Rigotto´s Room: As Pin Ups de David Bowie


Maurício Rigotto
Colecionador e Escritor
Collector´s Room

Semana passada, escrevi uma resenha aqui publicada acerca do lançamento do CD dos Hot Rats, o projeto de covers de dois dos integrantes do Supergrass. No texto, citei que a dupla, ao lançar um disco de releituras, se inspirara nos moldes do disco Pin Ups, de David Bowie. Como gosto muito desse LP, talvez o melhor álbum de covers já lançado, veio-me a centelha de que a sua dissecação seria um bom mote para essa coluna.

Era 1973. David Bowie já havia lançado discos antológicos como Space Oddity, The Man Who Sold the World, Hunky Dory, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars e Alladin Sane, e era àquela altura o maior expoente do glam rock, faceta extravagante do rock – também conhecido como glitter – em que predominavam pesadas maquiagens, purpurinas e lantejoulas. O mundo ainda não sabia que estava diante de um dos maiores e mais completos artistas do século XX (além de fenomenal cantor, Bowie é compositor, produtor, ator, artista plástico, pintor, dançarino e mímico, além do tocar com destreza guitarra, piano e saxofone), mas já o aclamava como um dos grandes astros do rock dos anos setenta. David Bowie já havia matado o seu personagem andrógino Ziggy Stardust para se reinventar, no que seria a sua primeira drástica guinada de muitas que ainda viriam, o que lhe gerou a alcunha de “camaleão do rock”.

Em março havia lançado o álbum Alladin Sane, que trazia a cover de “Let’s Spend the Night Together”, dos Rolling Stones. Bowie já havia decidido que iria se separar da banda que o acompanhava, os Spiders from Mars. Como um último trabalho em conjunto, achou que seria divertido gravarem um disco de covers, composto apenas pelas suas canções preferidas de grupos de rock dos anos sessenta. Ao anunciar a sua intenção de lançar um álbum de releituras Bowie provocou a cólera do vocalista do Roxy Music, pois Bryan Ferry almejava lançar o seu primeiro trabalho solo - These Foolish Things, um disco de covers - exatamente na mesma semana, e pressentiu que o seu álbum seria completamente eclipsado pelo lançamento de David Bowie.

Em outubro do mesmo ano Pin Ups foi lançado, coincidentemente no mesmo dia em que These Foolish Things chegou às lojas, causando grande alvoroço entre público e crítica. Na capa, Bowie aparece retratado ao lado da magérrima modelo Twiggy, uma espécie de Gisele Büdchen da época, que mesmo com uma aparência quase anoréxica foi a primeira grande top model a alcançar projeção internacional como celebridade. Twiggy conta que a foto seria usada na capa da Vogue Magazine, mas um dos diretores vetou-a porque nunca um homem aparecera na capa da famosa revista de moda, o que ela considerou uma burrice, já que provavelmente a revista iria vender em um mês mais do que em toda a sua existência. Enquanto a direção da revista se mantinha inflexível, Bowie decidiu usar a foto na capa de Pin Ups. Na contracapa, Bowie conta que escolheu algumas de suas músicas prediletas das bandas que ele ia aos shows em Londres entre 1964 e 1967, época em que tentava em vão o sucesso liderando os grupos The King Bees (1964) e Lower Third (1965).

A primeira faixa de Pin Ups, “Rosalyn”, já demonstrava que se tratava de um disco de rocks vigorosos. A música era do Pretty Things, que foi formado pelo guitarrista Dick Taylor, um antigo colega de escola de Keith Richards que fundou os Rolling Stones ao lado de Jagger e Richards. “Rosalyn” emenda sem intervalo em “Here Comes the Night” do grupo Them, que tinha como vocalista o baixinho Van Morrison, que em minha modesta opinião é um dos melhores cantores do planeta. O blues-rock “I Wish You Would”, dos Yardbirds, precede a surpreendente interpretação de “See Emily Play”, originalmente incluída em um dos primeiros singles do Pink Floyd. David Bowie por diversas vezes se declarou um grande fã de Syd Barrett, o louco mentor do Pink Floyd. Segue mais um rock eletrizante: “Everything’s Alright”, do obscuro grupo de Liverpool The Mojos. O lado 1 se encerra com uma versão bem mais lenta para a canção de Pete Townshend “I Can’t Explain”, em um arranjo diferente do The Who, mas não menos brilhante.

Hora de virar o disco e largar a agulha nos primeiros sulcos do lado 2. Ouve-se então uma empolgante versão de “Friday On My Mind”, maior sucesso da ótima banda Easybeats, que tinha como líder o guitarrista George Young, irmão mais velho dos guitarristas do AC/DC Malcolm e Angus. Segue a versão de “Sorrow” do The Merseys e “Don’t Bring me Down”, outra canção dos Pretty Things. A sequência final traz mais Yardbirds com “Shapes of Things” e mais The Who com “Anyway, Anyhow, Anywhere”, desta vez com o mesmo arranjo original do quarteto inglês, precedendo a última faixa, uma ótima versão para a música de Ray Davies “Where Have All the Good Times Gone”, sucesso dos Kinks.

David Bowie e banda ainda gravaram uma versão de “White Light, White Heat” de Lou Reed, que costumavam tocar ao vivo, mas a música ficou de fora de Pin Ups provavelmente por o Velvet Underground ser um grupo nova-iorquino e Bowie desejar dar ênfase às bandas inglesas.

Em 1990 um relançamento em CD remasterizado trouxe como bônus à inédita cover de “Growin’ Up”, de Bruce Springsteen, gravada na primeira sessão de Diamond Dogs, seu disco seguinte, com a participação do então guitarrista dos Faces, Ron Wood; e “Port of Amsterdam”, de Jacques Brel, que havia sido incluída no lado B do compacto “Sorrow”, em 1973.

Pin Ups é um discão de rock and roll. Não é exagero dizer que várias de suas canções foram imortalizadas em suas versões definitivas nesse LP, algumas até em detrimento às suas gravações originais.

Comentários

  1. Bela matéria para um belo disco. O último grande lançamento de Bowie antes de entrar em uma fase mágica, com álbuns fantásticos que vão de Young Americans a Scary Monsters. Parabéns!

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