A lenda de Jimi Hendrix


Por Maurício Rigotto e Rodrigo de Andrade
Escritores e Colecionadores
Os Armênios

Uma das poucas unanimidades absolutas quando falamos sobre música é quem teria sido o maior guitarrista de todos os tempos. Dez entre dez pessoas responderiam imediatamente: Jimi Hendrix.

Fãs de rock, mesmo os veneradores de Eric Clapton, Jeff Beck, George Harrison, Jimmy Page, Keith Richards, Pete Townshend ou Alvin Lee, responderiam Jimi Hendrix. Apreciadores de um som mais pesado, fãs de Ritchie Blackmore ou Tony Iommi, também responderiam Hendrix. Fãs de blues, fanáticos por B.B. King, Johnny Winter e Stevie Ray Vaugham, teriam a mesma resposta. Jazzistas convictos, ouvidores de Wes Montgomery e John McLaughlin, também reconheceriam ser Hendrix o maior de todos.

O pianista e lenda do jazz Gil Evans gravou um disco somente com músicas de Jimi Hendrix. O trompetista Miles Davis, maior expoente do cool jazz, tencionava gravar um disco ao lado de Hendrix.

Poderiam se seguir mais exemplos, mas creio que já é suficiente para demonstrar o quanto a obra do guitarrista é reverenciada, não apenas dentro do rock, mas em praticamente todos os âmbitos da música. Talvez o que mais assombre é o fato de que o artista em questão morreu com apenas vinte e sete anos, apenas três anos depois de lançar o seu primeiro disco.


Aproveitando o lançamento de Valleys of Neptune no dia 10 de março, um álbum “oficial” com 12 faixas inéditas registradas em estúdio, a Sony/Legacy reeditou também os três títulos lendários – e os únicos lançados realmente pelo artista – e o primeiro “póstumo oficial” de sobras. São edições especiais, com caixa digipack, encartes caprichados de 36 páginas e DVDs com documentários que revelam o making of de cada disco. Prensagens limitadas em vinil de 180 gramas para audiófilos também foram feitas, pensando nos puristas que optam pelo som mais encorpado possível.

Aproveitamos a oportunidade e revisitamos a discografia desse que talvez seja o maior power trio da história do rock.

As reedições

Em 1993, o produtor Allan Douglas colocou no mercado, pela primeira vez em CD, os três discos do The Jimi Hendrix Experience com suas capas alteradas (reprodução acima) e uma mixagem que deixava muito a desejar. Allan Douglas ficou notório por discos falcatrua que lançou periodicamente desde os anos setenta, quando editou os póstumos
Midnight Lighting e Crash Landing, onde lançou várias músicas inéditas de Jimi Hendrix acrescidas de lamentáveis overdubs, que é a inclusão de instrumentos e até de uma banda inteira “acompanhando” Hendrix postumamente.

Quando em 1997 a família de Hendrix recuperou os direitos sobre o seu espólio, através de longas batalhas judiciais, criou a Experience Hendrix L.L.C., uma empresa/selo que se dedicou a resgatar com qualidade respeitável a obra do artista, incluindo aí uma grande quantidade de shows e sobras de estúdio que circulavam apenas em títulos piratas com áudio ruim.

Mas a primeira providência da Experience Hendrix foi lançar, finalmente – com a supervisão de Eddie Kramer, o engenheiro de som da época de gravação –, os três discos do The Jimi Hendrix Experience com o som pela primeira vez mixado a partir de fita master original. A audição desses CDs relançados no final da década de 90 foi chocante, pois era como se ouvíssemos a obra pela primeira vez! Tudo agora estava nítido e claro como deveria ser. Vários instrumentos e outros detalhes “apareceram” nas músicas, já que na mixagem anterior estavam apagados ou ofuscados pela má qualidade. A primeira reação foi uma grande vontade de quebrar a marteladas os CDs lançados por Allan Douglas, pois finalmente alguns dos melhores discos já lançados por um artista agora estavam disponíveis com a qualidade adequada.

Em 2009, a Sony Music adquiriu os direitos de reedição do catálogo do guitarrista. A intenção, além de expandir os títulos, é “oficializar” com qualidade ainda mais títulos de Hendrix.

Um breve panorama

Jimi Hendrix, um norte-americano nascido em Seattle, após uma breve carreira como guitarrista acompanhante, inclusive tendo tocado na banda de Little Richard, parte para a Inglaterra e lá forma um power trio ao lado de Noel Redding (baixo) e Mitch Mitchell (bateria), que é batizado com o nome The Jimi Hendrix Experience.

