Os 30 anos do clássico The Wall, do Pink Floyd


Por Cleyton Lutz

Lançado em novembro e dezembro de 1979, dependendo do país, The Wall completou 30 anos recentemente. O trabalho, tão controverso quanto bem sucedido, mostrou que o quarteto britânico poderia igualar o sucesso comercial de Dark Side of the Moon (1973) – embora o último apareça nas listas de álbuns mais vendidos da história como o maior sucesso do Pink Floyd, calcula-se que The Wall tenha vendido 23 milhões de cópias só nos Estados Unidos, onde superou Dark Side of the Moon, transformando-se no terceiro disco mais vendido no país em todos os tempos.

O álbum conceitual narra a vida de Pink, um astro da música marcado por traumas ocorridos durante a infância, como a perda do pai, a super proteção materna e a opressão sofrida na escola. Paranóico, abusando de drogas, com o casamento em crise e cansado do estrelato, ele torna-se recluso e passa a construir um muro imaginário ao redor de si, isolando-se do resto do mundo e mergulhando cada vez mais em sua própria mente, alienado de tudo que passa a seu redor.

A combinação de todas essas características – uso de drogas, loucura, alienação e opressão – faz com que o conceito do disco seja visto normalmente como uma combinação das experiências de Roger Waters com as de Syd Barrett, um dos fundadores do Pink Floyd, afastado da banda devido ao uso abusivo de drigas e que já havia sido homenageado no disco Wish You Were Here (1975).

O final surpreendente – Pink se torna um ditador fascista e transforma suas apresentações em comícios, nos quais persegue tipos que lhe desagradam, sendo por fim levado a julgamento por sua própria mente e obrigado a destruir o muro que lhe isola do resto do mundo – contribuiu ainda mais para tornar a obra em um clássico da cultura pop, que gerou posteriormente um filme e uma peça da Broadway, além de um show simbólico em Berlim pouco depois da queda do muro em 1990 e diversas versões/regravações para músicas do disco, em especial “Another Brick in the Wall, Part II”, maior sucesso comercial do trabalho.

Em virtude da comemoração de 30 anos de The Wall, o site dedicado ao Pink Floyd Brain Damage publicou uma série de artigos sobre o álbum, compilados aqui nessa matéria.


O surgimento da ideia

A versão mais divulgada dá conta de que a ideia inicial teria surgido após um incidente ocorrido durante a turnê do álbum
Animals (1977), em um show realizado no estádio Olímpico de Montreal. Após um tumulto na plateia, o baixista/vocalista Roger Waters cuspiu em um fã. Incomodado com o fato, o músico procurou ajuda médica. Nas conversas ele relatava o quanto se sentia mal tocando em grandes estádios – após o enorme sucesso de Dark Side of the Moon, o Pink Floyd passou a se apresentar para audiências cada vez maiores.

Waters mencionou o desejo que sentia de construir um muro ao redor de si para se isolar da audiência durante os shows. E o baixista não era o único. O vocalista/guitarrista David Gilmour também havia tido problemas com a plateia em um show da mesma turnê ao se recusar a tocar uma música durante um bis de uma apresentação.


As batalhas internas

A banda começou a trabalhar na obra um ano antes do lançamento. Com os outros membros ocupados com projetos paralelos ou descansando, Waters escreveu o novo material e apresentou uma demo com uma hora e meia de duração, intitulada
Bricks in the Wall, aos demais músicos e à equipe técnica. Daí sairia o título definitivo do disco, The Wall – a outra sugestão de nome era The Pros and Cons of Hitch Hiking, abandonada posteriormente e que seria o título do primeiro álbum solo do baixista, lançado em 1984.

Desde o início Waters tomou a frente do projeto, o que fez com que
The Wall fosse associado muito mais a ele do que aos outros integrantes do Pink Floyd – basta lembrar o show idealizado por ele e realizado em Berlim, pouco depois da queda do muro que dividia as duas Alemanhas, que contou com a participação de várias artistas.

O papel desempenhado por Waters em
The Wall fez com que o álbum fosse visto por algumas pessoas como um trabalho praticamente solo do músico, apesar da participação de Gilmour na composição de músicas como “Young Lust”, “Run Like Hell” e “Confortably Numb” – as três se tornaram singles e “Comfortably Numb” acabou se tornando uma das canções mais famosas da banda, sendo executada constantemente por Gilmour em suas apresentações solo.

