Rigotto's Room: Bob Dylan – Bobfest - The 30th Anniversary Concert Celebration


Por Maurício Rigotto
Escritor e colecionador
Collector's Room

Imagine um artista que, ao convidar alguns amigos para participar de um concerto em celebração aos seus trinta anos de carreira, consegue reunir diversas lendas vivas do rock, além de uma verdadeira constelação que inclui alguns dos maiores astros do folk, country, blues e soul music. Esse artista é Bob Dylan, um dos músicos mais influentes dos séculos XX e XXI, e o evento ocorreu no dia 16 de outubro de 1992 no Madison Square Garden, em Nova Iorque, em comemoração ao trigésimo aniversário do lançamento de seu primeiro disco.

A própria “banda da casa”, que acompanharia os convidados em suas apresentações, já incluía os lendários Steve Crooper (guitarra) e Donald “Duck” Dunn (baixo), membros sobreviventes da Booker T. & the MG’s e que acompanharam Otis Redding e quase todo o cast da gravadora Motown nos anos sessenta; além dos bateristas Anton Fig e Jim Keltner e do guitarrista e diretor musical G. E. Smith, famoso por ser o líder da banda do programa Saturday Night Live, que tocava na banda de Bob Dylan na ocasião.

Bob Dylan, Neil Young e Eric Clapton

O primeiro convidado a se apresentar foi John Cougar Mellencamp, que não está entre os meus artistas preferidos. Mellencamp trouxe como convidado Al Kooper, o organista e guitarrista que gravou com Dylan em seus principais discos dos anos sessenta e setenta, e apresentou “Like a Rolling Stone” e “Leopard-Skin Pill-Box Hat”, com o auxílio de duas backing vocals exageradas e exibicionistas. A lenda country Kris Kristofferson apresenta Stevie Wonder, que entra amparado pelo organista Booker T. Jones para interpretar o hino “Blowin’ in the Wind”. Após Wonder, as cantoras country Nancy Griffith e a veterana Carolyn Hester tocam “Boots of Spanish Leather” e Booker T. Jones se une aos companheiros de MG’s Crooper e Dunn para a sua versão de “Gotta Serve Somebody”, da fase gospel de Bob Dylan. O nova-iorquino Lou Reed sobe ao palco para a sua peculiar releitura de “Foot of Pride”, uma canção que havia sobrado do álbum Infidels que Dylan gravou em 1983 e que apenas se tornaria conhecida no ano anterior, quando foi incluída na caixa de raridades The Bootleg Series Vol. 1-3. Eddie Vedder e Mike McCready, da banda Pearl Jam, fazem então uma versão acústica de “Masters of War”; e a cantora folk-pop Tracy Chapman canta “The Times They Are A-Changin’”.

As três próximas canções são interpretadas pela nata da country music, começando pelo “man in black” Johnny Cash e sua esposa June Carter Cash, que executam com maestria “It Ain’t me, Babe”. O eterno cabeludo Willie Nelson entra com seu violão para cantar “What Was It You Wanted” e permanece no palco para auxiliar Kris Kristofferson em sua bela versão de “I’ll Be Your Baby Tonight”. O próximo a pisar o palco é o guitarrista albino Johnny Winter, que incendeia a platéia com sua elétrica interpretação de “Highway 61 Revisited”, música que há anos foi incorporada ao repertório do bluesman. Ron Wood sobe ao palco com sua fender Stratocaster para tocar “Seven Days”, música que Bob Dylan compôs em 1976 e que foi lançada por Ron Wood em seu álbum Gimme Some Neck em 1979.

G. E. Smith e Bob Dylan

O músico folk Richie Havens, que ganhou notoriedade por ter feito a abertura do Festival de Woodstock em 1969, comparece para tocar “Just Like a Woman” com a sua bizarra técnica de tocar violão, que consiste em usar uma afinação em Ré que permite que ele utilize o seu dedo polegar para executar a maioria dos acordes. A seguir, o grupo folk The Clancy Brothers and Tommy Maken fazem uma harmoniosa interpretação para “When the Ship Comes In”. Os irmãos Lian, Bobby e Paddy Clancy foram os primeiros amigos que o jovem Bob Dylan fez ao chegar à Nova Iorque em 1961, quando os conheceu no bar de Tommy Maken, um tocador de banjo e poeta que acompanhava os Clancy Brothers (hoje todos são falecidos). O momento constrangedor da noite veio quando Kris Kristofferson anunciou a cantora Sinnead O’Connor, que deveria cantar “I Believe in You”. Duas semanas antes do concerto, Sinnead havia rasgado uma foto do papa João Paulo II ao vivo no programa Saturday Night Live, gerando uma grande onda de protestos. Ao subir ao palco, Sinnead foi recebida por uma vaia ensurdecedora. Abalada, a cantora cai no choro e recita de improviso um trecho da música “War”, que Bob Marley compôs para Martin Luther King, e sai do palco em prantos, amparada por Kristofferson. A seguir o canadense Neil Young, mesmo levemente bêbado, faz uma apresentação emocionante e descomunal, tocando os clássicos “Just Like Tom Thumb’s Blues” e “All Along the Watchtower”.