Ao lançar em 1967 o seu primeiro álbum, Are You Experienced?, a banda atrai a atenção do mundo todo pela revolucionária técnica de Jimi Hendrix ao explorar recursos até então desconhecidos em uma guitarra elétrica, além da desumana destreza com que executa escalas pentatônicas e outras inimagináveis até então. Além de tocar guitarra como nenhum outro ser humano jamais ousou, Hendrix ainda se revelava um grande letrista e cantor.

No ano seguinte o trio lançou o seu segundo disco, Axis: Bold As Love, e em seguida um álbum duplo que é até hoje considerado um dos melhores discos de estúdio já feitos desde a invenção da música: Electric Ladyland.

Are You Experienced?
Lançamento:
12 de Maio de 1967 (UK)
23 de Agosto de 1967 (EUA)

Faixas:
1 – Purple Haze [2:46]
2 – Manic Depression [3:46]
3 – Hey Joe [3:23]
4 – Love or Confusion [3:15]
5 – May This Be Love [3:14]
6 – I Don’t Live Today [3:55]
7 – The Wind Cries Mary [3:21]
8 – Fire [2:34]
9 – Third Stone from the Sun [6:40]
10 – Foxy Lady [3:15]
11 – Are You Experienced? [3:55]
12 – Stone Free [3:35]*
13 – 51st Anniversary [3:15]*
14 – Highway Chile [3:32]*
15 – Can You See Me [2:32]*
16 – Remember [2:48]*
17 – Red House [3:51]*
(*faixas bônus)

Apesar de seu talento sobrenatural com a guitarra, James Marshall Hendrix não era ninguém até desembarcar em Londres em 24 de setembro de 1966. Quem o levou para a Inglaterra foi Chas Chandler, ex-baixista dos Animals, que descobriu o guitarrista num inferninho de Nova York. Jimi levava uma vida miserável e sem perspectivas na América, e quando Chandler se ofereceu para ser seu empresário, apenas perguntou: “Você pode me apresentar a Jeff Beck e Eric Clapton?”.

Biógrafos, jornalistas, críticos e historiadores culturais são unânimes: Hendrix chegou em Londres quando a cidade estava no auge de sua efervescência cultural. Ainda um simples desconhecido, fez uma jam com o Cream — a maior sensação musical da cidade, na época — e tocou o terror na mais alta aristocracia do rock inglês. No dia seguinte, começaram a circular os boatos: “
Um negro subiu improvisar com o Cream e superou Clapton. Ele matou Deus!”.

Rapidamente, Hendrix conquistou a Inglaterra. Formou um power trio, e com Noel Redding na baixo e Mitch Mitchell na bateria — não por acaso, uma formação semelhante ao Cream — e começou a lançar compactos que atingiram altas posições nas paradas de sucesso.

Em maio de 1967 o primeiro LP é lançado. Não é por acaso que
Are You Experienced? superou a prova do tempo como “melhor e mais impressionante disco de estreia do rock”. Ele é recheado de hits que se converteram em hinos do gênero, a ponto de assombrar a banda de forma que expurgassem algumas faixas do repertório de shows. Ali estão "Fire", "Foxy Lady", "Manic Depression", entre outras. O título é tão rico musicalmente que denota cisões entre rock psicodélico e acid rock (levantando a questão: será que tais estilos são realmente tão distintos?) e lançou bases fundamentais do hard rock.

No mês seguinte, Hendrix voltou ao seu país de origem para se apresentar no
Monterey Pop Festival. A partir desse show lendário — em que incendeia a sua guitarra — ele não só se consagrou nos EUA, como ganhou repercussão internacional. Em dois meses, seu disco de estreia é prensado também na sua terra natal.

A versão americana de
Are You Experienced? é diferente da inglesa, a começar pela capa, mais colorida, psicodélica e bonita. Mas a distinção mais substancial é realmente a lista das músicas. A ordem das faixas foi trocada, sendo que várias faixas foram substituídas por gravações de compactos que fizeram sucesso na Inglaterra, mas que não haviam entrado no álbum: "Purple Haze", "Hey Joe", "The Wind Cries Mary". Quando o disco foi relançado em CD, todas essas músicas — além dos respectivos lados B dos singles — foram reunidas nas versões digitais de Are You Experienced?, que passou a contar então com 17 faixas.

