Rigotto´s Room: A Rockestra


Por Maurício Rigotto
Escritor e Colecionador

Imagine um bom rock, com um riff marcante e um andamento pulsante, sendo executado não por uma simples banda de rock, mas por uma orquestra de rock. Agora considere que essa orquestra não é formada por violinos, violoncelos e oboés, mas por cinco guitarras, quatro contrabaixos, três baterias, três pianos, dois teclados, várias percussões e um naipe de metais. Por último, suponha que um ex-Beatle comande a batuta da regência e que os músicos que integram a orquestra sejam membros de bandas como Led Zeppelin, Pink Floyd, The Who e Small Faces. Surreal? Pois isso aconteceu no dia 03 de outubro de 1978, no Abbey Road Studios, em Londres.


Em 1978, Paul McCartney era o líder do Wings, que ele havia formado no início da década com a sua esposa Linda e com o ex-guitarrista do Moody Blues, Denny Laine. A banda lançara no início do ano o álbum London Town, entretanto passava por um momento de transição com a debandada do guitarrista Jimmy McCulloch e do baterista Joe English. Reduzidos a um trio, os Wings, após algumas audições, escolheram os substitutos dos desertores: seriam eles Laurence Juber (guitarra) e Steve Holly (bateria). Com a nova formação definida, Paul e os Wings logo partiram para um novo projeto: a gravação do álbum Back to the Egg, que viria a ser o último trabalho do grupo.

Paul decidiu que nesse disco iria colocar em prática um projeto experimental e inovador que há tempos idealizara - a gravação de uma música por uma big band de rock, onde vários músicos tocariam simultaneamente as mesmas notas de uma melodia, como em uma orquestra. Para isso, convocou uma verdadeira constelação de astros de primeira grandeza do rock. “Rockestra Theme”, a música a ser trabalhada, já existia em uma gravação caseira de Paul de 1974, ainda que sem introdução e desfecho. Quatro anos mais tarde, a partir dessa base, os Wings gravaram uma versão completa e triplicaram os instrumentos através de gravações sobrepostas, para tentar alcançar um som semelhante ao que seria registrado mais tarde pela Rockestra. Essa versão se tornou o esboço, ou seja, o rascunho do que deveria ser feito.

Para tocar as baterias, Paul selecionou o ex-Beatle Ringo Starr, John Bonham do Led Zeppelin e Keith Moon do The Who. Ringo agradeceu o convite, mas disse que seria impossível porque estaria fora da Inglaterra no período de gravação. Na noite de 07 de setembro de 1978, Paul convidou Keith Moon para assistir a estreia de um filme sobre Buddy Holly. Após o filme, Paul, Linda, Keith e sua namorada jantaram juntos e Paul o convidou para integrar a Rockestra. Keith Moon aceitou prontamente o convite e garantiu a sua presença na gravação agendada para o mês seguinte, porém, naquela mesma noite, algumas horas mais tarde, morreu em consequência de uma overdose de medicamentos que usava no tratamento do alcoolismo. Para o seu lugar na Rockestra foi convocado o baterista dos Faces, Kenney Jones, que também o substituiria no The Who. Também foram convidados para a Rockestra os guitarristas Eric Clapton e Jeff Beck, que não puderam aceitar devido à incompatibilidade de horários em suas agendas.

No dia 03 de outubro, a Rockestra estava reunida no Abbey Road Studios para as sessões de gravação. Nas guitarras: Pete Townshend, do The Who; David Gilmour, do Pink Floyd; Hank Marvin, do The Shadows; Denny Laine e Laurence Juber, dos Wings. Nos contrabaixos: Paul McCartney; John Paul Jones, do Led Zeppelin; Ronnie Lane, dos Small Faces e Bruce Thomas, da banda de Elvis Costello, The Attractions. Nas baterias: John Bonham; Kenney Jones e Steve Holly, dos Wings. Nos pianos: Paul McCartney, John Paul Jones e Gary Brooker, do Procol Harum. Nos teclados: Linda McCartney e Tony Ashton, que ficou conhecido pela sua participação no trio Paice, Ashton & Lord, que formou com dois dos integrantes do Deep Purple. Nas percussões: Ray Cooper, da banda de Elton John; Speedy Acquaye; Tony Carr e Morris Pert. No naipe de metais, os músicos que acompanharam os Wings em sua turnê mundial: Howie Casey, Tony Dorsey, Steve Howard e Thaddeus Richard. Para a gravação, os engenheiros e técnicos de som utilizaram um recurso para mixar cada instrumento separadamente, acoplando um console de 16 canais a um outro de 24, sistema esse conhecido como
tape lock.

No raro vídeo
Rockestra Theme Recording Sessions, o que se vê são amigos tocando juntos em um clima de total descontração e camaradagem, regados a enormes canecos de cerveja. Nota-se também uma atmosfera impregnada por grandes nuvens de fumaça, oriundas dos cigarros e baseados que circulavam entre os músicos. Paul passa ao piano os acordes do riff para a turma, e logo aparece regendo Townshend, Gilmour e companhia. John Bonham está enorme, inchado por seus excessos etílicos. A orquestra grava o tema instrumental e Paul acrescenta uma frase como refrão: “Why haven’t I had any dinner?”, algo como: “Por que eu não posso comer o meu jantar?”. Concluído o registro de “Rockestra Theme”, a orquestra passa a trabalhar na faixa “So Glad to See You Here”, música improvisada composta por Paul no estúdio, que também viria a fazer parte do álbum Back to the Egg, com um final gravado posteriormente pelos Wings no sótão do escritório de McCartney.

“Rockestra Theme” foi agraciada com o prêmio
Grammy de melhor performance instrumental de 1979. Os Wings se separaram quando Paul foi preso em janeiro de 1980, ao chegar ao aeroporto de Tokyo portando 219 gramas de haxixe em sua bagagem, fato que ocasionou o cancelamento de turnê japonesa e, por consequência, o desmembramento da banda.

Todavia, a antológica sessão de gravação da Rockestra faz desse encontro um marco histórico e memorável para os anais do rock and roll.

Comentários

  1. A genialidade de Paul parece não
    ter limites!
    Ótimo texto, Maurício.
    Dudy, rock on!!!!

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  2. Grande Maurício, como sempre com ótimos textos e grandes pautas.

    Abração!

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