Entrevista exclusiva - Antonio Carlos Monteiro: "No início dos anos 80 todos nós aprendíamos fazendo, colocando a mão na massa"


Por Ale Cubas
Colecionador

É com muito prazer que estamos estreando aqui o quadro de entrevistas do Amplificando. Nesta nossa primeira entrevista falamos com um dos jornalistas musicais mais competentes e respeitados do Brasil. Há vinte e quatro anos em atividade, ele passou pelas principais publicações do país e atualmente é integrante da equipe da revista Roadie Crew. Estamos falando de Antonio Carlos Monteiro, o ACM, e ao contrário do que ele está acostumado, hoje é ele quem irá responder as perguntas.

Ale Cubas - Você chegou a escrever na hoje lendária revista Metal, mas ficou conhecido pelos vários anos nos quais escreveu para a Rock Brigade. Você poderia fazer um apanhado de sua carreira como jornalista musical?

Antonio Carlos Monteiro – Bem, comecei a me interessar por música bem novo. Sou de 1958 (que nem o Bruce Dickinson) e quem me levou pro "mau caminho" foram os Beatles. Mais tarde, em 71 pra ser exato, descobri o disco Killer, do Alice Cooper. Aí, não teve mais volta...

Agora, o interessante é que eu sempre quis ser jornalista. Quando surgiu a revista Rock- A História e a Glória (tenho a coleção completa até hoje), descobri que era exatamente aquilo que eu queria fazer. Concluí a faculdade de Jornalismo em São Paulo (Faculdade Cásper Líbero) em 1979, trabalhei como assessor de imprensa um bom tempo e ia fazendo uns bicos com a música. Até que em 1985 a revista Roll (da mesma editora que fazia a Metal) publicou um anúncio procurando um setorista em São Paulo, já que a redação ficava no Rio. Participei da seleção e fui o escolhido. Daí, não parei mais... Foram quatro anos de Roll/Metal, 18 de Rock Brigade e agora quase dois de Roadie Crew.

Uma curiosidade: a primeira matéria que fiz para a Roll foi a cobertura do show de lançamento do disco de estreia do Ultraje a Rigor, Nós Vamos Invadir Sua Praia. Esse show aconteceu exatamente no dia 13 de julho de 1985, e nesse mesmo dia acontecia, na Inglaterra e nos EUA, o festival Live Aid. Por causa do festival, esse dia viraria a ser o Dia Mundial do Rock – e foi também o dia da minha estreia.

AC - Como surgiu a oportunidade de integrar a equipe da Roadie Crew?

ACM – Desde que me desliguei da Rock Brigade, no segundo semestre de 2007, fui convidado a colaborar com a Roadie Crew. No início deste ano, como todos sabem, houve uma mudança na equipe da revista e fui convidado pelos editores para fazer parte da equipe de redatores. Fiquei extremamente honrado com o convite, até porque havia excelentes profissionais disponíveis no mercado, incluindo meus ex-companheiros de Rock Brigade, Ricardo Franzin e Fernando Souza Filho. Ou seja, dentre tantos profissionais brilhantes, foi realmente uma honra ter sido escolhido.

AC - Como você encara a atual situação da Rock Brigade? Você sabe se eles realmente irão parar de publicar a revista e vão se limitar apenas à internet?

ACM – Veja, minha saída da revista não foi tão amistosa como alguns pensam. Nunca comentei isso publicamente, mas a realidade é que a editora ficou me devendo uma quantia considerável referente a salários não pagos, e como as tentativas de resolver a questão de forma negociada não foram bem sucedidas, tive que acionar a empresa junto à Justiça do Trabalho. Foi feito um acordo, diante de um juiz, para o pagamento dessa verba, acordo esse que não foi cumprido pela editora. No momento o caso está em fase de execução judicial e, por conta de tudo isso, prefiro não tecer nenhum comentário sobre a Rock Brigade. A única coisa que digo é que a situação atual em nada me surpreende.

AC - Quais foram as maiores diferenças que você sentiu entre trabalhar com a Rock Brigade e trabalhar com a Roadie Crew?

ACM – Como disse, não gostaria de falar sobre Rock Brigade. O que posso afirmar a você é que a relação da Roadie Crew com seus colaboradores é baseada no respeito, no profissionalismo e na extrema consideração. E mais: cheguei para participar de um ambiente que já estava solidificado, o que poderia gerar ciúmes e até alguma disputa interna. Muito pelo contrário, fui recebido de forma extremamente amistosa pelos meus novos colegas de trabalho e hoje me sinto totalmente em casa trabalhando na Roadie Crew. Quero ficar lá pra sempre!