Axis: Bold As Love
Lançamento:
1º de Dezembro de 1967 (UK)
15 de janeiro de 1968 (EUA)

Faixas:
1 – EXP [1:55]
2 – Up From The Skies [2:55]
3 – Spanish Castle Magic [3:00]
4 – Wait Until Tomorrow [3:00]
5 – Ain’t No Telling [1:46]
6 – Little Wing [2:24]
7 – If 6 Was 9 [5:32]
8 – You Got Me Floatin’ [2:45]
9 – Castles Made Of Sand [2:46]
10 – She’s So Fine [2:37]
11 – One Rainy Wish [3:40]
12 – Little Miss Lover [2:20]
13 – Bold As Love [4:09]

Se convencionou afirmar que
Are You Experienced? é um disco inspirado na sua execução e incendiário em seu espírito, e que Electric Ladyland é um trabalho mais intelectual e o ápice do que se entende por “álbum de estúdio”, elaborado demais a ponto de não poder ser reproduzido ao vivo e de recepção programada para ser ouvido atentamente na frente de um aparelho de som estéreo ou com fones de ouvido. Com isso — e uma parcela substancial do público concorda —, Axis: Bold As Love seria a porção menos digna da discografia clássica de Jimi Hendrix. O acusam de ter sido um disco produzido às pressas, para se aproveitar as vendas de Natal. Entretanto, essa é uma análise completamente equivocada!

O que poucos sabem é que havia um pacto dentro da Experience, algo que na verdade acabou sendo fundamental em sua ascensão impressionante, meteórica e definitiva: a banda fazia questão de lançar seus dois primeiros discos no mesmo ano. As sessões de gravações aconteceram entre maio e junho de 1967, no Olympic Studios (Inglaterra), sendo que o grupo voltou a gravar algumas partes e novas faixas no mês de outubro. E se algo foi feito às pressas foi uma segunda mixagem do lado A, pois Jimi esqueceu a fita master dentro de um táxi. Isso o obrigou a realizar sessões noturnas de remixagem junto com Chas Chandler e o engenheiro de som Eddie Kramer, para cumprir os prazos agendados com a gravadora.

Axis: Bold As Love é marcado pelo uso crescente de LSD por parte de Hendrix, em uma quantidade inicial que se revelou produtiva. Com uma sensibilidade aguçada e, após tantos shows, gravações de compactos e o lançamento de um álbum de sucesso, a Experience revelava um entrosamento que resultou numa musicalidade impressionante e ímpar. Não por acaso, é um álbum conceitual, inspirado num livro que Jimi havia lido sobre aura e a cor resultante das notas musicais - lembrando que o som é algo visível para alguém sob efeito de LSD.

A primeira faixa é uma introdução psicodelíssima. Cheia de efeitos e mudanças de velocidade na reprodução do áudio gravado, "EXP" simula uma transmissão de rádio em que o entrevistado fala sobre OVNIs e seres vindo de outros planetas. O locutor é pego de surpresa pelo que soa como a chegada de uma nave espacial. Uma verdadeira overdose de microfonia e saturação sonora, em que o “disco voador” salta de um uma caixa de som à outra. De cara já se nota que Axis é um trabalho muito bem elaborado em estúdio (várias faixas raramente, ou talvez nunca, tenham sido reproduzidas ao vivo). Nesse sentido, mais caprichado que a estreia e antecipando o seu sucessor.


Outra grande bobagem é acusá-lo de ser pop, na acepção comercial e depreciativa do termo. Na verdade, aí reside o seu mérito! A opção pelo formato pop (o single de três minutos) foi experimentada por todos os gigantes do rock e se revela, sempre, na estrutura mais complexa para se produzir algo que transcenda a barreira do tempo sendo realmente significativa musicalmente. Faixas com cinco, oito, dez, quinze minutos, garantem o tempo suficiente para qualquer grupo exagerado se esforçar em performances grandiosas de produzir um clássico cheio de partes complexas e solos extravagantes. Quer oferecer um desafio a esse tipo de banda? Peça para eles serem tão geniais assim em apenas dois minutos e meio. Nesse sentido,
Axis é impecável! Duas faixas não chegam a ter dois minutos, e apenas três músicas ultrapassam a marca dos três. A Experience tira o desafio de letra, produzindo canções com instrumental elaborado, incrivelmente rico e complexo, que se encaixa num todo harmoniosamente reluzente.

