Discos Injustiçados: Kiss - (Music From) The Elder (1981)


Por Ronaldo Costa
Colecionador
Whiplash! Rock e Heavy Metal


O Kiss chegou aos últimos anos da década de setenta do jeito que sonhara e para o qual fora planejado: ser um supergrupo. A banda, que havia gravado seu primeiro disco em 1974, já contava com vários álbuns em sua discografia, alguns dos quais se tornaram clássicos do rock, como
Dressed to Kill (1975), Destroyer (1976), Rock´n´Roll Over (1976) e Love Gun (1977), isso sem falar nos dois ao vivo (Alive I e II, lançados em 1975 e 1977, respectivamente) e nas coletâneas lançadas.

O conceito do Kiss não era o de ser simplesmente mais uma banda de rock. Eles queriam fazer algo além de tudo o que já havia sido feito antes, inclusive em termos estéticos. A
Kissmania tomou conta dos EUA e já se expandia para o Japão e a Europa. Turnês que iam se tornando cada vez mais grandiosas, revistas em quadrinhos, filme, todo tipo de bugiganga com a logomarca da banda - enfim, aonde quer que se fosse era possível encontrar algo que fizesse o sujeito se lembrar dos caras.

Entretanto, nem a fama, o dinheiro e a legião de devotos que os seguia foi capaz de conter o descontentamento de alguns integrantes, sobretudo o desapontamento do baterista Peter Criss e do guitarrista Ace Frehley. Na tentativa de acalmar as coisas, decidiram que cada membro do grupo gravaria um álbum solo para que pudesse se expressar melhor artisticamente. Feito isso, o Kiss se reuniu novamente e lançou em 1979
Dynasty, um disco que se afastou um pouco do rock característico da banda e trouxe alguns elementos da disco music, tão em voga naquele período.

Como poderia ser previsto, alguns fãs não engoliram aquele material novo, ainda que a popularidade do Kiss não tivesse sofrido tanto, sendo que, inclusive, a música “I Was Made For Loving You” alcançou o topo das paradas. Mas a banda não arredou o pé de sua tendência em investir em um som mais comercial e em 1980 lançou Unmasked. Ao que se sabe, Criss nem chegou a ir ao estúdio para as gravações desse álbum. Logo após seu lançamento, o grupo anunciou um novo baterista, Eric Carr, e partiu para mais uma turnê.

O problema é que a crítica, que já não demonstrava morrer de amores pela banda, agora passava a criticá-la duramente, dizendo inclusive que toda aquela parafernália de produção de palco, efeitos, maquiagem, roupas espalhafatosas e tudo o mais na verdade tinha o objetivo de esconder a fragilidade de seus integrantes como músicos. O resultado disso foi que o Kiss resolveu produzir um material que tivesse qualidade técnica, instrumental e lírica suficientes para calar seus detratores e provar ao mundo sua competência. Começava a tomar forma então aquele que deve ter sido o mais criticado, o que mais dividiu opiniões e, pra muita gente, o mais injustiçado disco da carreira da banda, o álbum
(Music From) The Elder.

Bem, essas matérias sobre discos injustiçados sempre criaram polêmicas e, nesse caso, certamente a coisa não será diferente. Primeiro porque há aquela corrente que detesta qualquer coisa que venha do Kiss, e que encontra o contraponto perfeito nos fãs de longa data do grupo, os quais estão entre os mais devotos que se conhece. Mas o problema é que
The Elder tem críticos ferozes até mesmo dentre os mais fanáticos pela banda. E o pior é que não são poucos os fãs que não gostam dessa obra, alguns dos quais chegam ao ponto de nem reconhecer esse trabalho como Kiss. No entanto, vamos continuar essa conversa e tentar ver se esse disco é tão insosso mesmo ou se é mais um grande caso de injustiça para com um álbum.

Depois de ter que conviver com críticas cada vez mais duras e com a possibilidade de entrar em decadência, a banda percebeu que havia a necessidade de uma reação, de um disco realmente forte e que recolocasse as coisas no seu devido lugar. Para tanto, chamaram de volta o produtor Bob Ezrin, o mesmo de
Destroyer, fato que não agradou muito a Ace Frehley. No entanto, mais divergências começaram a surgir na banda, pois Gene Simmons e Paul Stanley achavam que não adiantava fazer as mesmas canções que compuseram nos anos setenta, e passaram a considerar a hipótese de gravarem um álbum conceitual, ao passo que Frehley, com o apoio do novo baterista Eric Carr, pensava que o correto era fazer um disco bem rock, como mandava a melhor tradição do Kiss.

