Mofo: Bill Evans - Conversations with Mysef (1963)


Por Rubens Leme da Costa
Colecionador

Mesmo sendo dono de uma carreira irregular e acidentada, o pianista norte-americano Bill Evans foi um dos maiores nomes do jazz em seu instrumento. Com uma técnica refinada, esse homem meio russo e meio galês participou de álbuns históricos como Kind of Blue, de Miles Davis, além de ter uma interessante carreira solo. Seu disco mais conhecido, Conversations with Myself, lançado em 1963, mostra o talento, a inventividade e o perfeccionismo de Evans, que morreu cedo, aos 51 anos.

Poucos pianistas marcaram tanto a música como William John Evans. Mesmo não sendo tão conhecido como Thelonious Monk ou Bud Powell, Bill Evans deixou sua marca nos amantes do jazz e foi uma influência direta nas obras de Herbie Hancock, Chick Corea e Keith Jarrett.


A música sempre foi uma paixão e começou cedo, aos seis anos, em uma igreja de Plainfield, Nova Jersey, onde nasceu em 16 de agosto de 1929. Sua primeira professora foi a mãe, de origem russa, pianista clássica e apaixonada por compositores modernos. Talentoso, aos 13 anos já sabia tocar violino e flauta e acabou indo estudar piano no Southeastern Louisiana College, onde se formou em 1950. Depois, foi estudar em Nova York, no Mannes College of Music.

Evans era apaixonado pela música impressionista e desenvolveu um estilo muito peculiar, que tanto agradou, por exemplo, a Miles Davis. Mas, antes de chegar a Miles, perambulou em vários clubes da cidade após deixar o exército.


Os dias duros foram amenizados após ser descoberto pelo produtor Orrin Keepnews, da Riverside Records, que lhe propôs um contrato. Bill já tinha uma boa fama, graças às gravações com Charles Mingus, Oliver Nelson, Tony Scott e Art Farmer. Estreia no selo com o disco New Jazz Conceptions (1956), que recebe boas críticas.

Em 1958 é contratado por Miles Davis para integrar sua banda, que participaria do histórico Kind of Blue, de 1959. Bill também havia sido recomendado por George Russell. Adepto da escola francesa impressionista, tinha um estilo mais europeu e que agradou em cheio Miles. A convivência com o grupo, porém, foi curta, já que Evans se sentiu desconfortável por ser o único branco do conjunto e por se sentir intimidado por Miles, uma pessoa de um humor esquisito e rude demais para o tímido pianista.


Mas seu trabalho com Miles lhe rendeu prestígio e Evans resolveu montar um trio com dois músicos igualmente criativos e talentosos, o baixista Scott LaFaro e o bateria Paul Motian. Batizados como Bill Evans Trio, lançam obras como Portrait in Jazz (1960), Explorations (1961) e Sunday at the Village Vanguard (1961), onde fica clara toda a técnica exuberantes dos três.

A promissora carreira acaba sendo interrompida com a morte repentina de LaFaro, em 1961, com apenas 25 anos, em um acidente de carro. O fato deixa Evans arrasado. Ele se recolhe por meses e começa a gastar todo seu dinheiro com drogas, especialmente heroína. Além disso, a Riverside enfrenta sérios problemas financeiros que a levam à falência. Sem dinheiro, sem trabalho e sem selo, a vida de Bill parecia sem um rumo, até ser salvo por duas pessoas: o produtor Creed Taylor e Helen Keane, que resolve ajudá-lo se tornando sua empresária em tempo integral.


Bill resolve retomar a carreira com um novo trio, tendo ainda Paul Motian e o baixista Chick Israels. Em 1962 lança o primeiro disco pela nova casa,
Empathy, tendo acompanhamento de Monty Budwig (baixo) e Shelly Manne (bateria). Após a obra, que lhe rendeu boas críticas, Bill resolve lançar um álbum sem acompanhamento.

Assim, ele e o produtor decidem produzir um álbum diferente. A ideia seria gravar oito canções cuidadosamente selecionadas em três pianos, todos tocados por Bill. Segundo Creed Taylor, Bill faria todos os overdubs. Seriam dois em cada faixa, com exceção de "Blue Monk", que teria apenas um overdub.