Mitch Mitchell está no seu auge criativo. Noel Redding brilha em uma composição própria, onde assume os vocais. Hendrix atinge a genialidade enquanto compositor, alcança seu ápice lírico como letrista (seus momentos poéticos mais inspirados estão indiscutivelmente nesse disco! Se duvidar, leia!) e canta como nunca.

Passagens leves, descontraídas, introspectivas e reflexivas — "Up From the Skies", "Wait Until Tomorrow", "Little Wing", "Castles Made of Sand", "One Rainy Wish", "Bold As Love" — são sucessivamente alternadas por momentos de intensidade explosiva e grandiosidade enérgica — "Spanish Castle Magi"c, "Ain’t No Telling", "If 6 Was 9", "You Got Me Floatin’", "She’s So Fine", "Little Miss Lover" —, sem que o revezamento desses segmentos produza um efeito de quebra na recepção do ouvinte. E essa complicada química na conjuntura das faixas só é possível pelo fato de que cada música — nesse formato enxuto, “pop” — se revela perfeita e acaba em si mesma.

Axis: Bold As Love é o trabalho mais experimental e diversificado, musical e liricamente, na discografia da Experience. Não se encontra à sombra de seu predecessor e sucessor. É, na verdade, uma obra-prima tão singular que extrapola a sensibilidade do público mediano.

Electric Ladyland
Lançamento:
25 de Outubro de 1968 (UK)
16 de Setembro de 1968 (EUA)

Faixas:
1 – …And The Gods Made Love [1:21]
2 – Have You Ever Been (to Electric Ladyland) [2:12]
3 – Crosstown Traffic [2:25]
4 – Voodoo Child [15:05]
5 – Little Miss Strange [2:50]
6 – Long Hot Summer Night [3:30]
7 – Come on (Let The Good Times Roll) [4:10]
8 – Gypsy Eyes [3:46]
9 – Burning Of The Midnight Lamp [3:44]
10 – Rainy Day, Dream Away [3:43]
11 – 1983… (A Merman I Should Turn To Be) [13:46]
12 – Moon, Turn The Tides…Gently Away [1:01]
13 – Still Raining, Still Dreaming [4:24]
14 – House Burning Down [4:35]
15 – All Along The Watchtower [4:01]
16 – Voodoo Child (Slight Return) [5:14]

Os deuses podem ser ouvidos fazendo amor logo na abertura do disco. "…And the Gods Made Love" é um aglomerado de sons e ruídos que servem como uma vinheta introdutória de "Have You Ever Been (To Electric Ladyland)", uma bela canção que antecede o rock "Crosstown Traffic", faixa que nos remete a sonoridade dos dois primeiros álbuns do grupo. Temos então "Voodoo Chile" em blues, com mais de quinze minutos de duração, e o bom rock "Little Miss Strange" - composto pelo baixista Noel Redding -, a pungente "Long Hot Summer Night" e um rock ao estilo de New Orleans com "Come On (Let the Good Times Roll)".

A fixação de Jimi Hendrix pela temática cigana aparece em "Gypsy Eyes", antecedendo a linda e psicodélica "Burning of the Midnight Lamp". O disco tem sequência com mais uma série de canções inspiradíssimas: "Rainy Day, Dream Away", "1983 (A Merman I Should Turn to Be)", "Moon", "Turn the Tides … Gently Away" e "Still Raining, Still Dreaming". Para encerrar o petardo, um protesto social em "House Burning Down", a cover de Bob Dylan para "All Along the Watchtower" - considerada por muitos a melhor regravação já feita de uma música, e a épica "Voodoo Child (Slight Return)", com seu marcante efeito sonoro adquirido através de um pedal wah-wah Cry Baby, uma das melhores músicas do genial guitarrista.

Vale lembrar que, alguns meses antes, em 1968, Bob Dylan lançou o álbum
John Wesley Harding, e quando Jimi Hendrix – seu fã declarado – o ouviu, gravou de imediato suas versões para as canções "All Along the Watchtower" e "Drifter’s Escape", pretendendo incluí-las em Electric Ladyland. "Drifter’s Escape" acabou ficando de fora, sendo posteriormente incluída no álbum póstumo South Saturn Delta.


A capa original, que estampava dezenove mulheres nuas, causou considerável controvérsia, sendo substituída em outras edições por uma foto da face do guitarrista.

