Isolamo-nos ao nos mostrarmos para o mundo?


João Renato Alves
Jornalista e colecionador
@jrenato83


Engraçado como alguns assuntos acabam aparecendo onde a gente não imagina e viram assunto até mesmo para discutirmos aqui na Collector´s Room. No caso, estava eu na terapia, falando sobre como as relações humanas mudaram e nos afetam de maneira comum e geral. O exemplo que me veio à cabeça no momento tem a ver com música. Lembro de como há uns doze anos atrás era uma festa quando alguém da turma adquiria um CD que ninguém tinha. Era um tal de juntar a galera no fim de semana, comprar uns comes, bebes e fazer a farra ao som da novidade. Depois era aquela sequência de gravações em K-7 para satisfazer todo mundo. E assim a gente compartilhava o som que gostávamos, mas também socializávamos, chegando até mesmo a fazer novas amizades, buscando material com o amigo do amigo do amigo.

Com a geração anterior à minha (tenho 26 anos até novembro próximo) era ainda mais complicado, já que os bolachões de vinil eram ainda mais complicados de aparecer por aqui a toda hora. A maioria, só importando mesmo, fazendo com que várias relíquias fossem disputadas literalmente a tapa. E ainda tinha aquela coisa absolutamente folclórica na hora de regravar para a parceria, já que tinha que tomar cuidado para não pular o LP, ouvir uma a uma as faixas para ver se tudo deu certo e só depois poder respirar aliviado. Trabalho de horas, mas que fazia com que a atividade se tornasse ainda mais saudável no aspecto pessoal.

Hoje temos uma grande vantagem, que é com simples cliques encontrarmos quase tudo que queremos. Por outro lado, ouvir música tornou-se uma atividade solitária. Eu mesmo sou um que escuta música quase sempre nos fones de ouvido, na solidão do quarto. Uma cena um tanto quanto melancólica se lembrar de alguns anos atrás. Um sinal dos tempos. Hoje você pega um arquivo disponibilizado nem sabe por quem ou de onde, redistribui também muitas vezes sem tomar conhecimento do destino e a vida sem interação segue seu caminho, mesmo sendo uma das ideias principais da internet o contato a qualquer distância.

Não posso apenas criticar os downloads. Graças a essa prática conheci artistas que jamais conheceria de outra maneira, adquirindo posteriormente o produto original e aumentando a coleção. No entanto, ao invés de chamar o pessoal para curtir a novidade comigo aqui em casa, tomando umas geladas e comendo uma pizza, simplesmente repasso links via redes de relacionamento. Sinto falta de como as coisas eram, às vezes. Obviamente outros fatores, como a vida profissional, impedem essa aproximação maior. Ainda assim, essa ideia totalmente nostálgica ajudava a conservar o maior bem que consegui através da música: as amizades para toda a vida.

Comentários

  1. João Renato, excelente o seu texto.

    Sempre fui um cara introspectivo, e desde sempre me interessei pela música. Essa paixão me levou a conhecer diversas pessoas, e a fazer sessões de audição de discos na casa dos meus pais, quando era mais novo.

    A idade deixa as manias que a gente tem ainda mais evidentes. Hoje tenho 37 anos, e a tendência ao isolamento ficou mais evidente. É claro que a paixão pela música me levou a conhecer diversas pessoas interessantes, e, principalmente, a criar a Collector´s Room, um dos maiores prazeres da minha vida, e da qual tenho muito orgulho. Mas hoje, às vezes, tem momentos em que me sinto um velho rodeado apenas por discos, e não por amigos.

    Abraço, e mais uma vez parabéns pelo texto!

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  2. Meu velho, juntando os prós e os contras da internet (expostos muito bem por você) fico com a época antiga, a do difícil acesso, dos tempos que se tinha realmente tesão ao conseguir um importado nunca ouvido (bem lembrado o social inerente)... Tudo que banaliza por ser fácil demais perde o encanto, isso vale pra todas as coisas (pra mim), e ainda faço esforço para comprar um disco sem conhecê-lo todo. E ainda chamo a galera para o DVD raro adquirido! Sou da geração do vinil que você se referiu. abraço--- Luciano, 33 anos.

