Jazz Covers: a história do jazz contada através das capas dos discos


Por Roberto Scardua
Colecionador

Lançado no final de 2008 pela prestigiosa editora alemã Taschen, o livro Jazz Covers é um fenômeno. A pimeira edição esgotou rapidamente, e tem edição importada em espanhol sendo vendida aqui no Brasil. Organizado pelo produtor, editor, radialista e colecionador de discos português Joaquim Paulo, a obra tem 496 páginas e reproduz 696 capas de álbuns de jazz lançados entre as décadas de 40 e 90. O ponto de partida da pesquisa foi a própria coleção pessoal do autor, fundador da gravadora Mad About Records, que possui cerca de 25 mil discos.

Além da seleção, o produtor – que vive pelo mundo garimpando preciosidades da música – ouviu testemunhos de personagens-chave da produção musical jazzística, como Rudy Van Gelder (engenheiro de som que gravou discos para a Blue Note e para a Prestige, duas das principais gravadoras do gênero), o produtor e trompetista Creed Taylor e o designer Bob Ciano. Joaquim apresentou o projeto ao editor Benedict Taschen, que abraçou o projeto e viabilizou a edição.

Há discos de todo o mundo no livro, muitos jamais editados em CD. Na galeria de álbuns escolhidos estão trabalhos de mitos como Miles Davis, Chet Baker, Thelonious Monk, John Coltrane, Ornette Coleman, Count Basie, e ainda Claus Ogerman, Vince Guaraldi, Moacir Santos e Maurice Vander.


Confira abaixo uma entrevista concedida por Joaquim Paulo a Jotabê Medeiros, do Estadão:

A sua intenção com esse livro é ressaltar o trabalho gráfico das capas ou há também orientação musical?

Tive a ideia do livro há muitos, muitos anos. Pela minha formação, incompleta, na área de artes, por desde sempre me interessar por design, eu olho para um disco de vinil também como objeto de arte. O jazz sempre produziu capas lindíssimas e esteve ligado a grandes ilustradores como Jim Flora, grandes designers como Reid Miles e fotógrafos como Francis Wolff, Chuck Stewart e William Claxton. O jazz sempre foi carregado de muito glamour, estilo, a pose “cool”. Portante, toda vez que pego num vinil de jazz tenho o prazer físico e mental de olhar para a capa, sentir o cheiro, ler as liner notes, ver quem desenhou ou fotografou, e procurar mais. O jazz em vinil, para mim, é um objeto de arte.

Depois, há o meu amor pelo jazz. É a minha música. A primeira coisa que faço quando chego em casa é pegar um LP e colocar no meu toca-discos. O meu iPod é o meu melhor amigo. A música está sempre na minha vida.

Com este livro procurei prestar uma homenagem a quem construiu o jazz, musical e graficamente. É um projeto muito pessoal, são as minhas escolhas. Não pretendi, em nenhum momento, fazer uma enciclopédia ao algo do gênero. Tive a grande felicidade de a Taschen ter me dado essa liberdade.

Na sua opinião, o que revelam as capas de discos de jazz através de todas essas décadas? Uma espécia de história social do jazz?

Sem dúvida. Grande parte das capas que selecionei dos anos setenta são de gravadoras underground, na sua maior parte altamente politizadas e ligadas a movimentos cívicos. Havia uma grande relação com os tempos conturbados dos anos setenta, principalmente nos Estados Unidos. Algumas gravadoras como a Strata East e a Black Jazz estavam intimamente ligadas à contracultura americana, e em alguns dos casos com ligações diretas com movimentos com os Black Panthers. Graficamente, esses discos são também de uma grande força e impacto visual.


Pessoalmente, qual é a sua capa favorita, e porque?

A minha capa, e disco preferido, é o A Love Supreme do John Coltrane. A música é de uma espiritualidade quase religiosa. É um disco que pacifica, que liberta. E acho que a capa é a captação certeira do estado de espírito de Coltrane nessa fase da sua vida. Depois de ter passado alguns anos combatendo demônios internos e problemas com drogas, ele finalmente estava em paz. Gosto do jeito como a câmera capta o olhar melancólico e profundo de Coltrane. É uma capa comovente.

Os comentários, ao estilo verbete, que o senhor faz nas páginas do livro muitas vezes trazem uma visão crítica. Tem exercido o ofício de jazz?

Nunca quis fazer crítica de jazz com este livro. Nunca fiz. A minha atividade profissional foi ligada ao rádio durante 22 anos. Agora estou em outro percurso através da minha gravadora Mad About Records, especializada em reedições de jazz, soul, funk e música brasileira – minhas grandes paixões musicais.

Como tem sido a recepção do livro nos Estados Unidos, berço do jazz?

Excelente. Recebi algumas críticas muito carinhosas de gente que respeito muito, como Michael Cuscuna e Ashley Khan. E a própria vendagem do livro é um indicativo da boa acolhida.

Como um admirador do gênero, qual a sua opinião sobre o jazz que se faz hoje? Acha que o gênero está estagnado?

De forma alguma. Sou atento ao que se produz hoje em dia. Não é fácil ser músico de jazz atualmente, mas isso me parece não ser uma limitação nem um impedimento para a inovação. Aliás, acredito que a dificuldade é sempre motivadora para as grandes revoluções. Mesmo em Portugal, um país pequeno e com um mercado muito difícil, existem gravadoras, como por exemplo a Clean Feed, que fazem um trabalho notável.

Do novo jazz, basta ouvir músicos como Ken Vandermark para percebermos como o estilo está vivo.

O senhor disse em uma entrevista que grande parte dessas capas não teve a participação dos músicos no conceito e na confecção, e que muitas vezes eram boladas por estagiários de agências de publicidade. Como era isso?

O que eu contei é que perdi muito tempo tentando descobrir quem desenhava as capas da gravadora Impulse!, uma das minhas preferidas, musical e graficamente. Todos os discos eram assinados com a alcunha Robert Flynn/Viceroi. Nunca descobri de quem se tratava. Nem o próprio fundador da Impulse!, Creed Taylor, fazia ideia. Mais tarde, descobriu-se que a Viceroi era uma companhia de design e que as capas eram entregues a quem estivesse mais disponível. O que é estranho, pois a Impulse! é uma gravadora com uma linha gráfica muito marcante, bastante personalizada.


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