A história do Banchee, um dos grandes grupos esquecidos dos anos 70


Por Ronaldo Rodrigues
Colecionador
Apresentador do programa Estação Rádio Espacial

O injusto contar do tempo tratou de pôr na gaveta pérolas e mais pérolas da música. E continua colocando. Para quebrar essa lógica absurda, a receita é ter muita boa vontade para garimpar e tentar reverter um quadro extremamente adverso de leviandades mercadológicas. Um capítulo dessa longa história de injustiças chama-se Banchee, uma genial banda formada nos EUA no fim dos anos 60. Seu som é tão poderoso e transcendente que nos obriga a discorrer, ainda que de maneira pouco reveladora (tendo em vista os parcos registros históricos de sua existência), sobre sua trajetória e sua música incrível.

A banda foi formada como um quarteto de ítalo-americanos de Boston (cidade que possui uma grande colônia de italianos) - Peter Alongi e José Miguel de Jesus nas guitarras, Victor William Digilio nas baquetas da bateria e Michael Gregory Marino no contrabaixo. Com exceção de Victor, todos cantavam. José Miguel era o compositor principal.

Pouca informação se sabe sobre os caras. O talento do grupo chamava a atenção na cena local e descolaram um contrato com o selo Atlantic (Vanilla Fudge, MC5, Iron Butterfly, Golden Earring), que na época estava despontando no cenário com nomes como os badalados Crosby, Stills & Nash e os emergentes Led Zeppelin e Yes.

O primeiro disco foi produzido por Warren Schatz (compositor e condutor de orquestras nos anos 60 e 70) e Stephen Schlaks (também compositor, e que possui alguns discos gravados como artista solo). No dia do casamento de Peter, a banda estava em estúdio finalizando o disco!

Vocais na medida tal qual Crosby, Stills & Nash, Byrds ou Guess Who, dosado com country folk como Buffalo Springfield, guitarras prodigiosas à la Quicksilver Messenger Service, composições espetaculares em influências muito bem adquiridas e trabalhadas. Some a isso aquele clima campestre/estradeiro típico do som norte-americano, sem esquecer-se de um bom trago de psicodelia. Isso é, ainda arriscado a ser de empobrecedora definição, o primeiro disco do Banchee.


A estreia da banda em 1969 é um primor, um condensado de ritmos e influências das mais diversas, deliciosamente balanceadas. As composições são únicas, fortes, marcantes, inteligentemente construídas e tocadas com emoção notável.

O início é tranqüilo com “Night is Calling” e suas esmeradas linhas de guitarra e vocais altamente entrosados; “Train of Life” parece, a princípio, um cruzamento de Byrds com The Move, mas no meio aparece apimentada com um toque de jazz na rítmica; “As me Thinks” é a genialidade do grupo aflorando em seu psicodelismo – vocais perfeitos, timbres de guitarra acidamente saturados e aquele som que só iniciado entende, sem contar a levada latina que surpreende no meio da canção!; “Follow a Dream” é uma canção bucólica, mesclando um clima mais intimista com outro quase dramático, e possui geniais arranjos de orquestra; “Beatifully Day” é outra pérola do disco, alterando os climas magistralmente, quase que como uma suíte - perfeita!; a intro repleta de fuzz e extravasando psicodelia abre alas em “Evolmia”, com suas guitarras e andamentos quebrados (seria um anagrama para "Am I Love?").

A banda, ainda não cansada de fugir do lugar comum, faz um misto de Quicksilver e Byrds com peso extra na rockeira “I Just Don’t Know”, e seguem mais sacadas geniais, coisas de quem domina muito bem o instrumento; de “Hands of Clock” pode se dizer algo como “surpreendente” para suas nuances; o giro termina (infelizmente é curto, 38 minutos) com a deliciosa e pesada “Tom’s Island”, que fecha apoteoticamente com um riffado simples de guitarra, porém muito bem sacado, para o passeio ácido de um deleite guitarrístico.

Infelizmente (e por razões desconhecidas), o disco não vendeu bem. Uma absurda constatação frente à qualidade vocal e instrumental do Banchee.

Em 1970, lançam como compacto as músicas “I Just Don’t Know” e “Train of Life”, sem repercussão também. Foram despedidos do selo Atlantic, mas continuaram trabalhando. E evoluindo.

Durante o ano seguinte, trabalharam em material novo, captando os novos movimentos – a geração do hard e do rock progressivo era o quente do momento. Acrescentaram-se ao núcleo central dois percussionistas - Johnny Pacheco e Fernando Luis Roman, que também contribuía nos vocais. A banda era bem relacionada nos meios roqueiros. Conseguiram gravar o segundo disco no Eletric Ladyland’s Studio. Dessa vez, o trabalho seria gestado pelo selo Polydor (casa de Cream, The Who, Taste, The Move). Em 1971, é lançado Thinkin’.


A banda usou muito bem os recursos técnicos que estavam disponíveis (estéreos, wah-wah, fades, etc) em um trabalho muito bem capturado nos sulcos do vinil. A energia fluía de suas novas composições. Usaram e abusaram das percussões, andamentos quebrados, solos mais longos e de sua liberdade criativa.
Thinkin´ é um disco que tem uma tendência ao hard rock um pouco mais definida, mas a inventividade do grupo fazia com que sua música não soasse apenas como um sisudo e pesado rock n’ roll. Era intrínseco ao espírito dos caras ir além. A larga utilização dos instrumentos de percussão direcionava o som para um lado mais Santana, enquanto as guitarras se encarregavam de apimentar o som com riffs deliciosos.

O disco começa com “John Doe”, que, sem margem de exagero, é uma das melhores composições do grupo e também seu momento mais pesado. O trabalho de guitarra está ainda mais rebuscado, em frases dobradas e numa inteligente utilização dos campos harmônicos. A faixa-título do disco lembra bastante o clima do primeiro trabalho, como se fosse um novo cruzamento de The Move com os Byrds, mas já com aquela cara de anos 70. Dá pra associar um pouco da sonoridade deste LP com o segundo disco do Captain Beyond, mas sem esquecermos-nos do toque altamente peculiar do Banchee nos vocais e nas composições. Outra jóia do rock.

Fama local foi o máximo que esse pessoal conseguiu, e seu nome, como o de muitos outros grupos, foi direto para a sala dos injustiçados do rock setentista após a debandada em 1971. Os músicos sumiram do cenário. Alguns deles continuam atuando com música somente por entretenimento pessoal.

Em 2001, o selo Lizard relançou com capricho os dois discos do Banchee em um único CD, o que propiciou que uma nova geração de garimpadores de bons sons pudesse tomar parte desse tesouro sonoro.

Comentários

  1. acredite ou não, tive esse disco e o achei na amazon à venda. assim que der, vou recomprá-lo.

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  2. Cara, você precisa conseguir esse disco de volta!!!!!
    Grande abraço!
    Ronaldo

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  3. pqp. o disco de 1969 para mim, é um dos melhores já feito em todos os tempos. pena que não teve uma boa divulgação. masna minha lista ele está entre os primeiros.

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