AC - Quais foram as maiores dificuldades em sua carreira?

ACM – No começo nada era fácil para ninguém. No início dos anos 80 todos nós aprendíamos fazendo. Os músicos tinham pouca informação, ter um instrumento decente era quase impossível, não havia professores de música especializados em rock. Os produtores e técnicos de som mal sabiam como deviam gravar uma banda. E nós, do jornalismo, sofríamos com a falta de informação. Então, dá pra dizer que não tinha facilidade nenhuma! Mas era muito divertido.

AC - Como você vê a atual situação da mídia especializada em nosso país?

ACM – Não só a mídia especializada, como toda a mídia está sofrendo um processo de profunda mudança. Aquilo que, anos atrás, imaginávamos que um dia aconteceria, está acontecendo: a internet está aí como principal fonte de informação em todos os setores e cabe aos demais ramos da imprensa (principalmente a escrita) repensar sua forma de atuação. Hoje, o papel da mídia impressa é aprofundar mais os assuntos, já que a informação imediata, pura e simples, passou totalmente para a internet. Quem conseguiu se adaptar, sobreviveu.

AC - Apesar de a maioria do fãs de música pesada gostar muito do material físico (impresso), todos sabemos que hoje a internet é um dos maiores meios de informação. Isso acaba atrapalhando de algum modo quem trabalha com a mídia impressa?

ACM – Não, desde que se saiba como fazer. Acredito que com a mudança de postura que comentei na resposta anterior seja possível que a imprensa escrita sobreviva, especialmente nesse nosso ramo, já que o fã de rock é aquele cara que gosta de ler e reler uma matéria, colecionar as entrevistas com seus ídolos, etc.

AC - No seu ponto de vista, qual é a importância de blogs como este, junto ao rock? Em que eles mais ajudam e em que eles mais atrapalham?

ACM – Como jornalista, não consigo ver qualquer meio de informação atrapalhando. O fundamental é que os responsáveis pelos blogs e sites tenham plena consciência da responsabilidade que possuem e ofereçam um produto de qualidade em todos os aspectos: visual, qualidade de texto e qualidade da informação. Se cumprir esses requisitos, ele terá aquilo que deve ser o alicerce de qualquer veículo de comunicação: a credibilidade. Pelo que vi, o Amplificando está no caminho certo.

AC - Como surgiu sua paixão pelo rock e, principalmente, pelos Rolling Stones?

ACM – A paixão pelo rock eu já expliquei lá na primeira pergunta. Os Stones entraram na minha vida em 1968, quando aborreci minha mãe até que ela comprasse o compacto (sim, em vinil!) de "Jumpin' Jack Flash". Daí, não parei mais! Os Stones são a banda que falam mais forte pra mim até hoje. E aquele compacto ainda está comigo. Inteirinho!!

AC - Vamos falar um pouco sobre suas entrevistas: qual foi a mais marcante de sua carreira?

ACM – Sem dúvida foi entrevistar pessoalmente meu segundo maior ídolo, Alice Cooper. Foram só 15 minutos, em julho de 2007, mas foi muito especial. E ele é um gentleman!

AC - Qual menos gostou de fazer?

ACM – Não houve nenhuma que justificasse uma expressão tão pesada como "não gostar de fazer". Eventualmente, há aquelas entrevistas que não rendem como esperado, tem aqueles caras que são chatos de entrevistar, mas não houve nada que me traumatizasse. Pelo menos até agora.

AC - Teve aquela entrevista cercada de situações engraçadas?

ACM – Já contei essa história um monte de vezes, mas ainda acho que ela é divertida. Lá nos anos 80 fui entrevistar o Toy Dolls para a Roll. Meu inglês era capenga, coitado, e a gravadora ficou de mandar uma pessoa pra servir de tradutor. Só que houve um incêndio mais ou menos perto de onde era o hotel em que a banda estava hospedada e o trânsito simplesmente travou. Eu estava ali perto, fui a pé e cheguei na hora. E cadê o tradutor? Não tinha celular naquela época, então não havia jeito de localizar a criatura. Lá pelas tantas, resolvi fazer na raça. Eu com meu inglês macarrônico e eles falando cockney, que é um tipo de gíria que se fala em Londres. Foi praticamente uma entrevista feita por mímica! Mas o legal é que, quando o tradutor finalmente chegou, eu dei uma geral nas perguntas e vi que a gente tinha se entendido direitinho!

AC - Muitas vezes conseguir uma boa entrevista vai além da boa vontade do jornalista. Qual a banda que você teve mais obstáculos para conseguir realizar uma entrevista?

