Rigotto's Room: Jimmy Page, The Edge e Jack White a todo volume


Por Maurício Rigotto
Escritor e colecionador
Collector's Room

Pode um documentário sobre a guitarra elétrica ser um dos melhores e mais emocionantes filmes dos últimos tempos? Não apenas pode, mas é fato. O extraordinário A Todo Volume (It Might Get Loud) é um deleite aos fãs de rock, aos fãs de guitarra e, arrisco-me a afirmar, aos fãs de cinema documental. A Todo Volume é dirigido por Davis Guggenheim, que adquiriu notoriedade mundial ao ser premiado com o Oscar em 2007 pelo documentário Uma Verdade Inconveniente, onde o ex-vice-presidente dos Estados Unidos durante os mandatos do democrata Bill Clinton, Al Gore, um ecologista fervoroso que perdeu as eleições para a Casa Branca para o nefasto George W. Bush, mesmo tendo milhares de votos a mais que o republicano, faz uma análise sobre o aquecimento global e explana possíveis saídas para evitar uma iminente catástrofe climática de proporções mundiais e avassaladoras. O mote de A Todo Volume é o encontro de três ícones da guitarra, de gerações, estilos e influências diferentes, para discutir a guitarra, suas experiências de vida, discos e histórias de suas carreiras.

No dia 23 de janeiro de 2008 reuniram-se Jimmy Page, 63 anos, um dos maiores guitarristas da história, desde que participou da banda Yardbirds nos anos sessenta e fundou o Led Zeppelin em 1968; The Edge, 47 anos, guitarrista da banda irlandesa U2, uma das mais bem sucedidas mundialmente desde que surgiu no início da década de oitenta; e Jack White, 33 anos, um dos mais prolíferos músicos de rock garagem dos anos noventa, fundador do duo The White Stripes, em Detroit, e mais recentemente da ótima banda Raconteurs, ao lado de Brendan Benson e do baixista e baterista de banda Greenhornes.



A primeira cena de A Todo Volume mostra Jack White no campo, cercado por vacas, martelando pregos em um rústico pedaço de madeira. Jack amarra um arame em dois pregos e o estica, colocando sob o mesmo uma garrafa de coca-cola. Em seguida Jack prega um captador na madeira e pluga o fio em um amplificador, para então com um slide tirar barulhentas notas do primitivo instrumento, causando surpresa em uma das vacas presentes. Jack olha para a câmara e pergunta: “Quem disse que você precisa comprar uma guitarra?”.

Após o impactante início, cada guitarrista é visto em um carro rumando para o encontro, onde tecem comentários sobre as suas expectativas quanto à reunião. Logo, The Edge aparece em Dublin, Irlanda, tocando a sua guitarra Explorer, a primeira que comprou na vida, ligada a uma enorme pedaleira de efeitos. Em Franklin, Tennessee, Jack White dirige um carro por uma estrada rural e no banco traseiro está um garoto vestido igual a ele. O garoto não é filho de Jack, é o próprio Jack White aos nove anos. Ao chegar a uma casa de campo, vemos Jack ao piano ensinando ele mesmo aos nove anos a tocar “Sitting on top of the world”, de Chester Burnett, o nome real do bluseiro Howlin' Wolf. Em Londres, Jimmy Page está no centro de uma sala repleta de amplificadores, tocando “Ramble On” do Led Zeppelin com a sua guitarra Gibson Les Paul, onde demonstra as nuances da dinâmica, tocando ora acordes com suavidade, ora com agressiva distorção.

Os três guitarristas aparecem então reunidos em uma sala. A cena é alternada por trechos de um mega concerto do U2 e a bizarra apresentação dos White Stripes no Asilo Chelsea, para uma platéia de senhores octagenários. Os idosos, alguns aparentando ter perto de um século de vida e usando aparelhos para surdez, aplaudem com entusiasmo a apresentação da dupla. Jack conta que gosta de guitarras velhas, baratas e de plástico (até mesmo com o braço torto), pois a tecnologia apenas torna o caminho mais fácil, não torna o músico mais criativo. “Quem quiser facilidade, que compre uma Gibson Les Paul ou uma Fender Stratocaster”.

Jimmy Page surge novamente em Londres tocando “The Battle of Evermore” em um mandolin, para então falar de seus primórdios tocando skiffle, um gênero pré-rock que Jimmy definiu como o “leite materno do rock”. Lonnie Donegan, o maior expoente do skiffle, aparece com a sua banda em uma rara imagem em preto e branco. É mostrada então a primeira aparição de Jimmy Page em um programa televisivo, em 1957, onde vemos Jimmy tocando guitarra em uma banda de skiffle aos doze anos de idade.



Em uma cena para emocionar qualquer colecionador de discos, Jimmy Page aparece em sua sala de discos, onde escolhe um compacto com “Rumble” de Link Wray e o coloca para tocar. Jimmy fica curtindo o som e imagens de um show de Link Wray surgem na tela. Fiquei gratamente surpreso, não imaginava que Jimmy Page, um dos meus heróis da juventude, fosse fã de Link Wray, um dos meus guitarristas favoritos (que The Edge confessou nunca ter ouvido falar!). Jack White por sua vez, em sua casa, ouve um vinil do pioneiro do blues Son House. The Edge fala de suas influências punk como The Jam, Buzzcocks, Clash, Sex Pistols e Ramones, que o mostraram que não importa se você não sabe tocar bem, ainda assim é divertido tocar, mesmo que você saiba apenas um ou dois acordes.

