Os 40 Anos do The Isle of Wight Festival


Por Vitor Bemvindo
Historiador, Colecionador e Apresentador do Programa Mofodeu

Até a organização do The Isle of Wight Festival esqueceu que, em 2008 se comemorou o quadragésimo aniversário deste tradicionalíssimo festival inglês de rock. Nós do Mofodeu não esquecemos e trazemos aqui um retrospecto do que foi esse evento em seus primórdios. No nosso site fizemos um programa especial só com gravações originais da edição de 1970 do festival.

Kaiser Chiels, Sex Pistols e The Police foram os headliners da apagada edição de 2008 do lendário festival, mas pouquíssimo, ou quase nada, se falou sobre o evento, já que hoje em dia trata-se de um festival de segundo escalão se comparado com outros do circuito do verão europeu, como o Rock Am Ring na Alemanha, Download Donington Park Festival na própria Inglaterra e até mesmo o Rock in Rio, que anda perdido entre Lisboa e Madrid.

Mas quando essas bandas nem pensavam em nascer, o Isle of Wight Festival era o mais prestigiado festival europeu do fim da década de 1960. Na época em que surgiu, 1968, não existia a tradição de festivais de rock no velho continente. Era nos Estados Unidos que esses grandes eventos começavam a se disseminar junto com a contracultura e o movimento hippie. O primeiro festival de grande porte aconteceu em Monterey, Califórnia, em 1967. Este foi seguido pelo Miami Pop Festival (1968), Atlanta International Pop Festival (1969 e 1970), Altamont Speedway Free Festival (1969) e pelo mais conhecido deles, o Woodstock (1969), todos na América.

Visão geral da Ilha de Wight

Na Europa, em 1967 o único festival de música importante era o Moutreaux Jazz Festival, que só passou a receber bandas de rock a partir de 1970, com a presença de artistas como Deep Purple e Santana. Mesmo assim, o festival suíço continuou tento características de um evento de jazz, sendo realizado num cassino e para um público seleto.

O Isle of Wight foi o primeiro festival europeu a céu aberto, de grande porte e reunindo bandas de rock de expressão. A primeira edição foi realizada em 1968 tendo em seu line-up bandas como Jefferson Airplane, Smiles e o Tyrannosaurus Rex de Marc Bolan, e foi, até então, o maior festival já realizado na Inglaterra. Só houve um dia de shows, assistidos por aproximadamente 10 mil pessoas.

No ano seguinte o festival já contava com algum prestígio e conseguiu reunir nomes de mais peso, tais como The Who, Joe Cocker, The Band, Moody Blues, Free, Richie Havens e Bob Dylan. O sucesso foi ainda maior do que o da primeira edição, e finalmente a Europa entrava no circuito dos grandes festivais de rock. Em dois dias de shows, o festival conseguiu reunir cerca de 150 mil pessoas, um aumento considerável de público.

Poster da edição de 1970 do festival

O auge do Isle of Wight Festival foi em 1970, quando contou com a participação de cerca 50 artistas durante cinco dias consecutivos, reunindo um público de quase 600.000 pessoas, sendo que a população da ilha não chegava a 100 mil habitantes. A grande confusão feita pelos visitantes aterrorizou os moradores de Wight. Foi uma grande movimentação para aquela pacata ilha. Essa movimentação pode ser vista no documentário Message to Love – The Isle of Wight Festival, lançado em 1997. Além disso, o filme mostra trechos de shows antológicos da edição de 1970.

É difícil destacar momentos altos do festival, já que um sem-número de grandes bandas fizeram parte do line-up. Tentarei aqui destacar alguns dos muitos inesquecíveis shows. O festival foi aberto numa quarta-feita, dia 26 de agosto de 1970, por artistas não muito conhecidos como Judas Jump, Mighty Baby e Kris Kristofferson (mais lembrado por ser o compositor de "Me and Bobby McGee", hit na voz de Janis Joplin). Fechou a noite a banda californiana Redbone.

O segundo dia teve como destaque as bandas emergentes do rock progressivo Supertramp, Black Widow e o cantor norte-americano Tony Joe White. Nesse dia tocaram ainda Terry Reid (hoje conhecido como o cara que recusou convites para cantar no Led Zeppelin e no Deep Purple), além do brasileiro Gilberto Gil, convidado como representante do Tropicalismo.

A partir da sexta-feira, as grandes bandas começaram a se apresentar. É certo que em 1970, grupos como Cactus, Family, Chicago, Taste e Procol Harum não eram tão famosas ainda, mas todas elas alcançaram relativo sucesso, algumas sendo consideradas inclusive grandes mitos da história do rock.

Pete Townshend enlouquecendo junto com o público

O festival esquentou de vez no quarto dia, quando se apresentaram Emerson Lake & Palmer, Miles Davis, Sly & The Family Stone, o Free de Paul Rodgers e Simon Kirke, Ten Years After e Joni Mitchell. Mas o grande destaque deste sábado foram as apresentações do The Who e dos Doors. Pete Townshend e companhia executaram, na íntegra, a recém-lançada ópera rock Tommy, além de alguns sucessos antigos e músicas inéditas como "I Don’t Even Know Myself", que acabou nunca sendo incluída em álbuns oficiais da banda. A apresentação do Doors no Isle of Wight Festival é considerada uma das mais antológicas da banda e ficou marcada como uma das últimas aparições de Jim Morrison, que viria a falecer menos de um ano depois.

O festival foi encerrado num domingo, 30 de agosto, com shows de Jethro Tull, Moody Blues e Joan Baez, entre outros. O grand finale ficou por conta de Jimi Hendrix, anunciado ainda como seu trio Experience, mas se apresentando já com sua nova banda, com Billy Cox no baixo, mas ainda com Mitch Mitchell na bateria. Um show antológico, com destaque para a inédita "Ezy Rider". Bela forma de se encerrar um festival!

Depois disso, foram longuíssimos 32 anos até que o rock voltasse à pequena ilha inglesa. O festival foi retomado no início desse século, mas sem o mesmo brilho. O maior destaque das novas edições do Isle of Wight foi o grandioso show dos Rolling Stones em 2007. Fora isso, nunca mais aquela ilhota recebeu shows com a magia característica de fins dos anos 1960 e início dos 70.

Em 2008 o festival completou 40 anos em agosto e nada foi comentado. Passou em branco. Mas nós do Mofodeu, o programa que tira o mofo do rock, não poderíamos deixar que tal esquecimento se estabelecesse. No Mofodeu#033 selecionamos algumas gravações originais do
Isle of Wight Festival de 1970. Muitas raridades e momentos históricos nesse grande programa. Para ouvir, basta acessar www.mofodeu.com



Comentários

  1. Para quem não gosta de Woodsstock, esse festival não tem o que ser criticado...

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  2. Estou muito feliz de fazer parte da família Collector's Room.
    Tomara que essa parceria entre o MOFODEU e o site renda muitos frutos.
    Obrigado pela oportunidade, Ricardo!

    Vitor Bemvindo
    www.mofodeu.com

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  3. Vitor, com certeza renderá bons frutos, tanto para o Mofodeu quanto para a Collector´s. Estou muito satisfeito de ter você aqui com a gente.

    E, só uma dica: você tem o DVD do Miles, A Different Kind of Blue, com o show da Isle of Wight de 1970, certo? Já reparou que o nosso ex-Ministro da Cultura, Gilberto Gil, aparece em determinado tempo na platéia, com uma cara pra lá de chapada?

    Abraço, e vamos nessa!

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