Ezrin, para o desgosto de Ace e Carr, influenciava cada vez mais no sentido de se produzir um álbum conceitual, e passou a idealizar uma obra com essas características. Com a concordância de Gene e Paul, a banda começou a escrever o material para
The Elder. As ambições para esse disco, assim como quase tudo no Kiss, eram imensas. Partindo de uma história imaginada por Gene, o álbum ia sendo criado com aspirações de ser a obra-prima da banda, um trabalho conceitual com influências e elementos progressivos. Dizia-se que o disco consistiria numa trilha sonora para um pretenso filme que, de fato, jamais foi feito. Lou Reed, ex-Velvet Underground, participou como co-autor em algumas músicas. A banda foi ao Canadá para fazer o LP, enquanto o descontente Ace ficou em sua casa e gravou suas partes em seu estúdio particular.


Terminado o trabalho, a banda então colocou
The Elder no mercado. Um álbum conceitual baseado na história da luta entre o bem e forças do mal, calcado no personagem central, que era uma criança inocente. Qual não foi o susto que os velhos fãs tomaram logo de cara. “Mas o que é isso?!?”, diriam os mais exaltados. “O Kiss tentando soar como uma banda progressiva?”.

As diferenças já começavam a partir da capa. Não havia uma foto da banda, como de costume, apenas uma mão tocando uma porta. Posteriormente, soube-se que a mão era de Paul Stanley. Além disso, o próprio visual adotado pelo grupo passou a ser menos extravagante. Pela primeira vez, via-se os integrantes com cabelos cortados ou bem presos, além de roupas um pouco menos espalhafatosas, embora as máscaras continuassem lá. Bem, não seria isso que deixaria um fã do Kiss desapontado. A questão é que a estética musical de
The Elder era absoluta e radicalmente diferente de qualquer coisa que o Kiss já havia lançado antes. Orquestrações clássicas como som ambiente ligando as faixas, violinos, pianos - aquele definitivamente não era o Kiss que todo mundo estava acostumado a ver e ouvir.

Pois bem, vamos à questão principal. O que faz de algo bom ou ruim? Uma coisa é boa por si só ou só é boa se for melhor que algo feito antes? E mais - na música, algo só é bom se obedecer às características básicas que dão a identidade de uma banda, ou há a possibilidade de um trabalho ser de qualidade ainda que fuja da sonoridade que caracteriza um artista? Essas são questões difíceis de se responder e que podem gerar respostas diferentes, pois cada caso é um caso. Bom, no caso de
(Music From) The Elder, apesar de ter existido até uma certa simpatia da crítica para com o álbum, a resposta dada pela maioria dos fãs variou da indignação até ao total desprezo pela obra, afinal aquele não era o “verdadeiro” Kiss. Foram poucos, bem poucos, os que deram valor ao disco na época de seu lançamento. Mas, afinal, como ele é?

Realmente, pra quem estava acostumado com a sonoridade anterior do Kiss, ouvir
The Elder foi um susto - nem tanto no mau sentido, mas porque ninguém esperava aquele tipo de som. Sim, era o Kiss fazendo um som com um pé bem fincado no progressivo. Claro que não havia a complexidade de um Pink Floyd, seja em termos líricos ou instrumentais, mas percebia-se nitidamente que havia sido um trabalho produzido com cuidado. As letras não eram extremamente sofisticadas, mas também não eram infantis como tantos críticos gostam de alardear.


A instrumental “Fanfare” é ótima, mas totalmente fora dos padrões da banda, com todas as suas orquestrações e partes que em alguns momentos lembram a trilha de um filme de ficção futurista, e em outras uma epopéia medieval, bem diferente de “Escape From the Island”, a outra instrumental do disco, mais rock e ágil, mas que ainda traz certas características de progressivo em seu andamento. “Just a Boy” é uma pérola que se perdeu em meio a todo o desdém com que o disco foi tratado. Uma música meio balada, meio épica, que traz um excepcional trabalho de guitarra e bateria, além dos vocais com falsete, que criam um clima excelente para a canção. O que dizer, então, da emotiva “Odyssey”, uma balada prog com uma melodia belíssima e acompanhada de um piano que deu todo um realce à música?

“Only You”, embora ainda tivesse proximidade com o progressivo, já trazia guitarras um pouco mais ao timbre do velho Kiss. O destaque nessa música é Gene Simmons, tanto por suas linhas de baixo quanto pela linha vocal peculiar que adota nessa faixa. “Under the Rose” fundia elementos do mais puro progressivo com linhas típicas de heavy metal, ainda arrumando espaço para orquestrações e um refrão medieval composto por um coro de vozes mais graves. Lembra, em certos momentos, algumas coisas do Rush do início de carreira. Fantástica!

