocando (...) Meu Deus, cara! Você apenas senta ali e ouve Art Tatum e você não acredita no que está ouvindo! Eu acho isso muito impressionante! E a coisa mais próxima que ouvi [de Tatum], foi Oscar Peterson”

    https://www.youtube.com/watch?v=AGs7k_N-ZSs

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  5. No meu caso por mais que escute outros artistas e outros discos eu sempre volto para Chet Baker, eu me sinto bem ouvindo seus discos. Me acalma. Adoro sua musicalidade.

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