Anuário Mofodeu - 1967 no rock: o Verão do Amor e o clímax psicodélico


Por Vitor Bemvindo
Historiador e Colecionador
Mofodeu

Nos grandes momentos de crise, a arte gira conforme a roda da história. Durante a Guerra Civil Espanhola, por exemplo, Pablo Picasso pintou Guernica. Durante a Segunda Guerra, Charlin Chaplin dirigiu e estrelou O Grande Ditator. 1967 foi o ano em que o rock and roll e outras formas de arte se levantaram contra a Guerra do Vietnã.

Quando 1967 começou, o conflito entre o Vietnã do Norte (comunista) e o Vietnã do Sul (capitalista) já se arrastava por quase oito anos. O apoio logístico dado pela União Soviética e a China comunista acabaram forçando os Estados Unidos a entrarem no conflito para tentar proteger o seu lado na Guerra Fria. A partir de 1965, o governo norte-americano passou enviar tropas para proteger o governo do Vietnã do Sul, mas sem muito sucesso. O grande número de soldados mortos em batalhas acabou gerando uma grande oposição do povo americano àquele conflito.

Essa oposição foi deflagrada no movimento que ficou conhecido como contracultura. Os ideais desse movimento eram defendidos principalmente pelos hippies, que passaram a ficar em evidência a partir do verão de 1967, que seria conhecido como o “Verão do Amor”.

O estopim desse movimento se deu em Nova York, em abril daquele mesmo ano, quando cerca de 300 mil jovens se reuniram numa passeata contra a Guerra do Vietnã e as políticas do governo de Lyndon Johnson. O movimento ganhou força justamente pelo apoio de artistas, entre eles romancistas, pintores e, principalmente, cantores, como Pete Seeger. Além disso, ativistas políticos também tomaram parte na manifestação, como, por exemplo, Martin Luther King e Benjamin Spock.

Dessa manifestação organizaram-se várias caravanas que partiriam para a Califórnia, mais precisamente para o distrito de Haight-Ashbury, em São Francisco. Ali se estabeleceriam centenas de milhares de jovens em um grande acampamento, onde a única lei era seguir o lema paz e amor. A música, a experimentação de drogas e a prática do sexo livre eram os veículos para expressar aquele lema.

Cartaz do Monterey Pop Festival

Durante o Verão do Amor foi organizado o primeiro grande festival de música regido pelos ideais da contracultura: o
Monterey Pop Festival. Idealizado por pessoas ligadas ao movimento hippie, como John Phillips do The Mamas & The Papas, o festival foi realizado entre os dias 16 e 18 de junho, em Monterey (também na California), e contou com grandes nomes da música, como The Who e Otis Redding (que viria a falecer naquele mesmo ano em um acidente de avião) ao lado de alguns novatos como Big Brother & Holding Company (que contava com a talentosa Janis Joplin nos vocais) e The Jimi Hendrix Experience.

Janis Joplin se apresentando com os Big Brothers em Monterey

O Big Brother & The Holding Company era uma das grandes bandas californianas que despontaram naquele ano de 1967. Como o foco do mundo estava naquela região, grupos que tivessem qualquer ligação com o movimento hippie e, obviamente, algum talento, logo conseguiam destaque, como foi o caso também de Grateful Dead, Jefferson Airplane e de algumas outras que não ficaram tão conhecidas, mas que demonstravam igual talento, como Quicksilver Messenger Service, Moby Grape, Love, entre outras. 1967 foi o ano em que essas bandas desabrocharam. Em comum entre elas: o talento, a experimentação e a psicodelia.

Um outro grupo californiano, não tão ligado à contracultura, também despontava naquel ano, mas acabou ficando de fora de
Monterey por não ter recebido convite: The Doors. Em 1967 eles lançariam os seus dois primeiros trabalhos, que mais tarde se tornariam clássicos: The Doors e Strange Days. Apesar de não estarem estreitamente ligados à cena hippie, eles também levavam ao pé da letra os lemas da experimentação e psicodelia.

