1968 no rock: a revolução da juventude


Por Vitor Bemvindo
Historiador e Colecionador

O maio de 1968 costuma ser citado como um mês que mudou a história para sempre. Os movimentos políticos e sociais ocorridos naquele período parecem expressar um dado demográfico arrebatador: em 1968, os jovens passaram a ser a maioria da população mundial. Exatamente nessa época, a juventude de diversas partes do mundo saiu às ruas buscando ser mais representativa e pedindo mudanças na sociedade conservadora que a oprimia, impedindo a liberdade de expressão e impondo guerras que não eram suas.

A eclosão desses movimentos foi sentida inicialmente na França, onde os jovens foram às ruas reivindicando mudanças no sistema educacional do país, mais especificamente na Universidade de Paris. As manifestações ganharam vulto e muitas causas foram incorporadas aos protestos, como a igualdade, a liberdade sexual e de expressão, os direitos humanos e a oposição à Guerra do Vietnã. Ainda em maio, ocorreram manifestações em outras partes da Europa, nos Estados Unidos e até mesmo no Brasil, que entrava em uma das fases mais negras da sua história com o enrijecimento da opressão à oposição ao golpe militar de 1964.

A trilha sonora dessas manifestações não poderia ser outra: o rock and roll, o ritmo mais popular entre os jovens daquela época. E o impacto das demandas desses movimentos no rock foi imediato. As duas bandas mais populares daquele momento escreveram canções influenciadas pelo maio de 1968. Os Beatles lançaram em agosto daquele ano o single “Hey Jude”, que trazia em sua lado B a faixa “Revolution”, que faz menção ao clima da época. Os Rolling Stones, por sua vez, lançaram a faixa “Street Fighting Man” no disco
Beggars Banquet, que trata exatamente dos conflitos ocorridos entre a polícia e os estudantes em Paris.

A capa do compacto de “Street Fighting Man” reproduz confronto entre policiais e estudantes

As duas bandas passavam por tensões internas. Os Beatles estavam em um grande esgotamento em suas relações pessoais e resolveram fazer um disco no qual as composições individuais se sobressaíssem ao espírito de grupo. Em
The Beatles – mais conhecido como White Album -, só há uma faixa composta em parceria - “Birthday”, de John Lennon e Paul McCartney. Todas as demais são composições individuais, com espaço inclusive para canções de George Harrison e Ringo Starr. As faixas creditadas a Lennon e McCartney são, na verdade, composições de um ou de outro separadamente, somente atribuídas a dupla por conta de um acordo que havia entre eles.

Nos Stones, as tensões ocorriam entre Brian Jones e o restante do grupo. O guitarrista estava no auge do seu vício e a convivência entre ele e seus companheiros beirava o insustentável. Ainda assim, o grupo conseguiu produzir um dos seus maiores sucessos comerciais e de crítica, o álbum
Beggars Banquet, o primeiro a cargo de Jimmy Miller, que viria a ser o produtor de todos os discos do quinteto até 1973. O lançamento serviria para apagar o fracasso da empreitada psicodélica feita pelo grupo em Their Satanic Majesties Request, do ano anterior. Mesmo assim, o grupo ainda experimentaria um insucesso, com a produção frustrada de Rock and Roll Circus.

Os barulhentos Blue Cheer

A ressaca psicodélica era evidente. Os excessos de experimentalismos não foram tão notados em 1968 como no ano anterior. Sente-se, porém, um novo tipo de experimentação ligado ao uso de mais distorções nos efeitos de guitarra. Eram os primeiros passos do que viria a ser o hard rock e, mais tarde, o heavy metal.

Um exemplo extremo do uso desse novo artifício estava em
Vincebus Eruptum, do Blue Cheer. O disco foi m marco no nascimento de um blues rock com peso, que mais tarde se convencionaria chamar de hard rock. Muitos analistas costumam apontar esse álbum como o marco inicial do heavy metal. O Blue Cheer ainda lançaria o seu segundo álbum nesse mesmo ano, Outsideindide, que se mostraria um pouco mais eclético.

Outro fato importante para a história do hard rock está ligado à nova formação do Yardbirds, que naquele ano excursionaria pela Escandinávia e outras partes da Europa com o guitarrista Jimmy Page, o vocalista Robert Plant, o baixista John Paul Jones e o baterista John Bonham. Um ano mais tarde o New Yardbirds lançaria o seu primeiro álbum como Led Zeppelin, tornando-se uma das maiores referências do gênero.

O Deep Purple, outro peso pesado do hard rock, também dava os seus primeiros passos em 1968 com o lançamento dos seus dois primeiros discos,
Shades of Deep Purple e The Book of Taliesyn. Apesar de terem conseguido algum sucesso comercial com esses trabalhos, a banda parecia não ter ainda uma personalidade formada, flertando com o rock psicodélico e progressivo e tendo ainda pouco do peso que a faria famosa no futuro.

A terceira das bandas que formaria a tríade sagrada do hard rock setentista também começava a se formar. O Black Sabbath, ainda com o nome Earth, consolidaria em 1968 o line-up com Tony Iommi, Ozzy Osbourne, Geezer Butler e Bill Ward. Apesar disso, a identidade da banda ainda estava longe de ser materializada. O Earth ainda era um grupo de blues rock que tocava em alguns pubs de Birmingham.

