A oficina do vinil


Por Ângela Corrêa
Jornalista
Diário do Grande ABC

A única utilidade que os CDs têm na vida do mecânico José Tarciso Cardoso, 68 anos, é destacar o número da sua oficina, em Santo André. O 912 desenhado no muro do imóvel da Rua Catequese é formado por dezenas das bolachinhas que há quase duas décadas substituíram os discos de vinil no mercado. "
Só assim para CD ficar perto de mim. De resto, não quero para nada", afirma, bem-humorado, o dono de dez mil discos, dos quais aproximadamente 3.000 estão guardados em sua oficina, à espera de um espacinho em casa.

Proprietário da oficina há 30 anos, Zé, como é conhecido, passou a se considerar colecionador depois que deu início a peregrinações por feiras. O acervo tímido começou a tomar corpo com doações frequentes. "
Quase 40% do que tenho foi presenteado. Também peguei coleções que iam para o lixo", revela.

Embora seja apreciador de rock e música latina, Zé não tem preconceitos quando se trata de adquirir um vinil. Entre as prateleiras de sua casa, que garante manter organizadas, e as caixas na oficina, há discos infantis, religiosos, de MPB, pop e jazz. "
A única coisa que não compro é música sertaneja. Mas se me oferecerem, não recuso", revela ele, que alega ouvir música "24 horas por dia" e em alto volume. "É por isso que meus vizinhos me adoram", ironiza.

O disco mais antigo data de 1932 e reproduz em suas faixas ruídos noturnos e de trens. Frágil, a bolacha veio da discoteca particular do radialista Oswaldo Gimenez, que foi prefeito de Santo André.

Como todo entusiasta do vinil, Zé não se abala com os argumentos dos defensores das mídias mais recentes. "
Não adianta me dizer que o CD tem som mais limpo. Para mim, é música sem elementos. A mesma coisa para essa música de computador (MP3). Quando falam que num aparelhinho tem mais de dez mil músicas, eu penso logo que ali não tem nada".

Para o colecionador, os vinis conseguem conservar a intenção dos músicos com mais eficiência. "
O disco tem espírito musical. Até uma fita cassete tem mais alma do que um CD", critica. "No resto do mundo os discos se mantiveram, e acho que aqui devem voltar aos poucos também", diz.

Viúvo, Zé conta com o apoio das filhas Tatiane e Daniela para cuidar da avalanche de discos que dominou os espaços. "
Elas começaram a catalogar, mas ainda tem muita coisa para organizar", suspira ele, que se tornou um estudioso da história musical após o início da coleção. Ao mesmo tempo, passou a se interessar cada vez menos por carros, que continuam sendo ainda seu meio de sustento. "Eu só sou apaixonado mesmo pelos meus discos", afirma.

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