O bardo canadense na arena britânica


Por Maurício Rigotto
Colecionador
Collector´s Room

Há cerca de um mês, exatamente no ápice do temor provocado pela pandemia mundial de Influenza A, a popular gripe suína, um casal de amigos, em férias de seus empregos, resolveu passar uma semana fazendo turismo em Buenos Aires.

A escolha deixou os amigos em polvorosa, não que a capital da Argentina não seja uma das mais belas cidades da América do Sul para se visitar, mas o momento os colocava na contramão da história, pois os primeiros casos de infecção pelo vírus por aqui se manifestaram justamente em pessoas que haviam passado por Buenos Aires recentemente, onde o surto estava em descomunal descontrole. A cidade estava praticamente deserta, os eventos foram cancelados, a rede hoteleira estava jogada as traças e todos evitavam ir para lá. Mesmo assim, esse casal de amigos encheu as mochilas com litros de álcool gel e embarcou para a capital portenha. Os amigos diziam: "Quando vocês voltarem, não nos visitem, apenas telefonem".

Quando retornaram, ele me ligou e perguntou: "Adivinhe o que eu trouxe de Buenos Aires?". Arrisquei: "Gripe suína?". Ele redargüiu: "Não, o DVD Leonard Cohen Live in London!". Fiquei empolgado, pois sou muito fã do bardo canadense, a ponto de esquecer os riscos e correr para assistir o tal DVD.


Leonard Cohen, nascido em 1934 em Montreal, província canadense de Quebec, em uma família judia de origem polonesa, é agora um senhor com 74 anos que há quinze anos não fazia uma turnê, desde que se converteu ao budismo, inclusive residindo por um tempo em um mosteiro. Não importa o que o motivou a voltar aos palcos, se foram os cinco milhões de dólares que o seu ex-empresário roubou-lhe, ou qualquer outro motivo, o que importa é que no dia 17 de julho de 2008 Cohen e sua excelente banda subiram ao palco do 02 Arena de Londres com grande entusiasmo, verve e paixão, para defronte a uma platéia lotada (vinte mil pessoas, incluindo o guitarrista do Pink Floyd, David Gilmour), fazer um show impecável de mais de duas horas e meia de duração.

Leonard Cohen continua com o mesmo charme e elegância que fizeram a sua fama. Trajando um terno risca de giz, ele educadamente agradece a multidão por várias vezes durante o concerto, sempre tirando o seu chapéu enquanto é aplaudido e ovacionado pela platéia. Seu humor ácido e seu lirismo poético permeiam seu extraordinário repertório, extraído de seus quarenta anos de carreira musical, desde a abertura com a magistral "Dance Me to the Ed of Love" e em clássicos como "Birn on the Wire"; "Everybody Knows"; "In My Secret Life"; "Who by Fire"; "Suzanne"; "Hallelujah"; "So Long, Marianne" e "Sisters of Mercy", que receberam interpretações magníficas por sua voz grave e rouca, permeada de emoção e poesia. Até mesmo quando tece comentários entre as canções ou quando apresenta os músicos da banda, Mr Cohen parece estar sempre declamando um de seus brilhantes poemas, recheados de cinismo e sarcasmo. Um dos melhores lançamentos do ano. Já tenho o meu exemplar em meu acervo.

Como Leonard Cohen é praticamente um desconhecido no Brasil, considero oportuno citar um pouco da sua trajetória. Aos 17 anos, inspirado em Garcia Lorca, passa a escrever seus primeiros poemas. Em 1956 lança seu primeiro livro de poesia
Let Us Compare Mythologies, seguido em 1961 por The Spice Box of Earth, que lhe conferiria fama internacional. Lançou em 1963 seu primeiro romance, The Favorite Game, seguido em 1964 pelo livro de poemas Flowers for Hitler e por seu segundo romance em 1966, Beaultiful Losers.

Já consagrado como escritor, somente em 1968, aos 34 anos, lança seu primeiro disco, Songs of Leonard Cohen, muito bem recebido por público e crítica, e se apresenta no Newport Folk Festival.

Leonard Cohen segue até hoje com sua proeminente carreira, lançando discos e livros que influenciaram, entre outros, Bob Dylan, Lou Reed, Elvis Costello, U2, Patti Smith e uma infinidade de pessoas.

Comentários

  1. Para o conhecimento geral da nação CR, deixa eu contar pra vocês que até pro empresário do Cohen já mandei email tentando trazê-lo pra terra brasilis. Escrevi também pro Bourbon Street pedindo -- achei que seria um ótimo lugar pra ele se apresentar. Só faltou mesmo apelar pro papa... (¬_¬)
    É de f... que um cara como o Cohen nunca jamais tenha pisado na América Latina. Não me conformo. E como esta pode ser sua derradeira turnê -- afinal, o cara não é nenhum mocinho -- me dói o coração ainda mais.
    Por favor, quem quiser se juntar a mim nessa campanha solitária, manifeste-se!

    Em tempo: esse DVD/CD foi lançado no Brasil em maio se não me falha a memória. Tem também um livro com alguns poemas do Cohen traduzidos de vários dos originais -- nenhum publicado por aqui. Chama-se "Atrás das linhas inimigas do meu amor" (comprei na Cultura) e é uma boa intro pra obra poética dele e também pra quem não sabe inglês.
    Tem também um documentário lindo de um canadense com o Cohen jovem, preto e branco, lindíssimo de assistir -- linko mais tarde.
    Ah, enfim... *suspiiiiiiiiiiiiiro* Vou parar antes que eu fique emocional demais. PRA MIM, UM DOS MAIORES. Vê-lo ao vivo? Pelo jeito só em sonho... :(

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  2. Eu fiz algumas colunas sobre Leonard e durante muitos anos mantive contato com o responsável pelo site oficial do cantor. Minhas matérias estão (ao menos estavam até uns dois anos atrás) no site.

    Pena que nunca consegui uma entrevista com ele.

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  3. Muito estranho mesmo ele nunca ter vindo para cá, talvez por algum desinteresse do público ou organizadores de eventos. E olha que eventos musicais não faltam na América Latina, ou Cohen é um artista exclusivista mesmo...

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