Clássicos malhados: o Rush e outras grandes bandas espinafradas pela crítica


Por Sérgio Martins
Jornalista
(matéria publicada originalmente na revista
Veja)


A certa altura de
Beyond the Lighted Stage, um belo documentário sobre o Rush que será lançado em DVD neste mês, apresenta-se uma espécie de inventário dos adjetivos que a crítica dedicou, nos anos 70, ao grupo canadense de rock: “barulhento, medíocre, deprimente, ultrapassado”. A performance do baixista e cantor Geddy Lee (cujos agudos, de fato, nem sempre são agradáveis) foi equiparada à voz de “Mickey Mouse depois de aspirar gás hélio”.

Indiferente a todos esses insultos, a banda está em atividade há quatro décadas e influenciou outros artistas (o documentário traz depoimentos entusiásticos de Billy Corgan, do Smashing Pumpkins, e Trent Reznor, do Nice Inch Nails, duas figuras que sempre foram queridinhas da crítica musical).

A banda de Lee, Alex Lifeson (guitarra) e Neil Peart (bateria) está na companhia de Led Zeppelin, Queen e outras tantas que, mesmo sob a execração da crítica, conquistaram o status de “clássicos”. O direito ao equívoco, é verdade, faz parte da liberdade de qualquer crítico. Os especialistas do rock, porém, muitas vezes perdem seu rumo por se levar a sério demais: tendem a esquecer que estão tratando de artistas cujo qualidade primeira deve ser a diversão.

Essa pretensão excessiva da crítica de rock está ligada às suas origens, nos anos 60. Seus pioneiros (aliás, muito talentosos) começaram em um período no qual Bob Dylan compunha algumas das melhores letras da música popular americana e os Beatles saíam da fase bobinha de “Love Me Do” para criar discos experimentais como
Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band.

Capa da Rolling Stone durante os anos 70

O principal veículo de expressão desses jornalistas foi a Rolling Stone. Criada em 1967, a revista reuniu nomes como Greil Marcus, Lester Bangs e Robert Christgau. As resenhas do trio eram ensaios densos, às vezes pedantes, recheados de referências à arte e à literatura. Tornaram-se parâmetro para toda uma geração de fãs, mas também encamparam uma série de dogmas do gosto, condenando gêneros inteiros à lata de lixo da cultura. O hard rock (no qual se enquadravam Rush, Led Zeppelin e Black Sabbath), o pop mais romântico e melódico (caso da banda sueca Abba, que hoje ganhou uma aura “gay-cult”) e a disco music era os objetos mais costumeiros desse desprezo.

A geração
Rolling Stone também abraçou a missão profética de apontar aqueles artistas que supostamente mudariam o panorama da música para sempre. Esses exercícios oraculares, ainda hoje muito frequentes na crítica musical, não tem mais autoridade do que previsões de tarólogos ou de jogadores de búzios sobre quem vencerá a Copa do Mundo. Grupos genuinamente inovadores como The Stooges – grande precursor do punk – foram menosprezados. O competente - mas convencionalíssimo - Bruce Springsteen, por outro lado, foi anunciado como a salvação da lavoura. “Eu vi o futuro do rock and roll, e seu nome é Bruce Springsteen”, pontificava em 1974 o crítico Jon Landau, que mais tarde abandonaria o jornalismo para ser empresário de Springsteen.

As implicâncias e idiossincrasias de um crítico até podem contribuir para o sabor de seus textos. A atitude censória dos jornalistas que estabeleceram o cânones da crítica de rock, no entanto, se tornou pesada e anacrônica. Não, Geddy Lee não é Bob Dylan – mas e daí? Pelo menos até meados dos anos oitenta, quando sua sonoridade pesada começou a submergir sob o excesso de teclados, o Rush foi uma banda energética e criativa. Muitos espectadores de
Beyond the Lighted Stage serão transportados para os anos da adolescência, quando escutar seus discos era um ritual obrigatório (Fly by Night, aliás, foi um dos primeiros discos de rock que este redator comprou na vida).

Esse significado afetivo do pop lhe confere uma vitalidade que os dogmas da crítica não conseguem abranger. Nem muito menos compreender.