ACM – Hoje as entrevistas são todas agendadas pela redação, a gente recebe a informação de dia, horário e formato (telefone, e-mail, pessoalmente) em que ela vai acontecer. Mas normalmente as bandas grandes são sempre as mais complicadas porque a agenda dos caras é um troço verdadeiramente absurdo em termos de compromissos.

AC - O que você mais gosta de fazer? Resenhas de álbuns, entrevistas ou cobertura de shows? Por quê?

ACM – Nenhuma dessas coisas. Curto tudo isso, mas o mais legal é fazer matérias que demandem pesquisa. A Roadie Crew tem várias seções e é bem divertido levantar informações que pouca gente conhece, descobrir histórias paralelas, etc. Gosto muito de trabalhar com pesquisa e estou até mesmo dando os primeiros passos num livro no qual pretendo contar a história do rock no Brasil. Só no início da pesquisa já descobri coisas inacreditáveis! Agora, pra escolher uma dentre essas que você cita, a entrevista é mais interessante por ser algo que se pode elaborar melhor.

AC - Na sua opinião quais são os pontos fundamentais para uma boa matéria?

ACM – Olha, eu sempre tenho algo em mente quando vou fazer uma matéria: se eu fosse o leitor, o que gostaria de ler a respeito desse assunto sobre o qual vou escrever? A partir daí, tem que fazer a lição de casa: pesquisar o artista sobre o qual você vai escrever, dar uma nova escutada nos discos que ele gravou, etc. Se fizer isso e tiver jeito pro negócio, vai ser muito difícil sair uma matéria ruim.

AC - Em sua carreira você deve ter se deparado com inúmeras bandas iniciantes que mandavam suas demo tapes para a redação. Dessas bandas, teve alguma você descobriu e que hoje pode ser considerada um grande nome?

ACM – Acontece muito de algum músico de uma banda que você resenhou lá nos primórdios aparecer numa banda de maior renome hoje. Mas, apesar de não ter sido eu quem resenhou, acho que a banda que mandou demo para a redação e realmente explodiu foi o Raimundos.

AC - Teve algumas dessas bandas de que você não gostou do material e hoje são destaques na cena?

ACM – Sinceramente não me lembro de nenhum caso assim, mas não me surpreenderia se acontecesse. Afinal, nem sempre o fato de alguém fazer sucesso significa que esse sujeito tem talento, não é mesmo?

AC - Com todos esses anos de experiência, como você vê atualmente a cena brasileira e mundial?

ACM – Se sua pergunta se refere a algo de inovador na cena, poderia dizer que o momento é de estagnação. Por outro lado, você vê que, mesmo com as dificuldades atuais (aquilo que eu falei da mídia em relação à internet se aplica de forma ainda mais contundente em relação às bandas, por conta da troca de arquivos musicais pela internet), as bandas continuam tocando, lançando discos e movimentando a cena. Então, por esse aspecto, a coisa continua funcionando a todo vapor – o que é ótimo!

AC - Quais as bandas novas que você gosta de ouvir?

ACM – Cara, me apaixonei pelo Chickenfoot! Aquilo é rock'n'roll de verdade, feito por uns caras bons pra cacete e que parece que estão se divertindo a valer tocando aquelas músicas. É meu disco do ano, fácil!

AC - Na Roadie Crew vocês gostam de torturar seus entrevistados pedindo um top#5 de melhores álbuns. Eu não vou ser tão maldoso com você e vou pedir para você fazer um top#10.

ACM – Não deve ser difícil. Vamos lá:

1) Tattoo You – Rolling Stones
2) Sgt. Peppers Lonely Heart's Club Band – Beatles
3) Killer – Alice Cooper
4) Machine Head – Deep Purple
5) Volume II – Led Zeppelin
6) Volume I – Black Sabbath
7) Tommy – The Who
8) A Night At The Opera – Queen
9) New York Dolls – New York Dolls
10) Are you Experienced? – Jimi Hendrix

Pode ser que amanhã cedo eu queira mudar algum disco, mas hoje é isso!


AC - Por curiosidade, você toca algum instrumento? Já tocou ou toca em alguma banda?

ACM – Sim, eu maltrato uma Fender Strato em duas bandas: Jack Flash, que presta tributo aos Rolling Stones (www.jackflash-stones.com.br), e Big Bang, um quinteto de grandes amigos que se reúne pra tocar Classic Rock, jogar conversa fora e tomar muita cerveja!

AC - Muito obrigado pela entrevista, fica aberto aqui um espaço para suas considerações finais.

ACM – Eu que agradeço pela oportunidade e desejo a vocês do Amplificando todo o sucesso do mundo.

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