Rigotto's Room: Van Morrison, cantor


Por Maurício Rigotto
Escritor e colecionador
Collector's Room

Com o escopo de divulgar uma obra que merece ter uma valorização bem maior, resolvi escrever um pouco sobre um dos meus vocalistas preferidos, que é sem sombra de dúvida um dos maiores cantores do mundo. Van Morrison tem uma das mais belas vozes que o mundo já ouviu, não importando o gênero, seja quando está a frente de uma banda de rock, seja em seus trabalhos que mesclam jazz, blues, folk, country, soul e até mesmo música celta.

Nascido em 1945 em Belfast, na Irlanda do Norte, filho de uma cantora e de um colecionador de discos de jazz, Van Morrison se interessou por música ainda em seus primeiros anos de vida, quando se tornou um grande fã de Ray Charles, Leadbelly e Solomon Burke, os cantores favoritos de seu pai. Ao constatarem o quanto o filho se interessava por música, seus pais o presentearam com uma guitarra. Garoto tímido e introvertido, Van Morrison aprendeu os acordes estudando livros de cifras e, aos doze anos, formou a banda The Sputnicks com colegas de escola. Aos quatorze formou outra banda, Midnight Special, que durou poucos meses e chegou a se apresentar em cinemas locais. Não satisfeito por tocar apenas guitarra, Van pediu a seu pai que comprasse um saxofone tenor. Van Morrison teve aulas de sax e solfejo por um mês e ingressou na banda Thunderbolts, que tocava nos arredores da cidade. Apesar de seu talento musical, Van tinha grande dificuldade em se relacionar com outras pessoas, devido a sua natureza introspectiva e lacônica, sendo que logo foi desligado da banda por não conseguir se “enturmar” com os outros integrantes do grupo. Van mais tarde declarou que não conseguia falar com as pessoas porque músicas invadiam o seu cérebro o tempo todo, o que ele não compreendia se era uma benção ou uma maldição.

O sucesso lhe sorriu em 1964, quando formou a banda Them, que obteve vários sucessos como “Gloria” (o maior êxito do grupo, que depois foi regravada pelo The Doors, Patti Smith e outros); “Here Comes the Night” (gravada por David Bowie em 1973 no álbum de covers Pin Ups) e “Baby Please Don’t Go” (um blues composto em 1935 por Big Joe Williams, que ao longo dos anos foi regravado por inúmeros artistas, como AC/DC, Aerosmith, Ted Nugent, Budgie e outros). Apesar do Them ter sido formado em Belfast, o grupo foi comercializado nos Estados Unidos como parte da invasão britânica ao lado de grupos como Animals, Yardbirds, David Clark Five, Who, Kinks, Rolling Stones e Pretty Things. Van Morrison começou a ficar desgostoso com o Them quando a banda optou em utilizar vários músicos de estúdio nas gravações de suas novas músicas, abandonando o grupo após uma turnê pelos Estados Unidos em 1966. Decepcionado, Van voltou à Irlanda com a intenção de procurar um emprego e abandonar de vez a carreira musical, mas foi convencido pelo produtor Bert Berns a ir à Nova Iorque gravar um disco solo. Em março de 1967, Van Morrison grava Blowin’ Your Mind!, seu primeiro trabalho solo, que inclui canções como “T. B. Sheets”, “Spanish Rose” e uma de suas músicas mais conhecidas até hoje, “Brown Eyed Girl”.

No ano seguinte, Van Morrison lança Astral Weeks, um dos melhores discos de todos os tempos. Aclamado pela crítica, o disco mesmo assim passa despercebido pelo grande público. Astral Weeks combina belos arranjos de folk e rock com a maravilhosa voz de Morrison. São oito canções compostas por ele, sendo o lado um chamado de “In the beginning”, com clássicos como “Beside You” e “Cyprus Avenue”; e o lado dois intitulado “Afterwards”, contendo obras como “Madame George” e “Ballerina”. Astral Weeks sempre é citado em qualquer lista de melhores discos da história que se preze.

Dez meses após o lançamento de Astral Weeks, Van Morrison entra em estúdio para registrar o disco Moondance, lançado em 1970. Moondance é outra obra-prima composta por Van Morrison, incluindo as sublimes “Caravan”, “Crazy Love” e a faixa-título. Moondance faz parte do rol de 200 álbuns definitivos do Rock and Roll Hall of Fame. Ainda em 1970 Van lança His Band and the Street Choir, que faz sucesso com a faixa “Domino”. Segue lançando excelentes discos como Tupelo Honey (1971), com a participação do guitarrista Ronnie Montrose; Saint Dominic’s Preview (1972), onde opta por uma diversidade de estilos que apresenta uma fusão entre a música celta com o blues, o folk e o jazz; opção que encontra prosseguimento em Hard Nose the Highway (1973). Em 1974 lança o espetacular disco duplo ao vivo It’s Tôo Late To Stop Now.

Van Morrison participou em 1976 do The Last Waltz no Winterland em San Francisco, o concerto de despedida do The Band que contou com astros como Bob Dylan, Eric Clapton, Neil Young, Muddy Waters, Ron Wood e Ringo Starr, entre outros. O concerto foi filmado pelo diretor Martin Scorsese e The Last Waltz hoje é considerado um dos mais brilhantes filmes de rock já feito. Van Morrison pode ser visto em uma interpretação eletrizante de “Caravan” ao lado do The Band.