Apesar da contribuição de Gilmour em “Comfortably Numb”, a gravação da música foi marcada por discordâncias entre o guitarrista, Roger Waters e os produtores Bob Ezrin e James Guthrie. “
Havia alguns pontos notáveis de disputa, o mais famoso deles dizia respeito a ‘Comfortably Numb’ e a orquestração que seria incluída na faixa. David era contra, mas Roger e eu a fizemos. Negociamos com ele um bom tempo até que David concordasse. Mas acho que fizemos a escolha certa”, comenta Ezrin. “Suponho que teria sido bom tê-los tocando juntos como uma banda, mas eles não tinham mais esse tipo de espírito àquela altura”, analisa Guthrie, que também atuou como engenheiro de som do trabalho.

Na verdade, o controle de Waters sobre o processo de composição das músicas e definição dos conceitos dos álbuns do Pink Floyd foi uma tendência que surgiu de forma tímida em
Wish You Were Here (1975), ganhou corpo em Animals (1977) e se consolidou em The Wall, radicalizando-se posteriormente em The Final Cut (1983), esse sim um trabalho solo de Waters que teve o Pink Floyd como banda de apoio.

O fato é que em
The Wall o Pink Floyd não trabalhou em conjunto como, por exemplo, havia acontecido no célebre Dark Side of the Moon. As desavenças internas durante a gravação do disco fizeram com que o tecladista Rick Wright fosse demitido da banda – no entanto ele prosseguiu com o grupo, só que como músico contratado. O tecladista no início faria parte da equipe de produção, mas acabou “rebaixado” devido a discordâncias entre ele e Waters. O baixista via com ressalvas o que ele classificava como “pouco empenho” de Wright em terminar as gravações. De acordo com informações divulgadas posteriormente, o tecladista passava por um momento delicado marcado pelo uso de drogas, problemas conjugais e depressão.

A maioria das disputas pessoais foram resolvidas antes de The Wall’” diz Guthrie. “Wright sentia que estava se tornando cada vez mais distante de Waters. Ele estava inseguro sobre o seu papel na banda, e com razão. Waters tinha sido muito duro com ele”, testemunha Ezrin.

Além da relação conturbada entre os próprios membros, a gravação de
The Wall também foi marcada pela delicada situação financeira do Pink Floyd. O executivo Norton Warburg – que possuía um grupo de consultoria financeira de mesmo nome – responsável, entre outras coisas, por arrecadar e planejar as finanças do grupo, consumiu quase todo o dinheiro do conjunto em investimentos de risco, deixando o Pink Floyd quase falido. Para fugir dos altos impostos britânicos, a banda resolveu então iniciar as gravações na França, em uma área ao redor da cidade de Nice.


Bob Ezrin e James Guthrie

Procurando por um “
um jovem engenheiro talentoso, que poderia trazer uma abordagem diferente ao som da banda”, conforme relata o baterista Nick Manson no livro Inside Out, o Pink Floyd recebeu como sugestão de Alan Parsons – que havia trabalhado ao lado do grupo em Dark Side of the Moon – o nome de Guthrie, que tinha no currículo participações em álbuns de bandas como Heatwave, The Movies e Judas Priest.

Mas apesar da fama do quarteto na época, Guthrie conhecia o grupo mais pelo nome do que pela música propriamente dita, já que a referência que ele tinha do Pink Floyd remetia aos primórdios do conjunto. “
Eu nunca tinham assistido a um show deles”, explica. “Mas estava familiarizado com a música ‘See Emily Play’, ela me influenciou bastante quando a ouvi pela primeira vez. Acho que eu tinha 13 anos” comenta.

Após receber a demo das mãos de Waters, Guthrie começou a participar ativamente do processo de produção de
The Wall, principalmente na organização do material e das ideias envolvendo o disco. “Roger tinha escrito material suficiente para três álbuns, assim começamos fazendo os arranjos e gravamos as músicas por completo. Dessa forma, poderíamos começar a dar forma à história. Trabalhar em um álbum conceitual assemelha-se a fazer um filme. É muito importante como você vai contar a história”, compara. Depois de participar da produção, Guthrie caiu na estrada com a banda, trabalhando na equipe de som do Pink Floyd na turnê de The Wall – ele é o engenheiro de som responsável por Is There Anybody Out There? - The Wall Live 1980/81.

