Castiga! - A estreia do funk espacial do Parliament / Funkadelic


Por Marco Antonio Gonçalves
Colecionador

Rápido e certeiro, a dica da vez é o álbum Osmium (1970), estréia do Parliament, clássica trupe formada em Detroit e comandada por Mr George Clinton. Lembro que quando achei este LP mal pude acreditar que a busca de anos havia terminado: vinil lacrado de 180 gramas, prensagem italiana impecável, capa dupla, encarte … e de “brinde” uma coleção de grandes canções. Quem conhece os discos do Parliament e do Funkadelic não tem dúvidas em apontar George Clinton como um dos maiores inovadores do funk, ao lado de James Brown e Sly Stone, outros monstros sagrados do estilo.

No que diz respeito à carreira de George Clinton, The Parliaments foi a primeira encarnação musical sob custódia do genial produtor, compositor e arranjador americano. Inspirado nos Temptations, o grupo vocal de doo-wop foi criado na segunda metade dos anos cinquenta, em New Jersey, e costumava se apresentar na barbearia onde Clinton trabalhava. Depois de algumas alterações, a formação com Clinton, Raymond Davis, Clarence Fuzzy Haskins, Calvin Simon e Grady Thomas se estabilizou. A trupe atravessou os anos sessenta realizando apresentações não só na barbearia de New Jersey, como também em bares e clubes noturnos de Detroit. Nesse compasso, o grupo acumulava gravações demos, singles fracassados e mudanças de gravadora.


Em 1967 o quinteto finalmente conseguiu emplacar o primeiro hit nas paradas norte-americanas, com o single “(I Wanna) Testify”, tema lançado em compacto pelo selo Revilot. Mas a alegria dos rapazes com o sucesso repentino durou pouco. Em 1968 a poderosa gravadora Motown comprou o pequeno selo e conquistou todos os direitos autorais da canção, deixando a trupe sem música, sem nome, sem selo e, o que é pior, sem grana. Só quando George Clinton assinou com os selos Invictus (que contratou o Parliament, já com a pequena alteração no nome) e Westbound Records (que acolheu sua nova criação, o Funkadelic) é que a doutrina P-Funk se estabeleceu e se solidificou.

A partir daí fica difícil desassociar o coletivo Parliament / Funkadelic. Duas indústrias sonoras com características diferentes, mas objetivos bem comuns: fabricar o groove em escala espacial. De um lado o Funkadelic, estremecendo os alicerces do funk com seu som experimental, pesado e psicodélico, totalmente influenciado pelo balanço black ‘n’ roll de Sly & Family Stone e pela guitarra ácida de Jimi Hendrix. Do outro, o Parliament, trazendo uma estrutura sônica mais acessível, com uma levada mais dançante e funky, onde as linhas de baixo e os metais aparecem com maior destaque do que as guitarras.


Na metade dos anos setenta, a sonoridade do coletivo se aproxima de tal forma que fica difícil diferenciar uma banda da outra. Um fator que contribuiu para essa equação foi a união dos integrantes das duas facções para celebrar, por diversas vezes, a instituição P-Funk. Shows intermináveis e apresentações energéticas que poderiam durar até o amanhecer, contando em média com mais de vinte integrantes. Só para se ter uma idéia, algumas apresentações contavam com até cinco guitarristas, dois tecladistas, dois bateristas e dois baixistas, além dos vocalistas e da tropa de metais (no caso, os Horny Horns de Fred Wesley e Maceo Parker). Acrescente a isso tudo cenários e figurinos surreais (óculos futuristas, chapéus de todos os formatos, perucas espalhafatosas, calçados com saltos enormes, capas e plumas coloridas, maquiagens). Doideira geral!

Mas voltando a falar sobre o álbum
Osmium, a formação que marca a estréia do combo Parliament agrupava o famigerado quinteto vocal das antigas (Clinton, Raymond Davis, Fuzzy Haskins, Calvin Simon e Grady Thomas), mais o reforço do pessoal do Funkadelic para incrementar as gravações: Bernie Worrell (teclados); Eddie Hazel (guitarra solo); Tawl Ross e Garry Shider (guitarra rítmica); William ‘Billy Bass’ Nelson (baixo); e Tiki Fulwood e Tyrone Lampkin (bateria). Vale lembrar que o lendário baixista William “Bootsy” Collins, só entraria para turma de Mr Clinton em 1972, participando ativamente das duas agremiações. Mais P-Funk que isso, impossível! 


Musicalmente falando, o álbum mostra uma eclética coleção de estilos, com George Clinton maquinando as bases para futuros temas do Funkadelic. Na verdade, o que se ouve é um som bem diferente do balanço arrasa-quarteirão dos álbuns seguintes do Parliament. Está muito mais para um álbum do Funkadelic do que do Parliament. Um funk encharcado de psicodelia black power (“Moonshine Heather” e “Funk Woman”), com guitarras e vocais energeticamente poderosos (“I Call My Baby Pussycat” é uma das minhas preferidas), em meio a paródias country (sério mesmo, escutem “Little Ole Country Boy” ou “My Automobile” e comprovem) e repleto de corais e temas gospel (“Oh Lord, Why Lord / Prayer”, “Livin’ the Life” e “The Silent Boatman” são para entrar em transe espiritual).

Destaque para as belas vocalizações da trupe, além das sensacionais intervenções guitarrísticas de Eddie Hazel (que usa e abusa dos pedais de efeito) e dos teclados maneiros de Bernie Worrell. Um disco sensacional que não dá para desprezar nenhuma das faixas. 

Nos anos noventa, Osmium foi relançado e distribuído por diversos selos nos Estados Unidos, Europa e Japão. As novidades ficam por conta dos títulos alternativos na capa (Rhenium e First Thangs) e das faixas bônus (singles e trilhas) que foram subtraídas do álbum original. Vale a pena correr atrás não só deste mas de outros títulos orquestrados pela mente fantástica de George Clinton, simplesmente o Frank Zappa do funk. P-Funk rules!!!

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