Morrison seguiu lançando álbuns com prolixidade, praticamente um por ano, com destaque para Wavelength (1978), onde surpreende por dar uma roupagem mais pop ao seu estilo, e Common One (1980), seu mais ambicioso trabalho desde Astral Weeks. Em 1984 lançou o seu segundo álbum ao vivo, Live at the Grand Opera House Belfast, gravado em sua cidade natal. No final dos anos oitenta, Van Morrison grava várias canções com o amigo Bob Dylan, que apesar de nunca terem sido lançadas oficialmente, aparecem em vários bootlegs dos artistas. Em 1988, Morrison grava Irish Heartbeat ao lado de seus conterrâneos The Chieftains, renomada banda de música celta. No ano seguinte, Van Morrison participa como convidado do show de Jerry Lee Lewis no Hammersmith Odeon em Londres, ao lado de Brian May (Queen) e Dave Davies (Kinks).

Em 1990 Van Morrison aparece como convidado de Roger Waters do show The Wall in Berlin, onde faz um dueto com o ex-Pink Floyd na música “Confortably Numb”. A década de noventa começa com o lançamento de Enlightenment. Morrison segue lançando bons discos como Tôo Long in Exile (1993), um dos maiores sucessos comerciais do cantor em muitos anos, devido a uma regravação de seu antigo sucesso “Gloria” e a “Good Morning Little Schoolgirl”, de Sonny Boy Williamsom. Aliás, há tempos Van Morrison vinha regravando canções de seus ídolos Ray Charles, Hank Williams e Muddy Waters. No ano seguinte lança o ótimo disco duplo ao vivo A Night in San Francisco. Days Like This (1995) também faz sucesso com a faixa-título. No ano seguinte lança How Long Has This Been Going On, ao lado do cantor George Fame e sua banda de jazz. Ainda em 1996 é lançado Tell me Something: The Songs of Mose Allison, ao lado de George Fame e do próprio Mose Allison. Seguem mais bons discos: The Healing Game (1997) e Back to the Top (1999). Em 2000 Van Morrison lança o excelente The Skiffle Sessions, ao lado do contrabaixista Chris Barber e de Lonnie Donegan, o maior expoente do gênero skiffle. The Skiffle Sessions foi gravado ao vivo em Belfast em 1998. Ainda em 2000, Van Morrison grava o álbum You Win Again ao lado de Linda Gail Lewis, ex-mulher de Jerry Lee Lewis, onde registram suas versões para canções de Hank Williams, Bo Diddley e John Lee Hooker.

O novo milênio traz Van Morrison magistral, lançando alguns dos melhores discos de toda a sua extensa carreira, começando por Down the Road (2002), que traz na capa a vitrine de uma loja de discos de vinil, onde colecionadores podem se deleitar descobrindo capas de discos de várias influências do cantor. No ano seguinte é lançado o primoroso What’s Wrong with this Picture? Onde requintados arranjos mesclam jazz, blues e rock. Em 2005 o artista segue a mesma linha em Magic Time e no ano posterior volta a surpreender com um álbum onde a country music predomina, com o sugestivo nome Pay the Devil. Seu mais núpero álbum de inéditas é Keep it Simple, de 2008. Em 2009, comemorando o quadragésimo aniversário de Astral Weeks, Van Morrison lança o maravilhoso Astral Weeks Live at the Hollywood Bowl.

Em 2010 Van Morrison apareceu nas manchetes com a notícia de que seria pai novamente aos 64 anos. A mãe da criança seria a sua agente e o próprio Morrison anunciou a gravidez através de seu site oficial. Dias depois, Van Morrison declarou a BBC que não era pai de criança alguma e que seu site foi invadido por hackers que inventaram essa mentira sem fundamento. Van salientou que é casado com Michelle Morrison, com quem tem dois filhos de três e dois anos. Morrison também é pai da cantora Shana Morrison, fruto de seu primeiro casamento. Essa não é a primeira vez que o site do artista é alvo de piratas cibernéticos.

Ainda esse ano, o renomado crítico musical Greil Marcus lançou a biografia When That Rough God Goes Riding – Listening to Van Morrison, ainda sem tradução para a língua portuguesa.

Encerro aqui esse meu tributo a esse artista de primeira grandeza, que infelizmente não goza do mesmo reconhecimento por parte do público que outros astros do mesmo patamar.


Comentários

  1. Belo texto, Maurício. Está aí um artista que não conheço muito os discos. O que você me indica, além, é claro, do Astral Weeks?

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  2. Fala Cadão, to metendo o meu bedelho. O Astral Weeks é muito bom, mas eu começaria pelo Tupelo Honey, depois pelo primeiro (Blowin' Your Mind) e finalmente o Astral Weeks. Abração!!

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  3. Ricardo!

    Obrigado pelas palavras. Fica até difícil indicar apenas alguns álbuns, pois Van Morrison já lançou mais de 40 discos e nunca ouvi nada que me decepcionasse. Vou pelo meu gosto pessoal: Comece por Astral Weeks (1968), Moondance (1970), Tupelo Honey (1971), It´s Too Late To Stop Now (1974), Too Long in Exile (1993), A Night in San Francisco (1994) e Days Like This (1995).

    Pessoalmente sou aficionado pelos discos que ele gravou de 1995 em diante, principalmente Back on the Top (1999), Down the Road (2002)e What's Wrong with this Picture (2003), (basicamente discos de jazz), além de Astral Weeks Live at the Hollywood Bowl (2009), mas qualquer um que você escolher será tiro certo.

    Do Them você pode escolher uma boa coletânea, que seja bem abrangente quanto ao número de faixas. O Them tem uma sonoridade mais roqueira, semelhante ao som que Animals e Rolling Stones faziam na mesma época.

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  4. Rigotto, obrigado pela dicas. O Then eu já ouvi, e gostei.

    Vou baixar esses discos.

    Abraço.

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