James, infinitamente paciente, apresentava um ponto de equilíbrio em relação ao estilo extremamente energético, e muitas vezes irrascível, de Bob Ezrin”, testemunha Manson. O nome de Ezrin também é importante para entender o sucesso de The Wall, principalmente do ponto de vista comercial. “Embora nós mesmos tivéssemos produzido Dark Side e Wish You Were Here, Roger tinha decidido utilizar Bob como produtor e colaborador. Na época, ele era conhecido por trabalhar em uma série de álbuns de Alice Cooper e Lou Reed”, comenta o baterista.

Bob Ezrin é considerado um dos responsáveis pelo retorno do Pink Floyd à prática de lançar singles, algo que nunca agradou muito à banda. O primeiro deles foi o mega-hit “Another Birck in the Wall, Part II”. “
Eu insisti porque sabia que era uma canção de sucesso inegável”, comenta Ezrin. “A banda não estava interessada em singles, mas eu estava determinado a lançar pelo menos um. Eles só gravaram um verso e um coro e se recusaram a tocar mais. Copiei os trechos e criei um segundo verso com refrão, acrescentando pequenos detalhes. Foi obviamente uma fórmula vencedora”, afirma.


As apresentações

Após gravar o LP em quatro estúdios – um em Nova York, um em Londres e dois na França – durante dois meses o Pink Floyd entrou em turnê – isso já em 1980. Mas os shows apresentavam um dilema difícil de resolver. Se por um lado o incômodo de tocar em grandes estádios havia sido um dos combustíveis para a concepção de
The Wall, por outro ficava difícil imaginar um concerto intimista que fizesse jus à grandiosidade da obra. "The Wall perdia a chama completamente quando tocado num estádio, sendo que nem o público nem a banda conseguia aproveitar coisa alguma”, afirmou o baixista em entrevista dada ao jornalista Chris Salewicz, em 1987.

Apesar da constatação, – com Wright já como músico contratado e não mais como membro do grupo – o Pink Floyd caiu mesmo na estrada. A banda começou a ensaiar para os shows em fevereiro de 1980. No mesmo mês aconteceu a primeira apresentação em Los Angeles. No total foram 31 shows durante dois anos. A turnê passou ainda por Nova York, Dortmond e Londres, além de LA.

Durante as apresentações um muro de 12 metros de altura, construído com tijolos de papelão, era gradualmente construído entre a banda e a plateia. As lacunas existentes, enquanto o muro não estava totalmente erguido, permitiam que o público visse o grupo. Também no muro eram projetadas animações, produzidas pelo ilustrador, designer e cartunista Gerald Scarfe, que remetiam à história. Outros elementos importantes eram os bonecos infláveis que iam surgindo durante o decorrer do show.

Um dos pontos altos era a execução de “Comfortably Numb”. Depois de Waters cantar as primeiras estrofes da música no chão, em frente ao muro, Gilmour surgia, suspenso por um guindaste, em cima do muro, iluminado por luzes azuis e brancas. E ao final da cada apresentação o muro era destruído com a banda ressurgindo. Em média cada show durava duas horas.

Mas, ao contrário do álbum, a turnê não se mostrou um sucesso do ponto de vista financeiro, muito pelo contrário. Toda a parafernália necessária para a realização dos shows - no total eram utilizadas 100 toneladas de equipamento em cada concerto - deixava as apresentações inviáveis economicamente. Prova disso é que o Pink Floyd fechou a turnê de
The Wall com um prejuízo de 600 mil dólares. Graças a isso tornou-se notória a história de que Wright teria sido o único a lucrar com a turnê, já que na época o tecladista trabalhou apenas como músico contratado.

Além da inviabilidade financeira da tour, os shows ocorridos em 1980/81 acentuaram ainda mais a divisão interna do conjunto. Waters se hospedou em hotéis diferentes dos demais integrantes, utilizando inclusive veículos próprios para se dirigir ao local de cada apresentação.

Apesar de todos os problemas e da relutância de Waters em realizar algo que contrariasse sua ideia inicial, os espetáculos se mostraram uma oportunidade única para o público. “
Assistir a um show de ‘The Wall’ era uma experiência semelhante a estar em um campo de batalha. O grande público era tomado por um frenesi impulsionado pelo rock and roll. Não se tratava de um show normal. Era, na verdade, um espetáculo multimídia grandioso”, afirma o colaborador do site Brain Damage, Paul Powell Jr.