Mas esses aspectos, no entanto, não eram exclusividades das bandas da região. Na Europa, mais precisamente no Reino Unido, muitos grupos também seguiam esses preceitos de experimentação e psicodelia. Os consagrados Beatles, Rolling Stones e The Who seguiram essa receita em 1967, alcançando resultados dos mais diversos.

Os Beatles caracterizados como a banda do Sargento Pimenta

Os Beatles alcançaram o auge da sua maturidade criativa com o lançamento de
Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, tido como um marco não só de 1967, mas de toda a história do rock. Ali, o quarteto de Liverpool finalmente dava asas às experimentações que começaram a aparecer nos anos anteriores em Rubber Soul e Revolver. Sgt Pepper’s foi um sucesso de crítica e público, conseguindo a façanha de ser o primeiro disco de rock a conquistar o Grammy como “álbum do ano”. A importância deste disco é tamanha para a história que se torna até redundante uma análise mais detalhada.

Os Stones, por sua vez, não foram tão bem-sucedidos em sua jornada psicodélica. Poucos meses após o lançamento de
Sgt Pepper’s chegou à praça Their Satanic Majesties Request, recebido com indiferença pelo público e com desprezo pelos críticos. Apesar de não ser um disco ruim, as comparações foram inevitáveis e, mais uma vez, os Stones ficariam a sombra de seus “rivais”.

Já o Who encarou a onda de experimentações de uma forma diferente, lançando o seu primeiro álbum conceitual,
The Who Sell Out. Se o disco não trazia nenhuma inovação instrumental ou viagem lisérgica extrema, apontava para um caminho que a banda voltaria a seguir.

Outros grupos, como o power trio formado Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce, o Cream, também aproveitaram o momento para lançar trabalhos mais experimentais. No caso do Cream,
Disreali Gears foi um prato cheio tanto para os fãs de blues rock quanto para os sedentos por rock psicodélico. Além disso, faixas como “Sunshine of Your Love” ganharam status de hino, tanto pelo significado de sua letra quanto pela estética sonora apresentada.

A performance incendiária de Jimi Hendrix em Monterey

Mas mesmo sendo aclamado como deus, Clapton teria seu prestígio diminuído ao ter que dividir as atenções com um jovem guitarrista negro norte-americano que passou a ser uma das grandes atrações do show business britânico entre 1966 e 1967. Jimi Hendrix, com o seu trio Experience (completado pelos talentosos Mitch Mitchell na bateria e Noel Redding no baixo) já chamava a atenção em suas apresentações bombásticas nos clubes londrinos. Mas nada seria comparável ao frisson causado pelo primeiro álbum da banda,
Are You Experienced?. Aquilo soava como uma revolução, e a guitarra nunca mais foi o mesmo instrumento após o lançamento do LP. O show do Experience em Monterey só serviu para coroar o trio e consolidar o sucesso deles também na América.

Mas como se toda a experimentação e psicodelia das bandas californianas e britânicas não fosse suficiente, alguns grupos resolveram elevar essa experiência a outros níveis, inaugurando uma cena que passaria a ser chamada de rock progressivo. 1967 seria palco para o lançamento de dois álbuns que se tornariam referência para o gênero. Um deles foi o primeiro trabalho do Procol Harum, que levava o nome da banda. Além de trazer inúmeras inovações (dentre elas o destaque dado ao órgão Hammond tocado por Matthew Fish), o grupo foi responsável por uma das gravações de maior sucesso daquele ano, “A Whiter Shade of Pale”.

Os também britânicos do Pink Floyd foram, por sua vez, colocaram nas lojas
The Piper at the Gates of Dawn, que elevou o nível de experimentalismo e psicodelia a níveis nunca antes alcançados. Composto quase que integralmente por composições do vocalista e guitarrista Syd Barrett, o álbum inaugurava uma nova fase de experimentações no rock.

Pode-se dizer, então, que 1967 foi marcado pelo clímax da psicodelia com o lançamento de
Sgt Pepper’s e um sem-número de produções do gênero. Além disso, o Verão do Amor foi responsável por aprofundar a onda experimentalista e disseminar o ideal “paz e amor”.

Para ouvir algumas das canções mais importantes de 1967, e saber mais sobre esse ano histórico, ouça o
MOFODEU #081, o terceiro da série Anuário.

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