Além dos três músicos (hoje todos já falecidos), Jack Cassady, do Jefferson Airplane, tocou baixo em "Voodoo Chile", e Steve Winwood, do Traffic, tocou órgão na mesma faixa. Al Kooper, da banda de Bob Dylan, tocou piano em "Long Hot Summer Night", e Buddy Miles tocou bateria em "Rainy Day, Dream Away" e "Still Raining, Still Dreaming". O guitarrista do Traffic, Dave Mason, tocou guitarra de doze cordas em "All Along the Watchtower", embora sua participação tenha sido limada da versão final, e fez backing vocals em "Crosstown Traffic". Chris Wood, também do Traffic, tocou flauta em "Come On (Let the Good Times Roll)". Outro que teve a sua participação limada da versão final de "All Along the Watchtower" foi o guitarrista dos Rolling Stones, Brian Jones, que tocou percussão na música. A versão de "All Along the Watchtower" com Dave Mason e Brian Jones pode ser ouvida no álbum South Saturn Delta.

First Rays of the New Rising Sun
Lançamento: 22 de abril de 1997

Faixas:
1 – Freedom [3:27]
2 – Izabella – 2:50]
3 – Night Bird Flying [3:50]
4 – Angel [4:22]
5 – Room Full of Mirrors [3:20]
6 – Dolly Dagger [4:44]
7 – Ezy Ryder [4:09]
8 – Drifting [3:48]
9 – Beginnings [4:13]
10 – Stepping Stone [4:12]
11 – My Friend [4:36]
12 – Straight Ahead [4:42]
13 – Hey Baby (New Rising Sun) [6:04]
14 – Earth Blues [4:21]
15 – Astro Man [3:34]
16 – In From the Storm [3:41]
17 – Belly Button Window [3:36]

Em 1970, Jimi Hendrix trabalhava no que seria o seu quarto álbum de estúdio, um disco planejado para ser duplo e que seria chamado de
First Rays of the New Rising Sun, quando morreu precoce e tragicamente em uma acidental overdose de pílulas para dormir em 18 de setembro. O álbum estava praticamente pronto, faltando alguns reles detalhes de finalização nas mixagens, que estavam a cargo de Eddie Kramer, um dos mais renomados engenheiros de som do mundo, que depois viria a trabalhar com o Led Zeppelin e inúmeros outros grandes astros do rock. Com a morte do guitarrista, o projeto do álbum duplo foi abortado e suas músicas foram lançadas, basicamente distribuídas em três discos póstumos: The Cry of Love, Rainbow Bridge e War Heroes.

Vinte e sete anos depois, em 1997, após longas batalhas judiciais, a família de Hendrix finalmente recuperou os direitos sobre o espólio de sua obra, relançou os discos oficiais do artista em sua mixagem original, a partir da fita master, e começou a largar no mercado material inédito e ao vivo do guitarrista. Um dos primeiros lançamentos da Experience Hendrix L.L.C., a empresa familiar criada para administrar toda a obra oficial do músico, foi o álbum
First Rays of the New Rising Sun, exatamente na ordem e formato que Jimi Hendrix gostaria de tê-lo lançado. Mesmo que todas as canções já fossem conhecidas dos fãs, embora em mixagens precárias que pareciam ser uma cópia de uma cópia de outra cópia de uma fita cassete, o resultado foi impactante, pois First Rays of the New Rising Sun, em sua mixagem definitiva, se mostra um dos melhores discos de rock de todos os tempos, ratificando que o guitarrista, em sua breve passagem pela Terra, foi um dos maiores artistas que já pisaram a face do planeta.

Após três discos estupendos com a Jimi Hendrix Experience e um ao vivo com a Band of Gypsies, Hendrix gravou a maior parte de
First Rays of the New Rising Sun acompanhado pela Cry of Love Band, seu último grupo, formado por ele, Billy Cox – baixista da Band of Gypsies – e Mitch Mitchell – baterista da Jimi Hendrix Experience.

O álbum começa com a ótima "Freedom" e segue com petardos como "Izabella" e "Night Bird Flying", até literalmente arrepiar todos os pelos de qualquer ser humano vertebrado com "Angel", uma de suas mais lindas baladas, ao lado de "Little Wing" e "The Wind Cries Mary" – algum tempo depois, "Angel" foi regravada pela banda Faces, fazendo grande sucesso na voz de Rod Stewart.