O filme

Após o sucesso do álbum,
The Wall também acabou se transformando em filme. Lançada em 1982, a película contou com a direção de Alan Parker – responsável por obras como Mississipi em Chamas (1988) e Evita (1996) –, produção de Alan Marshall e roteiro do próprio Waters. Após ser exibido no conceituado Festival de Cinema de Cannes, o filme recebeu críticas positivas da maior parte da mídia especializada.

Baseada no conceito do álbum, a película inicialmente, de acordo com informações divulgadas na época da produção, foi concebida para ser um misto de trechos de apresentações ao vivo da banda na turnê de
The Wall com as animações de Scarfe. No entanto, a qualidade duvidosa das gravações realizadas durante as apresentações fez com que Parker abandonasse a ideia e optasse pelo uso de atores.

Após Parker assumir o comando na realização do filme – inicialmente Waters pretendia tocar o projeto por conta própria – ele logo descartou o baixista, que aspirava ao papel de Pink, personagem principal da história, optando pelo ator e cantor Bob Geldof. Se a produção do álbum foi marcada por um choque interminável de egos, no filme não foi diferente – só que dessa vez com dois personagens diferentes: Parker e Scarfe, além, é claro, de Waters

Desde o lançamento do filme, o baixista se mostrou relutante com relação à película. “
Foi uma experiência muito irritante e desagradável. Enganamos-nos muito”, afirmou em entrevista dada em 1988. Ele também se queixou da “apelação” que o filme produzia aos sentidos dos expectadores, tornando-se maçante e cansativo.

Já Scarfe viu seu roteiro, produzido para ajudar no desenvolvimento das animações, ser completamente abandonado – o texto é interessante na medida em que mostra o quanto a ideia original do filme passou por mudanças até que a obra fosse completada. Parker, por sua vez, em constante conflito com Waters e Scarfe, classificou o trabalho como uma das piores experiências criativas dele enquanto diretor.

Apesar das ressalvas dos realizadores do projeto,
The Wall se tornou um dos melhores musicais dos anos 1980, tendo rendido inclusive dois documentários dedicados a analisar o filme.

Dando ainda continuidade à ideia inicial de Waters, mesmo que tardiamente, de explorar
The Wall em todos os tipos de mídias possíveis – disco, concerto, cinema e teatro – em 2004 o músico promoveu uma peça na Broadway abordando mais uma vez o álbum – a iniciativa contou com o apoio da produtora/distribuidora de filmes Miramax Films e do empresário Thomas Mottola.


Uma peça de resistência

Relançado sete vezes nos mais diferentes tipos e formatos desde 1980,
The Wall se tornou um dos maiores clássicos da história do rock. O caráter atemporal da obra faz com que o disco seja relembrado e analisado constantemente. E não parece ser difícil entender o porquê. O álbum tocou em assuntos pertinentes ainda hoje: violência, opressão e isolamento, males da vida contemporânea.

Pink simboliza o ser humano posicionado entre as pressões da sociedade e as suas próprias vontades. Diante de um dilema existencial, sua primeira opção é alienar-se para depois “derrubar o muro” que o isola do resto do mundo, buscando o equilíbrio necessário para se livrar das neuroses que o atrapalham. A roupagem de astro do rock é apenas um disfarce para encobrir um ser humano comum, em constante conflito.

Se em algum momento você se identificou com Pink, ótimo. Sinal de que você é um ser humano.


As faixas do disco:
A1 In the Flesh? 3:16
A2 The Thin Ice 2:27
A3 Another Brick in the Wall Part 1 3:21
A4 The Happiest Days of Our Lives 1:46
A5 Another Brick in the Wall Part 2 3:59
A6 Mother 5:32

B1 Goodbye Blue Sky 2:45
B2 Empty Spaces 2:10
B3 Young Lust 3:25
B4 One of My Turns 3:41
B5 Don't Leave Me Now 4:08
B6 Another Brick in the Wall Part 3 1:48
B7 Goodbye Cruel World 0:48

C1 Hey You 4:40
C2 Is There Anybody Out There? 2:44
C3 Nobody Home 3:26
C4 Vera 1:35
C5 Bring the Boys Back Home 1:21
C6 Comfortably Numb 6:23

D1 The Show Must Go On 1:36
D2 In the Flesh 4:15
D3 Run Like Hell 4:20
D4 Waiting for the Worms 4:04
D5 Stop 0:39
D6 The Trial 5:13
D7 Outside the Wall 1:41


Comentários

  1. Memorável, obra obrigatória para qualquer apreciador da boa música.

    abraços

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