Rigotto's Room: The Flamin’ Groovies – Teenage Head


Por Maurício Rigotto
Escritor e colecionador
Collector's Room

Não resisti à tentação de escrever algo sobre um de meus discos preferidos, lançado por uma das minhas bandas favoritas, no início dos anos setenta. Estou falando, ou melhor, escrevendo, sobre o álbum Teenage Head, dos Flamin’ Groovies. Lançado em 1971 – o mesmo ano em que eu nasci - Teenage Head é um dos meus álbuns de cabeceira desde o mês passado. Isso mesmo, até alguns dias, eu nunca tinha ouvido os Flamin’ Groovies. Fico me perguntando como pude sobreviver por 39 anos sem ter esse disco e os demais da banda em meu acervo. Exagero da minha parte? Lógico que sim, mas nós, os colecionadores de discos e amantes da boa música, somos assim mesmo, exagerados, compulsivos e passionais. O que me fascina em manter essa paixão é justamente quando acontece algo assim: O sujeito passa trinta anos de sua vida colecionando discos, vive cercado por milhares de álbuns dos mais diversos artistas, dos mais renomados aos mais obscuros, e um dia chega um amigo te visitar e leva para você ouvir um disco que você não conhece, de uma banda a qual você nunca ouviu nada, e você imediatamente após a primeira audição sabe que não pode mais viver sem esse disco, que a vida não faria mais sentido. E não estou falando de uma daquelas incontáveis bandas de hard rock setentista que lançaram apenas um ou dois discos e sumiram rumo ao eterno ostracismo, mas de uma banda que lançou uma discografia considerável em uma existência de relativa longevidade. Saber que essa paixão é infinita é exatamente o combustível que a alimenta, que a faz perdurar, transformando uma febre da adolescência em uma paixão duradoura que o acompanhará por toda a vida, já que o sujeito, agora um cara de meia idade beirando os quarenta, pode continuar tendo o prazer de descobrir coisas “novas” (embora também com quase quarenta anos) pelo resto da vida. A coleção nunca estará completa, jamais terá fim. Nunca conheceremos tudo. Se fosse diferente, que graça teria?

Não é que eu nunca tenha ouvido falar nos Flamin’ Groovies. Lembro de já ter esbarrado na capa de Supersnazz, o primeiro disco do grupo, em alguma loja de discos durante essas andanças. Também recordo de ler um verbete sobre o Teenage Head no livro 1001 Albuns You Must Hear Before You Die (1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer), mas ouvir a banda, nunca. Confesso que até então a minha curiosidade por eles não havia sido despertada. Tudo mudou há alguns dias, quando fui apresentado aos Flamin’ Groovies. Desde então tenho ouvido seus álbuns exaustivamente, decorando cada detalhe, como um Marcel Proust em busca do tempo perdido. Talvez em minha euforia, eu esteja sendo precipitado em já estar dedicando um texto a eles, afinal ainda não somos íntimos, faz poucos dias que nos conhecemos, mas é irresistível, pois desde o tardio primeiro momento, soube que me acompanharão pelo resto dos dias que ainda viverei. É mais uma banda que envelhecerei ouvindo, e que ainda servirá de trilha sonora para muitos acontecimentos que ainda me estão por vir.

The Flamin’ Groovies é uma banda californiana de San Francisco, formada por volta de 1965 por Ron Greco, Cyril Jordan e Roy Loney. Somente em 1969 lançaram o seu primeiro álbum, Supersnazz, já sem Greco. Na formação estavam Cyril Jordan (vocal e guitarra); Roy Loney (vocal e guitarra); George Alexander (baixo, harmônica e vocal); Tim Lynch (guitarra, harmônica e vocal) e Danny Mihm (bateria). Embora também assíduos no Winterland e no Fillmore de Bill Graham, os Flamin’ Groovies não lembram em nada a sonoridade de seus vizinhos Grateful Dead, Jefferson Airplane e Moby Grape, que dominavam a preferência dos hippies da ensolarada baía de San Francisco. O som dos Flamin’ Groovies era mais cru e distorcido, “garagista”, como se jogassem os Rolling Stones, Chuck Berry, Trashmen, Kingsmen, blues e rockabilly em um liquidificador. Em 1970 lançam o segundo disco, Flamingo, um fantástico álbum de “garage rock”, onde a crueza da produção se encaixa brilhantemente nas bem elaboradas harmonias do grupo, com destaque para “Heading For The Texas Border”, um “rockão” de primeira – que hoje em dia é exetutada ao vivo nos shows da banda Raconteurs, de Jack White. Há ainda uma cover de “Keep a Knockin’” de Little Richard. Não vou me estender falando sobre Flamingo, já que optei em dissecar o próximo álbum, Teenage Head, mas não saberia dizer qual dos dois é melhor, haja vista que ambos são essenciais. Optei por Teenage Head por razões emotivas, já que foi o primeiro álbum da banda que ouvi e que me tornou de imediato um eterno fã do conjunto.

