Rigotto's Room: Timeless: The Hank Williams Tribute



Por Maurício Rigotto
Escritor e colecionador
Collector's Room

Álbuns tributo geralmente me deixam não com apenas um, mas com os dois pés atrás. Tanto que costumo chamá-los de álbuns “triputo”, pois é assim que o ouvinte se sente quando constata que a tal homenagem a um grande artista não passa de uma jogada oportunista de alguma gravadora, no intuito de alçar as carreiras de artistas de seu catálogo. Chega a ser praxe em um disco tributo que a relação de intérpretes nada tenha a ver com o homenageado, sendo que se questionassem os artistas que estão pagando tributo se eles saberiam citar o nome de três músicas do homenageado, muitos não teriam o que responder. Alguns tributos são criados pelas gravadoras apenas para tentar reerguer algum artista decadente ou tornar algum novo nome mais conhecido, e acabam por soar tão sinceros quanto aquela versão da música de Natal de John Lennon interpretada pela cantora Simone.

Como em toda generalização, há exceções. Existem tributos em que, acreditem, a intenção é realmente enaltecer a obra do homenageado, através de interpretações honestas e sinceras feita por artistas que realmente são fãs e conhecedores da arte do alvo da homenagem. Entre os tributos íntegros que me ocorrem no momento, estão Stone Free: A Tribute to Jimi Hendrix; Dressed in Black – A Tribute to Johnny Cash; A Vision Shared (Folkways): A Tribute to Woodie Guthrie and Leadbelly e Return of the Grievous Angel: Tribute to Gran Parsons. Um dos tributos que eu mais gosto é Timeless: The Hank Williams Tribute. Mas afinal, quem foi Hank Williams?

As pessoas são unânimes em afirmar que o rock teve a sua origem no blues. A afirmação está correta, mas não é tão simplista assim. O que originou o rock não foi apenas o blues que Robert Johnson fazia nos anos trinta, nem os blues eletrificados que vieram depois através dos negros plantadores de algodão do Mississipi e Chicago, como Muddy Waters, Howlin’ Wolf, John Lee Hooker e Jimmy Reed. O rock nasceu de uma mistura acelerada de ritmos como o blues; o skiffle – que tinha Lonnie Donegan como seu maior ícone; o bluegrass, a folk music de Woodie Guthrie e Leadbelly; a soul music e a música country, que tem Hank Williams como a sua maior legenda.

Hank Williams nasceu no Alabama em 1923 e morreu no primeiro dia do ano de 1953, com apenas 29 anos. Hank se tornou um dos maiores compositores do século passado, ao ajudar a criar o estilo Honky Tonk, e seu descomunal carisma em suas performances logo aumentaram a sua fama por todo o país. Seu repertório hoje se confunde com a história da música country norte-americana. O músico tinha uma grave lesão congênita em sua medula espinhal, um mal conhecido como “espinha bífida”, o que o levou a consumir compulsivamente bebidas e morfina, como anestésicos, em uma desesperada tentativa de aplacar as insuportáveis dores que o acometiam. O abuso dessa combinação o levou a morte, no auge de sua fama. Suas músicas foram regravadas ao longo dos anos por artistas do porte de Elvis Presley, Bob Dylan, Leonard Cohen, Johnny Cash, Tony Bennett, Patsy Cline, Dinah Washigton, Gene Vincent, Carl Perkins, Ricky Nelson, Ray Charles, Louis Armstrong, Jerry Lee Lewis, Cowboy Junkies e George Thorogood.