Os dois ficaram muito tempo escolhendo um repertório adequado, decidindo por três canções de Thelonious Monk, ídolo de Evans, e outras melodias. Apenas uma havia sido escrita por ele, "N.Y.C's No Lark", um anagrama de Sonny Clark, um grande pianista e amigo pessoal de Bill, que morrera um mês antes de começarem as gravações de um ataque cardíaco causado pelas drogas.

As gravações consumiram os meses de janeiro e fevereiro de 1963, e Creed Taylor teve toda a paciência e cuidado com Evans, optando por não apressá-lo e deixá-lo o mais confortável possível. Ele permitia que Bill tocasse da maneira que desejasse, interferindo o mínimo nas decisões. Outra importante pessoa nas gravações foi o engenheiro Ray Hall, que mostrava ao músico o que haviam gravado. "Nós gravamos a primeira parte, eu voltava a fita, colocava o fone na cabeça de Bill. Em cima do que ele ouvia, ele tocava novamente sobre a melodia e fazíamos uma terceira vez, com Bill ouvindo a segunda versão."


Geralmente a primeira gravação seria da melodia em si, com Bill fazendo a maior parte. As duas seguintes é que dariam o charme às gravações, onde procuraria acrescentar texturas delicadas. Bill costumava dizer que ninguém o conhecia tão bem quanto ele mesmo, e sabia de suas habilidades como pianista. Dessa maneira realizou gravações inesquecíveis, como a abertura com "Round Midnight", onde mostra sua paixão por Debussy, ou em "Spartacus Love Theme", melodia que extrai toda sua beleza, delicadeza e romantismo.

Lançado poucos meses depois,
Conversation with Myself trazia as seguintes faixas:

Lado 1
1. "'Round Midnight" (Thelonious Monk, Cootie Williams) – 6:33
2. "How About You?" (Burton Lane, Ralph Freed) – 2:48
3. "Spartacus Love Theme" (Alex North) – 5:08
4. "Blue Monk" (Thelonious Monk) – 4:32

Lado 2
1. "Stella By Starlight" (Victor Young, Ned Washington) – 4:50
2. "Hey, There" (Richard Adler, Jerry Ross) – 4:29
3. "N.Y.C.'s No Lark" (Bill Evans) – 5:34
4. "Just You, Just Me" (Jesse Greer, Raymond Klages) – 2:35

Quando lançado em CD, veio com duas faixas extras:

1. "Bemsha Swing" (Denzil Best, Thelonious Monk) – 2:54
2. "A Sleepin' Bee" (Harold Arlen, Truman Capote) – 4:10


O álbum se tornou um imenso sucesso, rendendo a ele um Grammy em 1964, o primeiro de sua carreira. Curiosamente Evans não ficou muito satisfeito com o resultado, resmungando que algumas faixas ficariam melhores com uma orquestra ao fundo.

Apesar da "crítica", o álbum deu a Bill um novo mercado pelo mundo, com apresentações na Europa e Japão. Bill logo reformaria sua banda, começando uma longa colaboração de onze anos com o baixista Eddie Gomez.

Depois disso, Evans teria uma vida ainda conturbada com vários problemas, até morrer em 15 de setembro de 1980 no Mount Sinai Hospital, em Nova York, onde faleceu de cirrose, úlcera e pneumonia, após lutar com a hepatite por tantos anos. Bill Evans tinha apenas 51 anos.

Comentários

  1. Ah, tenho recordações fantásticas desse álbum que me motivaram a escrever sobre ele.

    Lembro de uma vez que recebi um telefonema, quase de madrugada, pois eu havia marcado uma saída e dado o cano.

    A pessoa ficou furiosa e perguntou porque eu não havia ido e clamava minha presença.

    Dei então uma desculpa absurda. Disse que um amigo meu dos EUA havia chegado, em casa, de repente e eu estava com ele. Após ouvir impropérios vindos do outro lado da linha, a pessoa me disse:

    - Bom, que seja, traga-o então.
    - Impossível - eu disse.
    - Por que?
    - O piano é muito pesado.
    E bati o telefone e o tirei da tomada.

    É assim que gosto de ouvir esse disco: em profundo silêncio. Não tirando o telefone da tomada, embora, mal não faça.

    abraços

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