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  3. Eu sou da mesma geração do Ricardo (tenho 36 anos) e concordo com o que foi dito no texto (o exposto com relação à gravação das fitas e fazer amizade com o amigo do amigo, isso eu passei muito...). Mas acho que não é só com relação à música que ocorre esse afastamento. As pessoas estão mais interessadas em seus próprios interesses que nos interesses comuns. Há um tempo (e põe tempo nisso), era só ir na casa de alguém, chegar, ir sentando, dependendo do nível de amizade ir pegando algo na geladeira, botando um som... hoje tudo tem de ser marcado, ver se o outro não tem compromissos, se você também não tem, se não vai chover, qual o horário do ônibus....
    Mudamos nós ou mudou o mundo? Acredito que os dois. Hoje é mais cômodo "teclar" com alguém pelo msn do que ir até a casa dele, ou mesmo ligar... e assim vamos ficando cada vez mais trancados em nosso mundinho, vendo a vida passar pela janela...
    Eu mesmo faço isso, até porque meus horários (trabalho/faculadade) acabam facilitando o "isolamento"... a gente sabe que não é o melhor, mas acaba se acostumando e se deixando levar...
    É a maneira que escolhemos, e cabe a nós mudarmos isso. Mas será que queremos mudar? Fica a pergunta...
    De qualquer modo, pelo menos aqui nesse "boteco virtual" ainda dá para trocar uns papos interessantes com pessoas idem...

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  4. Dentro do exemplo retratado pelos amigos, não vou ouvir o novo disco do Iron Maiden antes de comprá-lo, porque quero reviver a experiência que sentia ao comprar um novo disco.

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  5. Eu também tenho muitas lembranças de reunir o pessoal para curtir um disco novo. Lembro-me também de andar quilômetros apra ir na casa de uma cara que mal conhecia munido de uma fitinha K7 na esperança que ele se disponibilizasse a gravar um disco para mim. Nós conhecíamos outras pessoas pelo que elas tinham."...o Fernando tem todos os discos do Helloween...", "o Léo é aquele que gostam de Guns e Motley Crue?"...rs...isso era bem legal. Eu tenho um problema ainda maior de isolamento afinal moro em um lugar que pouquíssimas pessoas gostam de rock em geral e o círculo de amizades que criei aqui não tem a música como paixão como eu tenho. No meu caso a internet facilita o contato com as pessoas que gostam de música. Sem a internet talvez eu ficaria louco aqui. Pela internet conheci gente do Brasil todo com os mesmos hábitos que o meu. Quantas vezes fizemos uma sala de bate papo comigo aqui em Rondônia, com o Daniel em São Paulo, com o Adriano KCarão no Ceará e o Diogo no Rio Grande do Sul...Cada um com a sua bebida favorita e seu som favorito.
    Outra coisa...o War Room apesar de ser virtual também tem as características dessa reunião de amigos para ouvir os discos. Cada um ao ouvir ao mesmo tempo tem suas próprias opiniões. Talvez situações virtuais como essa sejam as mais normais daqui para a frente.

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  6. É pura bucha. O texto é excelente e bem pensativo. Tenho 27 anos, e peguei a geração de trocar musica com o amigo do amigo. Quanto material de jazz fui conhecer assim, e hj sou absolutamente apaixonado por aquelas preciosidades que eu saboreava cada segundo. Não só a questão de gravar o CD, mas eu peguei tb a fase do "VHS RARO", que dai precisava-se de um outro VHS para fazer a copia, e ficavamos ali um sabado e domingo inteiros passando as fitas em Pal-M ou NTSC, e depois iamos para casa curtir tudo. Bons tempos q nao voltam mais.

    Hj, a internet me propriciou conhecer bandas q em Pedro Osorio jamais teria ouvido, e q me tornaram um fã das mesmas. O maiores exemplos são Quicksilver Messenger Service, Poco, Moby Grape e UFO. Isso NUNCA apareceu na minha terra natal através de um K7 ou vinil.

    Enfim, nosso isolamento é decorrencia do isolamento humano que a sociedade vive. Como escrito acima, é mais facil ficar teclando com alguem (ateh pq vc nao precisa revelar sua emoção diretamente para a pessoa) do que falar diretamente com a pessoa e demonstrar o que sente naquele hora.

    Esconder sentimentos é uma das piores farsas do ser humano. E isso afeta a nós, apaixonados por música, que acabamos relegados a um quarto isolados do mundo, ouvindo por exemplos uns "wins-wons" de um CD do Pink Floyd e ter que ouvir a namorada gritando "para de ouvir essa música de ET"

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  7. Cadão, o show do Rush da atual turne esta em tudo que é lugar do youtube. Alguns ja me disseram "Bah, o inicio eh muito bom, tens q ver". Prefiro esperar ateh outubro, e somente na hora me surpreender com o fato, se ele realmente for surpreendente.