Situações críticas

Três boas bandas que foram desprezadas pelos críticos, e um artista que foi anunciado como a reinvenção do rock, mas não chegou lá:

Rush

Uma resenha dos anos 70 dizia que o vocalista Geddy Lee cantava como um “rato torturado”, e o consenso crítico era que a banda canadense praticava um hard rock vulgar e pouco “intelectual”. O Rush, porém, seria reconhecido por artistas que os mesmos críticos idolatram, como Nine Inch Nails.

The Stooges

A crítica dizia que eles eram barulhentos, tocavam mal e faziam letras niilistas e machistas. Hoje, o som cru e agressivo do grupo é reconhecido como precursor do punk. E Iggy Pop, cantor do Stooges, virou uma “lenda vida” do rock.

Queen

A banda foi universalmente execrada pelos críticos, que consideravam o vocalista Freddie Mercury o suprassumo do brega. O fato, porém, é que poucos superam o carisma de Mercury. O Queen hoje é referência para bandas novas como o Muse.

Bruce Springsteen

Nos anos 80, os críticos saudavam o cantor americano como o futuro do rock. Ele manteve uma carreira consistente, mas jamais genial. Sua influência sobre bandas atuais é nula.

Comentários

  1. Não concordo com o comentário feito sobre o Bruce Springsteen...pode ser que não tenha muita influência sobre os grupos de hoje...mas possui alguns discos geniais.... alias medir influência é um negócio bem dificil...pq vc pode não influenciar artistas mas as vezes influência a vida das pessoas.... vide Rolling Stones.... divagações a parte....abraços a todos

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  2. Fábio, mas é exatamente isso que o Sergio diz. O Bruce tem uma carreira consistente, seus três últimos discos são excelentes, mas ele é o tipo de cara que é grande dentro dos EUA e não tem a mesma força fora da América.

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  3. Alias..só mais um comentário...críticos sim servem pra uma coisa... quando falam bem de uma banda que vc não conhece....ou quando falam mal de algo que vc não conhece...pq aí eles chamam a atenção pra artistas e discos que são novos pra gente...e prestam o serviço de fazer vc conhecer algo novo.... que pode cair ou não em seu gosto...mas invariavelmente aumentam nossa cultura musical.... sobre oque é bom ou ruim...ai vai do ouvido e bom senso de cada um

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  4. Oi Ricardo...não concordo não...consistente em minha opinião é um adjetivo pequeno pra um artista como o Bruce Springsteen...fora que ele segurou o rojão do Rock na época que a Disco Music ameaçava varrer a guitarra da cena musical americana....

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  5. Pois é Fábio, mas ele não pode ser comparado, por exemplo, a um Neil Young ou a um David Bowie. Adoro a obra do Springsteen, sou fã do cara, mas só por aí dá pra ver que ele, apesar de muito bom, e excelente várias vezes, não possui uma obra tão impactante quanto Neil Young, Bowie, Lou Reed e tantos outros.

    Mas aqui vale um parágrafo: ele "ainda" não possui, o que pode mudar daqui a alguns anos - vide o caso do Black Sabbath, que "passou de nível" quando foi redescoberto pelo grunge e citado como a principal influência de todas as bandas daquele gênero.

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  6. Ai sim...não dá mesmo pra comparar com estes artistas que vc citou mesmo....além de mais influentes são melhores artisticamente...pelo menos em minha opinião ...mas também não dá pra comparar RUSH com Led Zeppelin e Sabbath...pelo menos não nos dias de hoje... mas quem sabe no futuro...se bem que o Rush foi muito influenciado pelo LEd na forma de cantar do Geed Lee...principalmente nos primeiros discos

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  7. pra mim o Sergio Martins é um babaca. só escreve besteira na maioria das vezes e é tendencioso, como a veja é também.

    a mídia tem essas daí de malhar alguém e depois a banda virar sucesso ter de abaixar a bola.

    abraço

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  8. Não acho o Sérgio Martins um babaca. Acho ele um dos melhores e mais completos críticos de música do Brasil. Há um esteriótipo de que ele não gosta de heavy metal por ter escrito críticas negativas ao estilo, e isso faz com que os bangers de plantão o persigam. Mas o cara, além de conhecer muito de música, é fã de hard rock e metal. Trocamos vásrias ideias sobre música frequentemente, e ele é uma fera.

    Daniel, uma coisa é escrever para a Roadie Crew e para a Bizz, que são revistas focadas em música, e outra é escrever para uma revista como a Veja, que possui um perfil de leitores totalmente diversificado.