Hank Williams and The Drifiting Cowboys

No ano de 2001 é lançado Timeless: The Hank Williams Tribute, com uma verdadeira constelação de artistas interpretando algumas das mais populares canções de Williams. O álbum já abre com Bob Dylan em uma magistral e alegre releitura de “I Can’t Get You Off Of My Mind”; segue com Sheryl Crow fazendo bonito em “Long Gone Lonesome Blues”; e com o bluseiro Keb’Mo’ (aka Kevin Moore) dando a sua versão para a famosa “I’m So Lonesome I Could Cry”. Na quarta faixa temos Beck (ou Beck Hansen), um dos maiores músicos de sua geração, trazendo elementos novos a “Your Cheatin’ Heart”, uma das mais conhecidas pérolas do repertório de Williams. A seguir o ex-líder do Dire Straits, Mark Knopfler, surge acompanhando a renomada cantora country Emmylou Harris, que já foi parceira de Gran Parsons, Neil Young e The Band, em “Lost on the River”. O roqueiro Tom Petty vem em seguida com uma versão bem mais rock (ou seja, rápida), para “You’re Gonna Change (Or I’m Gonna Leave)”, com excelente resultado; e Keith Richards faz uma emocionante e sublime interpretação para o clássico “You Win Again”. Emmylou Harris e Mark Knopfler repetem o seu dueto em “Alone and Foresaken”, onde a cantora passa em sua interpretação a emoção de uma mulher “sozinha e abandonada”, como diz a letra da canção. A dupla mais tarde viria a gravar um disco e um DVD em parceria. Na oitava faixa, o neto de Hank, Hank Williams III, homenageia o avô em “I’m a Long Gonne Daddy”; e a nova estrela da música country, Ryan Adams, faz uma bacana versão para “Lovesick Blues”. Outra estrela da country music, a cantora Lucinda Williams, interpreta “Cold, Cold Heart” com uma sutileza e elegância que nos remete a cantora Karen Dalton. Para encerrar, o grande Johnny Cash canta “I Dreamed About Mama Last Night”. Cash dispensa comentários, tamanha a sua capacidade de emocionar o ouvinte, proporcionando um verdadeiro deleite ao finalizar a audição desse bela homenagem.

Timeless: The Hank Williams Tribute venceu o Grammy em 2002 na categoria de melhor álbum country. Sheryl Crow e Lucinda Williams receberam indicações na categoria “Melhor performance vocal country feminina”; e Ryan Adams e Johnny Cash também concorreram na categoria “Melhor cantor country”. Eu recomendo a audição.



Comentários

  1. bela resenha, me deu vontade de, não apenas conhecer o album tributo, como o trabalho do próprio Hank Willians.

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  2. Como um belo texto deve ser, Gilson: atiçando no ouvinte o desejo de conhecer a obra do artista analisado.

    E Rigotto, parabéns mais uma vez. E você conhece os discos solo do Mark Knopfler? Ele tem álbuns muito bons, intimistas, totalmente diferentes dos discos do Dire Straits.

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  3. Obrigado Gilson! Recomendo mesmo conhecer a obra de Hank. Há coletâneas muito boas disponíveis. Claro que é para gostos específicos, quem só curte som pesado por exemplo, dificilmente irá gostar. Como as gravações são dos anos 40 e 50, a qualidade não é lá essas coisas, mas mesmo assim é genial.

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  4. Obrigado Cadão!

    Não conheço muito os discos solos do Knopfler. Gosto bastante daquele disco que ele gravou com Chet Atkins e desse com a Emmylou Harris (o DVD também é ótimo). As trilhas sonoras que ele fez para filmes eu acho meio chatinhas, mas não ouvi todas.

    Aquela banda country que ele teve em 1990 - The Notting Hillbillies - eu acho muito bom.

    Não sou muito fã do Dire Straits, embora goste muito dos dois primeiros álbuns. Os outros tem muito teclado sintetizado para o meu gosto.

    Que discos do Knopfler você me recomenda?

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  5. Cara, eu gosto bastante da trilha do Wag the Dog, que ele gravou em 1998. E o Dire Straits não é muito a minha praia, acho muito certinho demais ...

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  6. Esse eu nunca ouvi. Vou procurar.

    Também não gosto muito do Dire Straits, mas o primeiro disco deles, de 1978, é muito bom. No mesmo ano o Mark Knopfler foi o guitarrista no disco Slow Train Coming do Bob Dylan.

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  7. Esse filme, chamado Mera Coincidência, com o Dustin Hoffman e o Robert DeNiro, é muito bom e vale a pena.

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  8. Tributos é um gênero maldito, mas tem grandes discos, como você comenta. Gostaria de acrescentar um disco um pouco desconhecido mas de excelente qualidade musical. É "Till The Night Is Gone: A Tribute To Doc Pomus". A versão de BB King prá Blinded By Love é apenas um exemplo das muitas pérolas...

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