A seguir temos "Room Full of Mirrors", gravada com Buddy Miles (Band of Gypsies) na bateria, e "Dolly Dagger", canção a qual Hendrix havia escolhido para ser o primeiro single do álbum, o que acabou por jamais acontecer. A próxima música, "Ezy Rider", também foi gravada pela Band of Gypsies e teve Steve Winwood e Chris Wood, ambos membros do Traffic, fazendo vocais de apoio. A delicada balada "Drifting", inspirada em Curtis Mayfield, traz experimentos sonoros com a guitarra plugada em uma caixa Leslie, além do acompanhamento de um vibrafone.

O disco segue com o potente instrumental "Beginnings" – que em Woodstock foi chamada de "Jam Back at the House" –, a inspirada "Stepping Stone" e a bela "My Friends", música que Hendrix gravou em 1968 ao lado de músicos desconhecidos e que contou com o guitarrista do Buffalo Springfield, Stephen Stills, ao piano.

A seqüência final segue avassaladora com "Straight Ahead", "Hey Baby (New Rising Sun)", "Earth Blues", a divertida "Astro Man" – inspirada no herói dos quadrinhos Marvel Homem-Aranha e no personagem de desenho animado infantil Super Mouse –, "In From the Storm" e termina com uma emocionante interpretação de "Belly Button Window", em que Hendrix aparece sozinho, em uma rara gravação composta apenas por voz e guitarra.

Os primeiros raios de um novo sol nascente esperaram vinte e sete anos para brilhar. Jimi Hendrix viveu no planeta Terra por apenas vinte e sete anos, e o mundo nunca mais foi o mesmo.

Completando a coleção

Além dos três discos clássicos e o álbum póstumo, desde 1997 a Experience Hendrix lançou outros títulos, sem repetição de faixas, que são fundamentais na coleção de qualquer fã do guitarrista. Com eles, o aficcionado evita de adquirir grandes quantidades de títulos piratas apenas para encontrar uma única faixa rara. Além do mais, essa versões oficiais sempre apresentam a melhor qualidade sonora possível, juntamente com um tratamento gráfico de capa e encarte – com informações fidedignas e incríveis fotos raras – muito superior.

Todos esses títulos devem ser relançados pela Sony/Legacy a partir de 2010. Confira abaixo uma listagem daqueles álbuns realmente quentes e fundamentais na coleção de qualquer fã do guitarrista.

Band of Gypsys
Lançamento:
25 de março de 1970 (UK)
12 de junho de 1970 (EUA)

Gravado nos dias 31 de dezembro de 1969 e 1º de janeiro de 1970,
Band of Gypsys foi o único disco ao vivo autorizado por Jimi Hendrix em vida. As apresentações aconteceram no Fillmore East. O grupo, batizado de Band of Gypsys, surgiu a partir da dissolução da Experience. Apesar da afinidade musical e amizade dos integrantes – o baixista Billy Cox e o baterista Buddy Miles – muitos biógrafos do artista afirmam que a banda teria sido formada também por uma pressão da comunidade negra, assim como dos Panteras Negras (grupo revolucionário radical dos Estados Unidos), para que Jimi aderisse a sua causa.

Com seis faixas, traz composições inéditas, possui uma faixa de autoria de Miles e outra dele em parceria com Hendrix. O estilo musical é classificado como blues rock e funk rock, com forte influência de jazz.

Blues
Lançamento: 26 de abril de 1994

Como o próprio título revela, esse disco traz onze blues encontrados em fitas de estúdio gravadas pelo próprio Hendrix entre 1967 e 1970. O artista não tinha a menor intenção de lançar tais registros, o que não desmerece sua atuação nas canções. Além de covers, há composições originais. Com respaldo de crítica, o título teve ótima aceitação de público e vendeu bem.

South Saturn Delta
Lançamento: 07 de outubro de 1997

Lançado logo após o póstumo
First Rays of the New Rising Sun, South Saturn Delta é uma compilação de raridades com material oriundo de fitas demo, versões alternativas, takes inacabados, lados B e material inédito em que Hendrix estava trabalhando pouco antes de falecer. São 15 faixas gravadas no período de 13 de novembro de 1967 até 22 de agosto de 1970.