“Dark Light” é um rock daqueles que só bandas como o Kiss sabem fazer direito - cortesia de Ace Frehley, que canta, entrega riffs precisos e um solo bem legal. Essa música dá claras pistas de como seria a sonoridade de
(Music From) The Elder caso Ace não tivesse sido voto vencido na decisão da banda. “A World Without Heroes” talvez seja a mais famosa do álbum. Uma música bonita, calma e melódica.

“The Oath” é facilmente a mais pesada do disco, com um riff simplesmente matador e um grande refrão, cheio de efeitos sonoros que dão um resultado bem eficiente. “Mr Blackwell” é a mais estranha do trabalho e, possivelmente, a mais fraca também. Não chega a ser uma música ruim, mas é até meio difícil classificá-la. E a mais Kiss de todas, “I”, caberia num daqueles discos dos anos setenta que fizeram a fama da banda, ou mesmo num
Psycho Circus.


Embora metade da banda (Frehley e Carr) não concordasse com isso,
(Music From) The Elder foi composto para ser uma obra de referência na carreira do Kiss. A banda esperava até mesmo iniciar com ele uma sequência de discos que seriam uma continuação da ideia conceitual original do álbum. Imaginou-se para esse trabalho uma turnê que traria um palco confeccionado com todo o cuidado e riqueza de detalhes, que retratasse bem a temática das letras, além de a banda vislumbrar a realização de um filme baseado na história.

Mas
The Elder fracassou no quesito vendas e aceitação do público e, com isso, todos aqueles planos nunca se concretizaram, até mesmo a turnê de divulgação do álbum, que não aconteceu. As raríssimas vezes em que o Kiss tocou algo desse disco foram em programas de televisão. Ace Frehley, que já demonstrava há algum tempo não ter mais a mesma energia do início, parecia cada vez mais infeliz com aquilo tudo. A coisa caminhou para um ponto em que Ace já não se apresentava mais com a banda, até que sua saída fosse consumada em1982.

A própria banda renegou o disco, já que ele representou relativamente um fracasso sem precedentes na carreira do grupo - e o sucesso sempre foi uma obsessão para o Kiss.
The Elder seria então o pior trabalho de sua carreira? Por tudo o que escrevi nesse texto, considero que ele está longe disso. É o melhor? Também acredito que não. Mas é o trabalho mais maduro e lapidado da banda, além de ser possivelmente um de seus melhores discos. Coloca-se em dúvida até mesmo a sinceridade na inspiração para o álbum, já que muita gente afirma que sua única motivação foi a de impressionar os críticos e servir como mais uma jogada de marketing. Sem sombra de dúvidas, o disco foge completamente às características que conquistaram milhões de fãs e que fizeram do Kiss uma das bandas mais famosas do mundo. E aquilo que se convencionou chamar de identidade musical é, com certeza, uma das coisas mais importantes que uma banda pode ter. Fugir a isso muitas vezes pode ser tomado pelos fãs até como traição.

Agora, é uma enorme injustiça não reconhecer todas as qualidades que
(Music From) The Elder traz consigo. Por isso mesmo, este é mais um álbum que figura nessa lista de obras historicamente subestimadas por público, crítica e até mesmo por quem as idealizou. Agora, resta saber o que você acha. Não deixe de dar a sua opinião, de preferência após dar umas boas ouvidas nesse disco. Faça isso com a mente aberta e depois registre as suas impressões.


Faixas:

A1 The Oath 4:31
A2 Fanfare 1:21
A3 Just a Boy 2:25
A4 Dark Light 4:18
A5 Only You 4:17
A6 Under the Rose 4:51

B1 A World Without Heroes 2:40
B2 Mr. Blackwell 4:52
B3 Escape From the Island 2:52
B4 Odyssey 5:36
B5 I 5:03


Comentários

  1. Já escutei muitas vezes esse disco e todas as vezes que escutei foram apenas protocolares. Sou um grande fã de progressivo, mas não sei porque eu não tenho muito interesse nesse album. Talvez inconcientemente eu não encontre o quero num disco do Kiss e acabe não dando tanto valor. LEmbro-me quando comecei a ouvir o Kiss e ouvia falarem do disco como algo vergonhoso que só muitos anos depois fui atrás do disco. Depois dessa matéria prometo que vou escutar novamente e tentar prestar melhor atenção.