Os três guitarristas pegam seus instrumentos e juntos tocam “I Will Follow” do U2, mote para The Edge contar um pouco sobre a formação da banda e do cenário caótico da economia da Irlanda na época, com bombas terroristas explodindo violentamente toda semana, chegando ao ápice no domingo em que tropas britânicas atiraram e mataram manifestantes militantes de direitos civis, inspirando a música “Sunday, Bloody Sunday”.

Os Raconteurs aparecem em uma apresentação ao vivo tocando o seu sucesso “Steady, as she goes”. Quem criticava os White Stripes pela sua simplicidade nas composições e arranjos e pelas limitações técnicas da baterista Meg White, há de se render ao poderoso som dessa banda, tanto que Jack White já dividiu palcos e gravações com nomes como Bob Dylan, Rolling Stones e Lou Reed, o que demonstra que os velhos estão ligados no que o criativo músico anda produzindo. Jack mostra então a guitarra Gretchen semi-acústica que ele personalizou em um luthier para se apresentar com os Raconteurs.

Jimmy, com sua Les Paul, toca o clássico do Led Zeppelin “Whole Lotta Love”, deixando The Edge e Jack White com feições abobalhadas pelo momento sublime que presenciavam. Conta-se que nesse instante todo o set de filmagens parou para prestar atenção nos dedos de Page. Vemos após, cenas do inicio do Led Zeppelin e Jimmy nos Yardbirds tocando “Heart Full of Soul”. Os três guitarristas pegam seus instrumentos e tocam “In my Time of Dying”, do álbum Physical Graffiti do Zeppelin, como se já fosse velhos amigos se reencontrando para fazer um som.

Para finalizar o documentário, Page, The Edge e White tocam “The Weight” do The Band, deixando o expectador também com um sorriso abobalhado de quem assistiu 98 minutos de puro deleite. E ainda falta ver os extras do DVD.



Como bônus, há 25 minutos de cenas deletadas da edição final, onde os músicos brincam com o exótico instrumento teremim, que segundo Page: “Não tem seis cordas, mas é bem divertido.” The Edge pergunta a Page sobre “Kashmir”, uma das mais emblemáticas canções do Led Zeppelin. Page fala sobre sua estranha afinação, semelhante a uma cítara, e a executa com sua guitarra Danaelectro. Falam também sobre encordamentos, quando Jack afirma que usa quaisquer cordas e que não liga a mínima para a marca do produto. Estranhei que a música “Seven Nation Army”, maior sucesso dos White Stripes e detentora de um dos melhores e mais poderosos riffs de guitarra dos últimos tempos, não tenha aparecido durante a película. Nas cenas excluídas, Jimmy Page questiona Jack White sobre a canção, perguntando se ele já tinha o riff pronto quando compôs a música. Logo os três estão executando em conjunto a introdução e o refrão de “Seven Nation Army”. Cenas extras tão essenciais quanto as que estão no filme.

Além das cenas deletadas, ainda podemos assistir a íntegra da coletiva de imprensa no Toronto Film Festival, onde o filme foi premiado. Gravada no salão de eventos do Sutton Place Hotel, com a presença do diretor Davis Guggenheim e dos produtores Thomas Tull e Leslev Chilcott, além evidentemente de Jack White, The Edge e Jimmy Page (apresentado pelo mediador como: “Jimmy Page, de uma banda indie que nunca devem ter ouvido falar.”). Em 38 minutos, eles respondem aos questionamentos da imprensa e contam desde como a idéia nasceu, sua viabilização e a execução do projeto. Cerca de quarenta dias antes do encontro dos três guitarristas, o Led Zeppelin fez no London's 02 Arena o seu único show de retorno, gerando grandes especulações da mídia quanto a uma volta do grupo. Perguntas sobre o que esperar do Led Zeppelin foram dirigidas a Page durante a coletiva, que em um primeiro momento desconversou e depois redarguiu que o retorno era para aquele único show. Quando perguntados se surgiu algum interesse no trio em gravar alguma coisa juntos, Jack disse que tocaria a bateria – como faz em sua nova banda, The Dead Weather. Enfim, um documento imperdível para os amantes do instrumento de seis cordas.

Assisti ao filme diversas vezes e ao final da cada exibição, surge uma gigantesca e irresistível vontade de ligar a guitarra no amplificador e tocá-la alto, a todo volume.

Comentários

  1. Ainda não assisti esse filme, mas tenho certeza que vou curtir muito.

    Abraço.

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  2. Aonde eu consigo esse DVD? É importado ou está na TV fechada?

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  3. Belo texto, destrinchou bem o que é este singular dvd. Parabéns!
    Respondendo o a pergunta acima, o dvd está disponível nas locadoras.

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  4. FALTOU SÓ A MINHA BATERA ALI NA PONTA ESQUERDA ,,,NÉ....????

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