Jefferson Gonçalves - Ar Puro (2010)


Por Ugo Medeiros
Jornalista e Colecionador
Collector´s Room

Cotação: ****

O blues foi o estilo musical do Ocidente mais importante do século XX. A partir dele vieram o jazz, o soul, o R&B, o rock, entre outros. Entretanto, muitos pensam que a sua estrutura é simples e de fácil manuseio. Esse é um erro comum que alguns músicos cometem. O blues não é apenas uma caixa a ser recheada com uma letra e um solo de gaita ou guitarra. Ele é complexo, profundo e muitas vezes enigmático. Já houve artistas e bandas que pensavam que podiam lidar com ele, mas foram enganados e o trabalho final foi um grande equívoco. O blues, acima de tudo, é o lamento dos escravos e, assim, ele não perdoa quem faz mau uso dele.

Felizmente, o gaitista Jefferson Gonçalves respeitou as tradições do estilo e mostrou que o verdadeiro blues não é apenas uma canção de três acordes. Jefferson, Kleber Dias (vocal, violão, banjo, guitarra) e banda produziram um disco que rastreou os caminhos que o blues percorreu ao longo dos seus mais de cem anos de existência.

Além da digressão pela música negra norte-americana, Jefferson dá continuidade à mescla de ritmos nordestinos, tais como baião, forró e maracatu, característica dos bons trabalhos anteriores. Ar Puro (Blues Time Records), entretanto, é um trabalho mais maduro. Tanto o gaitista como o resto da banda estão entrosados e com uma técnica apurada.

O CD inicia com "Baião pra Jú", uma boa abertura que de cara apresenta o cartão de visita do músico. Jefferson mostra que a ligação entre o blues americano e o nordeste é mais próxima do que imaginávamos. "Just Your Fool" (Little Walter) tem uma percussão bem marcada e dita o rumo da música. "500 Miles" (Peter Madcat Ruth) tem uma atmosfera psicodélica.

A melhor parte do álbum fica reservada para uma sequência matadora. "Ar Puro", canção que dá nome ao novo trabalho, tem uma melodia leve e, ao mesmo tempo, forte. Apesar de ter apenas pouco mais de dois minutos, a canção satisfaz o ouvinte. "Don’t Let Your Deal Go Down", canção de domínio público, traz influências do country e um ótimo vocal de Kleber. Em "Highway 61" (Bob Dylan), Jefferson mostra a sua admiração pelo compositor e cantor norte-americano em um blues rock poderoso. Fechando a sequência, "Nosso Groove", como o nome já deixa claro, é puro suingue: uma percussão “arretada” e uma gaita equilibrada, sem pecar pelo excesso de virtuosismo. A parte da guitarra remete ao começo da carreira de Santana.

"Essa é pro Espedito" tem um pé no samba. "Help the Poor" (Charles Singleton), apesar de algumas boas passagens, é monótona e demasiada lenta, e "Teto Preto" soa um tanto repetitva, mas não compromete de forma alguma o disco. "Se Liga" tem uma pegada oitentista (isso é um elogio), enquanto que "Six Feet Under", constratando, é um blues de raiz com vocal de Richard Werner. O CD encerra com muita qualidade com "Estação Werneck".

Ar Puro representa o crescimento musical de Jefferson Gonçalves. Em seu terceiro trabalho solo, o gaitista gravou uma excelente obra que o coloca na lista dos músicos mais originais do Brasil.


Faixas:
1. Baião pra Jú
2. Just Your Fool
3. 500 Miles
4. Ar Puro
5. Don't Let Your Deal Go Down
6. Higway 61
7. Nosso Groove
8. Sinistro!
9. Essa é Pro Espedito
10. Help the Poor
11. Teto Preto
12. Pangaré
13. Se Liga!
14. Six Feet Under
15. Bonus Track: Estação Werneck

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