BBC Sessions
Lançamento: 02 de junho de 1998

Essa excelente CD duplo traz 37 faixas gravadas na BBC entre 1967 e 1969. Naquela época, havia uma lei na Inglaterra que não permitia a execução de discos nas rádios, o que obrigava as bandas a visitarem a emissora para deixar material exclusivo gravado. Como não precisava pagar direitos autorais, a banda se permitia executar várias covers, que iam desde Cream e Beatles até Bob Dylan.

Live at the Fillmore East
Lançamento: 23 de Fevereiro de 1999

Esse CD duplo, com 16 faixas, expande o título
Band of Gypsys. Aqui estão reunidas outras faixas gravadas durante os shows realizados na virada 1969 para 1970 com Billy Cox e Buddy Miles. Um registro daquelas incríveis performances, em que muitas músicas apresentam qualidade de sobra para terem figurado no disco anterior.

Live at Woodstock
Lançamento: 06 de julho de 1999

Gravado em 18 de agosto de 1969 no
Festival de Woodstock. Algumas músicas já haviam sido lançadas em discos piratas ou mesmo títulos oficiais do evento. Com 16 faixas, apresenta a performance da banda Gypsy Sun and Rainbows. Um registro histórico, com a famosa e arrepiante execução do hino americano, numa versão eletrificada que assustou os conservadores.

The Jimi Hendrix Experience Box
Lançamento: 12 de setembro de 2000

Esse luxuoso e impressionante booklet de 4 CDs (também disponível em box set de oito LPs) traz um grande apanhado de faixas raras. São 56 gravações registradas entre 1966 e 1970. São desde músicas inéditas e exclusivas desse título até faixas ao vivo presentes em alguns relançamentos. Entretanto, esse título expande alguns ao vivos, cujo tempo do show completo extrapolava o espaço disponível nos CDs. Versões alternativas para várias faixas de estúdio são encontradas aqui, incluindo takes diferentes para músicas de
First Rays of the New Rising Sun.

Uma edição especial desse título foi lançada em 2005, trazendo ainda um DVD. Ótimo e obrigatório. Em caso de incêndio, salve esse, entre outros, da sua coleção.

Blue Wild Angel: Live at the Isle of Wight
Lançamento: 12 de novembro de 2002

Esse CD duplo com dezoito faixas apresenta o show realizado no
Festival da Ilha de Wight, no dia 30 de agosto de 1970. É uma apresentação controversa, sendo bastante criticada por muitos fãs. Ocorreram problemas com o som, incluindo interferências de rádios nos auto-falantes. Muitos consideram Jimi bastante distraído em certos momentos, enquanto outros afirmam que ele estava viajando com um dose forte de LSD.

Live at Berkeley: 2nd Show
Lançamento: 16 de setembro de 2003

Esse ao vivo, com 12 faixas, apresenta o segundo show realizado no Berkeley Community Theatre, no dia 30 de maio de 1970. Como os concertos foram filmados e gravados, renderam uma série de piratas no decorrer dos anos, o que tornou a apresentação conhecida pelos fãs, mas não com a qualidade de som tratada para esse lançamento.

Live at Monterey
Lançamento: 29 de outubro de 2007

Com dez faixas, esse título traz a histórica primeira perfomance da Jimi Hendrix Experience nos Estados Unidos, o lendário concerto que lançou a banda para o mundo. Foi nesse show, realizado em 18 de junho de 1967, que Jimi colocou fogo na guitarra. A primeira faixa é a introdução em que Brian Jones, dos Rolling Stones, apresenta a banda.

Live 1968 Paris/Ottawa
Lançamento: 11 de agosto de 2009

Esse pack para fãs traz gravações oriundas de dois shows: 29 de janeiro de 1968 no Olympia Theater em Paris e 19 de março de 1968 no Capitol Theater de Ottawa. Com 19 faixas, são apresentações que já haviam sido lançadas em vários títulos piratas. Disponível também em edição de luxo, com vinil, camiseta e memorabília exclusiva.

Valleys of Neptune (single)
Lançamento: 09 de fevereiro de 2010

Esse single em vinil é uma edição limitada que prepara o público para o lançamento de inéditas de Hendrix em 2010. Apesar do lado A ser idêntico ao que foi lançado no álbum homônimo, o lado B traz uma faixa exclusiva, existente apenas ali: "Cat Talking to Me", um outtake de 1967. Então, obrigatório para os fãs e caçadores de bonus tracks.