Contracapa de Truth, do Jeff Beck Group

Apesar das bandas que tornariam o hard rock popular ainda estarem em um estágio embrionário, algumas obras que serviriam como referência para esses grupos foram lançadas, entre elas o álbum
Truth, o primeiro do Jeff Beck Group, que trazia um blues rock com distorções de guitarra que orientariam claramente o trabalho do Led Zeppelin. Outro disco fundamental do hard rock lançado em 1968 foi In-A-Gadda-Da-Vida, do Iron Butterfly.

Por outro lado, uma das bandas que definiram esse subgênero do rock chegava ao fim. O Cream realizou em 1968 sua última turnê. O power trio formado por Jack Bruce, Ginger Baker e Eric Clapton foi desfeito graças a problemas de relacionamento entre os integrantes. No ano seguinte ainda seria lançado um novo álbum do Cream, mas o grupo só voltaria a se reunir, esporadicamente, muitos anos depois.

Para compensar a perda de um grande nome do rock britânico, um outro se formava e lançava o seu primeiro trabalho naquele ano. Era o Free, formado pelo guitarrista Paul Kossoff, pelo baterista Simon Kirke, pelo baixista Andy Fraser e pelo vocalista Paul Rodgers. O grupo lançaria naquele o aclamado
Tons of Sobs, dando novo fôlego à cena blues rocck da terra da rainha.

A sensacional The Band

Mas não só de hard e blues rock viveu 1968. Alguns movimentos que ganharam força no ano anterior continuaram a aparecer com destaque. O rock californiano, por exemplo, que em 1967 tinha tido destaque graças ao Verão do Amor e o Festival de Monterey, ganhava novos representantes. De El Cerrito surgiu o Creedence Clearwater Revival com uma sábia mescla de country, blues e rock clássico. O disco epônimo do grupo foi um grande sucesso e apontou para uma nova forma de se fazer rock.

Apesar de canadenses, a The Band era bastante ligada à cena de São Francisco, que revelou nomes como Moby Grape, Love, Jefferson Airplane, entre outros. Em 1968 o grupo lançaria o seu primeiro trabalho,
Music From Big Pink, aclamado como um dos melhores álbuns de estreia de toda a história do rock. A The Band conseguiu elevar o nível da estética do folk rock, danda mais qualidade aos arranjos do gênero. Não à toa, Bob Dylan classificara e batizara o grupo como “a banda”.

Grande artistas revelados em 1967 começavam a consolidar suas carreiras com discos definitivos. Jimi Hendrix, com o seu trio Experience, tornou-se um dos maiores fenômenos da música em apenas dois anos de carreira. O lançamento de
Electric Ladyland elevaria o guitarrista ao patamar dos grandes artistas de seu tempo. Janis Joplin continuava a se destacar com seu grupo, o Big Brother and the Holding Company. O sucesso do segundo álbum da banda, Cheap Thrills, fez com que a cantora ganhasse a mídia e partisse, no final do ano, para uma carreira solo. Os Doors continuaram a surfar no sucesso dos seus dois primeiros álbuns, lançados em 1967. Em 1968 o grupo lançaria Waiting for the Sun, que repetiria o êxito de seus antecessores e, além disso, incorporaria demandas dos movimentos sociais da época, como a repulsa ao alistamento militar compulsório.

The Pretty Things

Apesar da baixa no rock psicodélico, o rock progressivo parecia se tornar uma alternativa viável para manter a linha estética da sua variante original. Após o sucesso de grupos como Procol Harum, The Mothers of Invention e Pink Floyd, 1968 viu florescer outros grupos, como Jethro Tull, The Nice, Caravan e The Pretty Things. Esses últimos inovaram ao lançar
S.F. Sorrow, tido como a primeira ópera-rock da história e que, segundo o próprio Pete Townshend, influenciou diretamente a composição de Tommy, do The Who.

Ainda no progressivo, o Pink Floyd experimentava uma profunda transformação com o afastamento de Syd Barret do processo criativo do grupo, devido ao uso excessivo de LSD e outras drogas lisérgicas. Emerge, assim, a figura de Roger Waters como mentor criativo da banda, além da incorporação do guitarrista David Gilmour.

A turma da Tropicália

No Brasil, em pleno auge da repressão política e da censura instituída pelo Ato Institucional Número 5, emerge um movimento artístico inspirado no modernismo da década de 1920, essencialmente no conceito do antropofagismo cultural. A ideia central do Tropicalismo era incorporar à cultura brasileira elementos de correntes de vanguarda internacionais, especialmente a pop art e o concretismo. Esse movimento influenciou as artes plásticas, o cinema e o teatro, mas principalmente a música.

O marco da fundação do Tropicalismo foi o lançamento do álbum
Tropicália ou Panis et Circenses, que reunia artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa, Torquato Neto e Os Mutantes. A essência do disco era incorporar elementos da música estrangeira, em especial os utilizados no rock, como a guitarra elétrica e efeitos de distorção, entre outros, na música brasileira.

A partir da Tropicália, Os Mutantes começaram a trilhar um novo caminho no rock brasileiro, que deixou de ser uma cópia mal feita do que produzido fora do país para ter uma personalidade própria. O grande mérito da banda foi estar antenada com tudo o que era mais moderno no rock internacional do período. O primeiro disco do grupo tinha elementos de rock psicodélico e progressivo, novidades até mesmo para nomes vanguardistas de Londres ou São Francisco. Ao incorporar elementos da música brasileira e regravar composições de artistas como Jorge bem, Sivuca e Caetano Veloso, Os Mutantes conseguiram dar uma identidade sem precedentes ao rock feito em nosso país.

Para ouvir algumas das canções mais importantes do ano 1968 e saber mais sobre esse ano histórico, ouça o MOFODEU #087, o quarto da série Anuário,
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