Em 2010, gravadoras brasileiras deixam de tocar projetos de reedições de seus acervos


Marcus Preto
Jornalista
(matéria publicada originalmente na Folha Online)

O baú está fechado. É quase insignificante o número de álbuns históricos da música popular brasileira que, ainda inéditos em CD, chegarão legalmente às prateleiras das lojas no formato digital em 2010.


Neste ano, as gravadoras brasileiras não devem lançar em CD álbuns perdidos na era dos LPs. Das cinco gravadoras que detêm os direitos sobre quase todos os fonogramas produzidos no Brasil no século 20 - Universal, EMI, Sony, Warner e Som Livre -, apenas uma, a Sony, tem projetos que envolvem recuperação do acervo analógico.

Nos outros quatro casos, álbuns ainda perdidos na era do LP continuarão assim - e por tempo indeterminado. O que mais atravanca esses relançamentos, segundo as gravadoras, é a burocracia. Contratos muito antigos e defasados com os envolvidos nos respectivos discos fazem projetos se arrastarem por anos.

Mas a raiz do problema é mais profunda. O mercado das reedições chegou ao ápice de produção e vendas entre 2002 e 2003, quando a pirataria já afetava grandes lançamentos (Ivete Sangalo, Maria Rita, a série
Acústicos MTV), mas ainda não atingia o consumidor de catálogo.

Naquele momento, chegou a se tornar parte importante na receita das gravadoras. Hoje, com a difusão da troca de arquivos MP3 pela internet, seu consumidor se dissipou. E os investimento passou a não interessar mais aos departamentos comerciais das empresas.
"A conta não fecha mais", diz Alice Soares, gerente de marketing estratégico da Universal, empresa que comanda os acervos da Philips, da Polydor, da Polygram e da Elenco. "Com isso, o mais sensato agora é trabalhar para recolocar o catálogo que já está digitalizado - como fizemos recentemente com Jorge Ben Jor e pretendemos fazer neste ano com Tim Maia e Gal Costa."

Alice conta que, nessa seara, as caixas que reúnem obras completas de artistas ainda têm saída relativamente boa, mas que o mercado não consome títulos avulsos. Exemplo: a Universal lançou recentemente, como experiência, títulos soltos da discografia de Elba Ramalho. O impacto sobre o consumidor foi quase nulo.

"Não adianta querer botar um disco antigo na loja sem mote para isso, sem um conceito bem amarrado", afirma Fernanda Brandt, coordenadora de marketing estratégico da Warner, que também detêm direitos sobre os tapes da Continental e da Chantecler. "Esses lançamentos não seguem mídia tradicional, não têm single, não têm rádio para tocar. Dependem exclusivamente da mídia impressa. Se lançados soltos, essa mídia não dá atenção, e eles encalham mesmo", completa.

Mesmo a Sony - que tem os direitos sob os catálogos da BMG e da CBS e, indo contra a corrente, deve lançar neste ano uma série de CDs ainda inéditos no formato - toca o barco cheia de dúvidas. "
Tudo o que era comercialmente oportuno já foi digitalizado no passado", diz Marcus Fabrício, diretor de marketing e vendas da gravadora. "Os álbuns que ainda não saíram em CD são para um público bem mais segmentado."

Segundo Fabrício, por questões industriais é preciso produzir pelo menos mil unidades de cada título que vá ser lançado, e não existe mais essa demanda para o produto. Nos próximos meses, a Sony pretende trazer para o CD álbuns de Amelinha, Elba Ramalho, Dominguinhos, Sandra de Sá, Elza Soares e Walter Franco, entre outros.

Luiz Garcia, gerente de marketing estratégico da EMI - que possui o catálogo da Odeon -, diz que a empresa deve lançar, em 2010, apenas uma caixa com tapes garimpados em acervo analógico. Trata-se da obra completa da cantora e compositora Dolores Duran. O material, no entanto, já está pronto desde o ano passado. "
Se fôssemos começar neste ano, talvez nem esse saísse", diz. "O negócio é difícil. Fabricamos os mil CDs, mandamos 100 à imprensa, vendemos 200 ou 300. O resto fica parado no meu estoque. E, se não sai em dois anos, tenho que mandar quebrar. Não posso ficar pagando para guardar aquilo."

Responsável por séries memoráveis de reedições nos últimos três anos, a Som Livre, dona também do acervo da RGE, é ainda mais radical. "
Ainda não temos nenhum lançamento de catálogo planejado", diz Leonardo Ganem, presidente da empresa. "É melhor concentrarmos nossos esforços em artistas novos."

Os do passado esperam por melhores dias. No futuro.

Comentários

  1. Ótima matéria. Na minha opinião isso enfraquece ainda mais não somente a mídia 'cd', mas acaba aos poucos com a cultura brasileira. Nossos jovens estão 'pouco se lixando' para a preservação do acervo. Se cada um comprasse um íten das coleções que saem todos os anos, não haveria demanda suficiente para as gravadoras na produção das mídias, é óbvio que aí entra: o interesse de cada um por determinado artista, gosto musical e poder aquisitivo na compra dos cds. Nós (e digo no sentido figurado) também somos responsáveis pela degradação de tudo o que foi descrito na reportagem, pois não ajudamos devidamente nessa preservação da cultura musical brasileira, não quero dizer com isso que tenhamos que 'encher o bolso' das gravadoras, pois elas mesmas não dam boas condições de aquisição de um álbum de Dolores Duran, Zé Ramalho ou Deodato, por exemplo. Minha questão real é: se os preços fossem baratos ou mesmo convidativos para a aquisição de material compraríamos mesmo esses cds de música nacional??? Provavelmente (mesmo assim) não...Os jovens continuariam consumindo a 'tosquice' emo (como mencionado acima), os adultos ainda comprariam a música sertaneja de péssima qualidade e a música pop com os 'Jota Quests da vida' ainda fariam sucesso.

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  2. Ressalto várias das palavras do amigo Fabio. Aliada a grande crise criativa da música no início do século XXI, soma-se o grande desmanche da indústria fonográfica, pagando seus próprios pecados. Quem dança nessa história, como sempre, o elo mais fraco da corrente - o consumidor de música (boa).
    Abraço!
    Ronaldo

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  3. Gosto muito das séries com relançamentos de álbuns clássicos que volta e meia aparecem nas lojas. Geralmente são ótimos discos com preços bem baixos, já que, infelizmente, apenas colecionadores se interessam por eles.

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