Valleys of Neptune
Lançamento: 09 de março de 2010

O primeiro título oficial a trazer músicas inéditas de estúdio desde a caixa de quatro CDs lançada em 2000.
Valleys of Neptune contém 12 faixas e marca o relançamento do catálogo do artista pela Sony/Legacy, que promete colocar ainda outros títulos inéditos no mercado nos próximos anos. É a mais grata surpresa aos fãs do guitarrista nos últimos tempos.

Bleeding Heart (single)
Lançamento: 15 de março de 2010

Um segundo single em vinil, também limitado, lançado conjuntamente com o álbum de inéditas
Valleys of Neptune. Enquanto o lado A é o mesmo presente no disco, o destaque desse compacto é realmente o lado B: "Peace in Mississippi", uma canção inédita e exclusiva desse título. Isso faz desse um item também obrigatório para os aficcionados.

Comentários

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  2. Logo na primeira frase do texto eu já não me encaixei. O Hendrix no meu caso é aquele medalhão que não gosto. Todo mundo tem um assim...
    E não foi por falta de tentativas. Até escutei o Are You Experienced? enquanto lia o texto...Claro que tem musicas boas, mas não vejo a veneração que muitos veem. Não posso burro e deixar de analisar a importancia dele. Isso é outra história. O cara revolucionou o modo de tocar guitarra e isso é fato. Mas em termos musicais para mim é algo normal.

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  3. Achei essa matéria do Maurício e do Rodrigo estupenda.

    E Fernando, acho que o que falta para você, nesse caso, é transportar a obra de Hendrix para a época em que ela foi lançada e perceber como era a música antes e depois dele. Fazendo esse exercício, você irá perceber claramente o tamanho da importância e da influência que ele teve.

    Abraço.

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  4. Eu costumo dizer que, se me derem uns 50 pedais de efeito e uma guitarra de 7 cordas, até eu toco muito melhor do que o Hendrix. Agora, se me derem o que ele tinha na época, com a "qualidade" do que ele tinha na época, aí nem eu nem ninguém vamos conseguir reproduzir nem a faixa mais simples que Jimi já gravou. Só por ter sido o "inventor" (ele desenvolveu os conceitos, e técnicos construíram) do oitavador e do wah-wah, ele já merecia o lugar na história. Mas fez mais do que isso. Tocou guitarra como ninguém antes nem durante nem depois dele jamais o fez. Em qualquer lista de "melhores guitarristas", podem eleger quem quiserem, pois Hendrix será sempre "hours-concours"...

    Belíssima matéria. Nota 10.

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  5. E Fernando, me desculpe, mas se você não concorda, tem mais é que ir ouvir o Malmsteen mesmo (risos)....

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  6. Valeu pelo espaço e pelo elogio camarada Seelig!
    É sempre importante manter viva e repassar a informação sobre essas obras que nos transportam, através do som, para uma dimensão mental além do que simples palavras podem expressar.
    Por aqui, sigo ligado diariamente em Collector's Room

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  7. Valeu man. Acho que tanto a Collector´s quanto os Armênios fazem um trabaho muito acima da média, com matérias que poderiam estar em qualquer revista de música desse nosso esquisito país.

    Abraço, e vamos nessa!

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  8. Cadão, obrigado por suas palavras.
    O Collector's Room e os Armênios (assim como o Poeira Zine e o Mofodeu) é que fazem o verdadeiro resgate e preservação da memória do rock. Fico honrado em ter coluna nesses dois sites!

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  9. Cadão...
    Fiz questão de dizer que a importancia dele eu não discuto. E sei que ele revolucionou o modo de tocar. Mas eu prefiro o Cream, por exemplo, do que o Hendrix. E claro que estou falando das músicas...

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  10. Os meus Axis e Electric Ladyland são nessas reedições com capas diferentes citadas no texto. Elas vinham também com uma espécie de cartela de selos ou adesivos no final. Alguém mais tem esses discos também?

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  11. MAravilhoso este texto. parabéns pelas palavras. Lindo, e me deu um efeito colateral massa: Ouvir tudoque ue tenho de Hendrix, como isto é impossivél, vou de " Live at Woodstock" mesmo.

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  12. Criatividade + Sentimento + Talento = Hendrix

    Sonoridade Única...não importa o tempo

    pra mim só de ter a admiração de Miles Davis já acaba com qualquer discussão

    Pra acabar com qualquer dúvida é só ouvir a faixa 1983 e viajar junto

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  13. Belíssima matéria e ótimas dicas!
    Ave Hendrix! =D
    Parabéns e valeu!

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