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  8. Só despontando um pouco aqui da média das opiniões...essas situações que o texto apontou que não ocorrem mais são (ainda bem) bastante freqüentes na minha vida. Há dois finais de semana atrás nos reunimos na casa de um amigo para assistir o novo documentário do Rush (cheguei meio tarde e peguei só uns trechos, mas é muito bom!), muito papo, ouvimos vários discos, rango, bebida, amizade, enfim! Pro fim do mês, vamo organizar um churrasco pra comemorar os 2 anos do meu programa de rádio, com mais uma galera e regado a muita sonzeira...depois que eu mergulhei a fundo na questão da música, só posso dizer que ganhei muita amizade e amizade pra valer (não só virtual), que se estende pra muitos outros campos além da música. Claro que eu tb tenho muitos momentos de audição solitária (que tb são ótimos pra se ter uma experiência msm com a música, perceber seus detalhes) ou com a minha namorada, mas os coletivos rolam e é sempre muito bom! MSN foi uma coisa que eu parei de usar (que toma muito tempo), prefiro msm o papo na real. As redes sociais me trouxeram amizades relacionadas a música que hoje são reais! acho que depende de nós não ficarmos acomodados, da nossa atitude frente essas vantagens tecnológicas, de usá-las pra agregar e melhorar nosso modo de vida e não pra sermos submissos a ela, como se fossem um fim em si mesmas. Audição coletiva é extremamente prazeirosa!
    Abraço a todos!
    Ronaldo

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  9. Eu não entrei nesse campo de idéias do isolamento social corporal que a internet trás como consequência, ou mesmo que ela foi adaptada pelo homem se adequando a seu estilo moderno de vida trancafiado, mas faço minhas as palavras dos colegas. Minha idéia creio que é bastante coletiva - só acho saudável a socialização virtual quando fica praticamente impossível falar de mesmos prazeres e hábitos no cara a cara por não existir a outra pessoa semelhante a nós (como no exemplo dos colegas expostos). Mas mesmo assim não uso essa droga de MSN, nem Orkut, e não me acrescentaram em nada o tempo que os usei. A palavra falada e o contato físico cumpre uma função muito mais importante para o ser humano, a palavra escrita nos cobre de máscaras (minha opinião). Mas enfim, venho aqui com prazer para ler textos interessantes de uma galera antenada sobre música, num local com um propósito restrito e comum ao desejo dos que estão aqui. E uma dica apenas: Vocês tem que fazer esse war room é pelo Sype e não por essa m...(desculpe) de MSN!---Luciano

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  10. Também não uso MSN. Acho as redes sociais, se bem usadas, são uma ferramenta interessante.

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  11. Este ótimo texto nos faz refletir sobre a sociedade moderna.
    Meu processo histórico de vida e meu contato com a música vem desde cedo, e posso dizer que foi a música (dentre outras produções humanas) que me deu meus poucos e melhores amigos e minha companheira, (razão de minha existência), que me passou um montão de bandas que hoje tenho como preferidas (lembro muito bem que um dos pontos em comum que nos levou a conversar mais foi o gosto por Raul Seixas e Casa das Máquinas, hehe).
    Acredito que nós seres humanos produzimos e reproduzimos nossa vida material socialmente e que através deste processo vamos engendrando nossas relações como semelhantes e com a natureza.
    Ocorre porém que com a ascensão da sociedade capitalista fica cada diz mais nítido que o que importa não é a produção da vida destinada às necessidades humanas autênticas e sim o aumento cada vez maior da taxa de lucro.
    Agora vem a pergunta: o que tudo isso tem a ver com o texto? Nesta sociedade, por tudo que explicitei acima, nosso tempo, vontades, desejos, ideias, sentimentos, enfim, nossa vida como um todo não é definida por nós mesmos e sim pelas necessidades dos detentores do poder político e econômico, o que acarreta um tempo cada vez mais escasso para nos realizarmos em nosso trabalho (entendo por trabalho toda e qualquer atividade humana), o qeu cria e reforça a tendência ao isolamento, introspecção, timidez, medo, solidão, etc...
    Entretanto, atitudes como a socialização da música, assim como outras formas de luta contra esta tendência ao isolamento do ser humano dos seus semelhantes e consequentemente de outras produções humanas nos trazem a certeza de que é possível uma sociedade pautada em critérios não-mercantis e burocráticos.
    Enfim meus caros, há muito tempo queria escrever essas linhas mas por uma série de determinações não o fiz, mas esse texto em questão veio a calhar, pois a lê-lo consegui sistematizar melhor essas palavras.

    Abraço a todos e continuemos socializando música e assim contribuindo para a afirmação de uma nova e superior forma de sociedade.

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