    Enfim, acho o cara uma fera e gosto muito do seu trabalho.

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  9. Não concordo com tudo que é escrito na Veja sobre música...mas acho uma revista séria neste setor...gosto das matérias e dos jornalistas que escrevem sobre musica na revista... já a Roadie Crew e a Brigade acredito serem mais tendenciosas do que a própria Veja...já que varios dos resenhistas possuem alguns vicios dos bangers...mas isto vem melhorando com o tempo...gosto muito do ACM

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  10. É por aí, Fábio. A Veja tem um trabalho sério sobre música e cinema, principalmente. Basta comparar com as outras revistas semanais brasileiras, como a Época e Isto É, para perceber isso.

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  11. Em nenhum momento o autor deprecia Bruce Springsteen. Apenas afirma que ele (ainda) não exerceu influência comparável às outras bandas citadas no artigo.

    E isso é fato, quem foi influenciado por Springsteen? Kings of Leon, The Killers, Ben Harper, mais alguém? Agora, por isso ele é ruim? Claro que não! Não influenciou a vida dos fãs? Claro que sim, mas isso é outra história.

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  12. Sem entrar no mérito das comparações, acho uma análise muito simplista do Rush, não só do som da banda como dessa relação de amor/ódio q desperta. A banda tem uma obra atípica, cheia de fases e de tentativas de acompanhar sons mais atuais, ao mesmo tempo mantendo a identidade. Às vezes dá certo, a maioria das vezes, às vezes não.
    Não concordo que o ódio seja despertado tanto pela crítica, ela não tem tanto peso. O Rush é uma banda intelectualizada, mas com um tipo de intelectualidade (muitas vezes técnica) que os críticos torcem o nariz. Nesse sentido, é diferente sim de um Bob Dylan, mas não acho que está aí a raiz da aversão. Talvez esteja mais no fato de ela ser uma banda que "não se vende", no sentido de não ser fácil de embala-la.
    E tem outro fenômeno. Todos os membros são tecnicamente grandes músicos, e isso após o punk passou a ser algo rejeitado, como se fosse algo esnobe.

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  13. Também acho que o artigo não deprecia o B Springsteen...só não concordo com o que foi dito sobre o mesmo nunca ter gravado algo que possa ser considerado uma obra genial...

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  14. Só acho uma coisa: quero assistir esse DVD do Rush, deve ser animal!

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  15. Não dá para considerar o trabalho feito pela Roadie Crew como parte da crítica musical. A revista é feita por fãs e para fãs, com raríssimas exceções. Aliás, crítico de heavy metal no Brasil é um artigo raro, difícil de se encontrar.

    E, fora dele, em veículos fora da mídia especializada em metal, o gênero é tratado com imenso preconceito, com termos pejorativos na maioria do tempo.

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  16. Acho que as revistas especializadas em Metal no Brasil não conseguiram fazer a transição de Zines para verdadeiras revistas...pelo menos é a impressão que tenho

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  17. Minha opinião é a mesma que a sua, Fábio.

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  18. Excelente matéria. O Collector´s mais uma vez detonou na escolha de um texto de fora. Parabéns!

    O mais interessante foi a desconstrução de alguns "vícios musicais" mostrando a origem deles com uma breve pesquisa histórica.

    Realmente a maioria das críticas atuais são bem parecidas com o que já era feito na Rolling Stone e o preconceito que ronda essas opiniões mudou bem pouco (se é que mudou).

    Basicamente a coisa ainda é escolher os heróis e salvadores do estilo e avacalhar com os supostos traidores do movimento e outros experimentalistas quando não se entende o som deles.

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  19. Eu já adquiri o documentário do Rush. Está animal! Eles dão um verdadeiro tapa de luvas em todo mundo que não os reconhecia. Mas a intenção deles nem foi essa; isso foi consequência não intencional ao contarem a sua história.Concordo com a impressão do Regis Tadeu. Rolou muita honestidade alí e muitas verdades são ditas por vários artistas. Nunca vi documentário tão bem feito quanto este. Quanto ao texto, achei muito bom. Outro fera é o Nelson Motta.

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  20. Acho que grande parte do crédito deve ser dado ao Sam Dunn, que é o diretor do documentários e dirigiu também os filmes Meta: A Headbanger´s Journey, Global Metal e Flight 666. O cara é fera!

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