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  2. Não conheço esse disco do Kiss. Mas vou dar uma escutada nele pra avaliar se o autor tem razão. Os textos dessa coluna são bem escritos e geram curiosidade. Ele escreveu sobre o Chinatown do Thin Lizzy... Seria um bom texto para ser postado aqui na coluna. É sempre bom debater sobre Thin Lizzy... ---Luciano

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  3. Belo texto. Apenas discordo da citação de que Under The rose lembra Rush, acho q o autor foi infeliz na comparação. Mas no demas, The Elder é para mim o mais injustiçado de todos os discos (ao lado de Hot Space do Queen), como frizei no podcast # 29 da collectors Room (inclusive, Under The Rose está la para quem quer ter um contato com o trabalho desse LP). Um disco fantástico, soberbo, que pode até não ser o melhor do Kiss, mas é com certeza o que mostrou que eles sabiam tocar. É o meu favorito disparado, longe do segundo (e olha q o segundo para mim é o Dressed To Kill), principalmente por que eles conseguiram fazer "a música respirar", e não apenas ser um rock a todo pau, com letras simples e muita badalação.
    Discordo tb que The Elder seja um álbum proogressivo. Conceitual sim, mas longe de ser progressivo. As orquestrações e temáticas, por mais trabalhada q sejam, não são de algo progressivo como King Crimson, Genesis, Yes, Elp, ..., principalmente pq não tem muito teclado no LP. São grandes composições de uma grande banda e que lançou um grande disco, mas que por culpa da imprensa maldita e de fã xiitas, acabou naufragando na obscuridade. Aos poucos vão sendo descobertas essas pérolas que ficram escondidas e renegadas na carreira de muitas bandas. Que venham Hot Space, Born To Die, Good Singin Good Playin, The Final Cut, Drama, Love Beach, Duke, Tyr, Presence, Nostradamus, Brother Were You Bound, Broadswoard In The Beast, Still Life, Quadrophenia, Love You Live, ...

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  4. Só conheço "A World Whitour Heroes" desse disco. Mas, sempre que leio o termo "disco injustiçado", o primeiro nome que me vem à cabeça é o The Elder, pelas inúmeras matérias que já li a seu respeito.

    Que foda né? Os caras mudam o seu direcionamento musical e são execrados. Para um música, esse limite imposto pelos fãs deve ser uma m... . Claro, eles podem seguir outros caminhos sonoros em seus projetos e discos solos, mas o patrulhamento xiita dos fãs é sempre um fator pra lá de dispensável.

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  5. só completando...patrulhamento xiita dos fãs e da imprensa....que se não muda são acusados de estagnados...se muda são acusados de seguirem as modinhas....

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  6. Pois é, cada banda tem os fãs que merece! kkkkkkkkk
    Abraços!
    Ronaldo

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Concordo plenamente que este é um disco injustiçado e discordo plenamente quando você no auge de sua infelicidade diz que esse álbum bebe na fonte do "progressivo", o que ouço aqui é um disco com influências de música clássica e isso fica envidente a cada composição embora não tenha uma orquestra de verdade.
    As composições são muito bem elaboradas, apresentam um trabalho excelente na parte instrumental com os arranjos elaborados e que dão vida a este excelente trabalho e faixas como "Under The Rose", "Just A Boy" refletem muito bem isso.
    Então meu caro não é exagero dizer que Rush, Pink Floyd e outros conjuntos do gênero, não passam nem na porta desses quatro sujeitos.
    Imagino eu que os fãs não conseguiram engolir uma banda que já estava consolidada no imaginário deles como quatro caras fazendo álbuns como Love Gun, Destroyer que apresentam um rock bem direto e divertido, com um visual carregado de maquiagem, com aquelas roupas tipo astronautas e que derrepente começam a tocar um som mais calmo complexo e com influências de música clássica não pegava bem.

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  9. Sou fan do Kiss desde 1977, quando ouvi o Alive! The Elder, na minha opinião, é o melhor disco da carreira do Kiss, musicalmente falando. É rico e marca a estréia do grande baterista Eric Carr. Existem várias músicas excelentes, mas sei que os demais fans do Kiss não estão acostumados com a sonoridade progressiva do disco. Gosto tanto desse álbum que tenho uma tatoo da capa dele no braço esquerdo! Esse disco precisa ser ouvido se prestando muita a atenção nas músicas e nos arranjos. Vale a pena e é excelente.

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  10. Concordo plenamente com o texto, The Elder sem estar entre os melhores está muito longe dos piores, poderia destacar no disco além das composições a voz do Paul Stanley, um disco que sem duvida merece ser ouvido com atenção

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