A líder dos Pretenders, Chrissie Hynde, é a próxima a se apresentar, com uma boa releitura para “I Shall Be Released”. Ron Wood volta ao palco para introduzir “um amigo estreando seu novo penteado”. Eric Clapton é anunciado por Wood e toca as canções “Love Minus Zero/No Limit” e “Don’t Think Twice, It’s All Right” em versões irretocáveis. A seguir é a vez do veterano grupo soul The O’Jays fazer a sua releitura de “Emotionally Yours”. Eric Clapton volta ao palco para anunciar uma de suas principais influências, o grupo The Band. Em sua nova formação, sem Robbie Robertson e com três novos integrantes, o The Band emociona com “When I Paint my Masterpiece”. A filha de Johnny Cash, Rosanne Cash, acompanhada por Mary Chapin Carpenter e Shawn Colvin, toca “You Ain’t Goin’ Nowhere” com seu estilo country.

Bob Dylan e Johnny Cash

Chrissie Hynde retorna ao palco para anunciar um de seus ídolos, o guitarrista George Harrison. George toca “Absolutely Sweet Marie” e “If Not For You”, canção que ele havia gravado em seu disco All Things Must Past em 1970. Após George, é a vez de Tom Petty and the Heartbreakers interpretar “License to Kill” e “Rainy Day Women #12&35”. Tom Petty chama então o líder do The Byrds, Roger McGuinn, para juntos tocarem “Mr. Tamborine Man” com o arranjo imortalizado pelos Byrds.

Coube a George Harrison a honra de chamar ao palco o anfitrião da festa, que até então estava nos camarins assistindo pelo circuito interno de televisão aos seus convidados a cantarem as suas músicas. Bob Dylan subiu ao palco ovacionado pela platéia e, acompanhado apenas por seu violão e harmônica, atacou com “Song to Woody” e “It’s AlRight, Ma (I’m Only Bleeding)”. A próxima canção, “My Back Pages”, traz Bob Dylan, Roger McGuinn, Tom Petty, Neil Young, Eric Clapton e George Harrison juntos, se revezando nos vocais. Nove guitarristas estão no palco nesse momento. Todos os participantes do show então sobem ao tablado para entoarem juntos “Knockin’ on Heaven’s Door”, num emocionante e descontraído encontro de astros. George Harrison e Ron Wood aproveitam para colocar a conversa em dia enquanto tocam as notas da canção. Após o gran finale, Bob Dylan ainda retorna sozinho para tocar a saideira, “Girl From the North Country”.

Após o show, todos os artistas deixam o Madison Square Garden e se dirigem ao Irish Pub de Tommy Maken, onde confraternizam e se embriagam até a manhã do dia seguinte. Uma grande festa para esse seleto grupo de músicos e também para nós, que podemos desfrutar do disco triplo (CD duplo) e do vídeo do show.


Comentários

  1. Emocionante homenagem ao trovador que eletrificou o folk e sofisticou com poesia e engajamento as letras de rock.Viva Bob Dylan!

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  2. Lembro que um amigo tinha esse vinil, que era triplo se não me engano, certo Maurício?

    Lembro também que gostava muito das versões do Neil Young, mas nunca dei muita bola para o resto do álbum. Vou dar uma reconferida.

    Abraço.

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  3. Isso mesmo Ricardo. O vinil é triplo e o CD é duplo. Tenho o video em DVD bootleg e em duas VHS lançadas na época.

    Vale a pena dar uma reconferida. Claro que tem uns momentos chatinhos, mas o saldo é muito positivo.

    Logo que o video foi lançado, a Rede Bandeirantes de Televisão fez um especial com os melhores momentos do show (incompleto, é claro). O curioso é que nesse especial eles exibiram George Harrison tocando "If Not For You" e Bob Dylan com "Song to Woody". Essas duas faixas não aparecem nem no disco, nem nas VHS e tampouco nos DVDs bootlegs. Por sorte eu gravei.

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  4. Elas não aparecem no vídeo, mas fazem parte do show ou são de outra apresentação?

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  5. Fazem parte do mesmo show, mas foram excluídas do disco e do video. George tocou "Absolutelly Sweet Marie" e "If Not For You", mas apenas a primeira aparece no disco/video. "Song to Woody", que Dylan toca sozinho ao violão, também foi excluída.

    Até hoje não entendo como a Bandeirantes tinha essas músicas, já que não apareceram em nenhum lançamento.

    Eric Clapton tocou "Don't Think Twice, It's All Right" e "Love Minus Zero/No Limit". Apenas a primeira aparece no disco, mas as duas estão no video.

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