Lançado na mesma época em que os Rolling Stones lançavam Sticky Fingers, o terceiro álbum dos Flamin’ Groovies, Teenage Head, logo despertou comentários na imprensa sobre algumas similaridades entre os dois álbuns – o que eu vejo como um exagero, pois não identifiquei nada gritante que justifique o fato. Mick Jagger em uma entrevista da época teceu comentários elogiosos sobre o disco dos Flamin’ Groovies, dizendo que eles fizeram ótimos blues e rocks de raiz, revisitando-os em um contexto atual e moderno. O petardo inicia com “High Flyin’ Baby”, com riffs e arranjos que me remetem ao ótimo álbum Safe as Milk de Captain Beefheart and his Magic Band (1967). A segunda faixa, “City Lights”, é uma balada country onde se destaca o som do dobro, lembrando um pouco Gran Parsons e algumas faixas do álbum Beggar’s Banquet dos Rolling Stones (1968), como “Dear Doctor” e “Prodigal Son”, precedendo o rock “Have You Seen My Baby?”, que define bem a sonoridade agressiva do grupo. O lado A encerra com “Yesterday’s Numbers”, que também lembra os Rolling Stones, sendo que a introdução faz referência a música “Get Off Of My Cloud”. O lado B começa com a faixa-título. “Teenage Head” me lembra um pouco The Troggs, uma banda que sempre admirei. O disco prossegue com “32-20”, um blues de Robert Johnson que recebe um belo arranjo roqueiro, onde as guitarras são substituídas por dobros. Já “Evil Hearted Ada” é totalmente rockabilly anos cinqüenta e bem poderia fazer parte de algum dos primeiros discos de Elvis Presley, Gene Vincent ou Eddie Cochran. “Doctor Boogie” é um grande rock-blues onde as harmônicas comandam a harmonia e a melodia com primor. O disco encerra com “Whiskey Woman”, que começa com uma bela introdução no violão e aos poucos se transforma em mais um grande rock. Agora deixamos o vinil descansar e passamos para o CD para ouvir as “bonus tracks”.

Nas faixas bônus predominam covers de clássicos do rock, como “Shakin’ All Over” (Johnny Kidd and The Pirates); “That’ll Be the Day” (Buddy Holly); “Louie Louie” (Richard Berry); “Walkin’ The Dog” (Rufus Thomas); “Scratch My Back” (Slim Harpo) e “Carol” (Chuck Berry). Completa o CD o outtake “Going Out Theme”. Falando em covers, durante a sua carreira os Flamin’ Groovies fizeram diversas regravações, como “Let It Rock”; “Almost Grown” e “Sweet Little Rock’n’Roller” (Chuck Berry); “Hey Hey Hey Hey” (Little Richard); “I’m a Man” (Bo Diddley); “Baby Please Don’t Go” (Big Joe Williams); “Slow Down” (Larry Williams); “Miss Amanda Jones” e “Blue Turns To Grey” (Rolling Stones); “I Can’t Explain” (The Who); “Something Else” (Eddie Cochran); “There’s a Place”; “Please Please Me” e “From Me To You” (Beatles) e “Flyin’ Saucers Rock’n’Roll” (Billy Lee Riley).

Poucos meses depois do lançamento de Teenage Head, Roy Loney abandonou a banda e foi substituído por Chris Wilson, que ao lado de Cyril Jordan, iniciou uma mudança gradual na sonoridade dos Flamin’ Groovies, tornando-os mais pop sem perder a veia roqueira que sempre caracterizou o grupo. Após a entrada de Chris Wilson, a banda se mudou para a Inglaterra. Continuaram lançando bons discos até 1979, ano da dissolução da banda. Nos anos oitenta, Cyril Jordan e George Alexander retomaram as atividades dos Flamin’ Groovies com novos integrantes, voltando a se separar em 1992. Os Flamin’ Groovies voltaram a se reunir para uma apresentação no Azkena Festival em Mendizabala, na Espanha, em 11 de setembro de 2004. Em 2005, Cyril Jordan formou uma nova banda, The Magic Christian – mesmo nome de um ótimo filme de humor negro de 1969 estrelado por Peter Sellers e Ringo Starr. Roy Loney e o ex-baterista dos Flamin’ Groovies, Danny Mihm, formaram a banda The Phantom Movers, além de participarem de gravações com a banda Young Fresh Fellows. Em 2008, Roy Loney e Cyril Jordan se reuniram para uma pequena turnê, com músicos das bandas The A-Bones e Yo La Tengo como banda de apoio.

Eu sigo me perguntando por que eu nunca tinha ouvido os Flamin’ Groovies antes, mas como diz o adágio: “Antes tarde do que jamais”.



Comentários

  1. Finalmente alguem escreve sobre uma das minhas bandas favoritas. Sensacional!

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  2. Gosto muito dessa banda. O álbum Flamingo, de 1970, também é altamente recomendável.
    Marcelo

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  3. BAITA! Uma das bandas preferidas da casa, sem dúvida!
    Um detalhe: de maneira quse surreal, o Teenage Head foi lançado ano passado no Brasil em CD, remasterizado, com as faixas bônus e custando apenas R$ 20 em uma série chamada 1001 Discos, da Sony/Columbia. Não tem? Sai correndo atrás que está esgotando!
    Já nos EUA, na mesma época, foi relançado em vinil de 180 gramas e JÁ ESTÁ ESGOTADO!

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  4. Sobre as comparações entre Teenage Head e Sticky Fingers, eu tenho que concordar com quem nota semelhanças. Em 1971, todo mundo queria ser o Led Zeppelin ou o Pink Floyd. Percebo uma sintonia fina entre o que os Rolling Stones e os Flamin' Groovies faziam na época, por chafurdar no caldeirão musical americano e produzirem algo mais básico e cheio de emoção distinto do que os outros faziam.

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