Discos Fundamentais: Green Day - American Idiot (2004)


Por Ricardo Seelig
Publicitário e Colecionador
Collector´s Room

Certas bandas são estigmatizadas, e o Green Day é uma delas. Os punks não gostam do som porque é muito pop, os fãs de rock não curtem porque acham muito alegre e infantil, e os headbangers não ouvem porque não têm peito para admitir para os seus amigos que gostam de um grupo punk. Todo este preconceito transformou o Green Day, que já está na estrada há mais de vinte anos, em uma banda subestimada, o que é uma pena, pois muita gente certamente deixou de ouvir American Idiot justamente por isso.


A história do rock está repleta de álbuns conceituais antológicos, que redefiniram a carreira de seus autores e influenciaram gerações inteiras. Os Beatles fizeram isso com Sgt Peppers, o Who também com Tommy, e os anos setenta não seriam os mesmos sem Dark Side of the Moon e The Wall, ambos do Pink Floyd. Exemplos não faltam. Neste sentido, American Idiot representa para o Green Day um amadurecimento musical e um reconhecimento da crítica inéditos, equivalentes ao impacto que Achtung Baby e London Calling tiveram nas carreiras do U2 e do Clash, respectivamente. É como se a gangue de Billie Joe Armstrong tirasse tudo de cima da mesa e resolvesse mostrar que é capaz de fazer muito mais do que músicas como "Basket Case" e "She". Da abertura com a faixa-título ao encerramento com "Whatsername", o que se ouve é uma sucessão de canções acima da média, como se as caixas de som cuspissem junto com as notas musicais gritos como "somos nós mesmos", "estamos aqui" e "a gente falou que sabia fazer".

"American Idiot", a música, é também o primeiro single do álbum e uma porrada que mistura tudo o que o grupo fez antes para entregar um rock contagiante e cheio de energia. O destaque vai também para a letra altamente irônica e politizada, que joga na cara da juventude inerte americana uma cobrança direta sobre o seu papel na América de Bush. O clipe desta canção também é sensacional, e ganha facilmente como o melhor vídeo já produzido pelo Green Day.

Entrando de sola, os mais de nove minutos de "Jesus of Suburbia" são um deleite para os ouvidos. Em uma faixa que mereceria o rótulo infame de 'prog punk', a banda ousa como nunca ousou antes. No melhor estilo dos grandes dinossauros progressivos, é dividida em cinco partes ("Jesus of Suburbia", "City of the Damned", "I Don't Care", "Dearly Beloved" e "Tales of Another Broken Home"), onde Billie Joe e sua turma passam pelos diversos estilos que fizeram a sua fama, indo do pop punk a momentos mais lentos. Um tapa na cara dos críticos do grupo, "Jesus of Suburbia" mostra todo o poder de fogo do trio e deixa bem claro que o Green Day não está para brincadeira.

"Holiday" é outra música fortíssima, e quem assistiu a apresentação dos caras em Berlim durante o Live 8 em 2005 viu isso claramente, com milhares de alemães pulando ensandecidos enquanto o grupo tocava alucinadamente no palco.

Tirando o pé do acelerador, o Green Day nos entrega a bela "Boulevard of Broken Dreams", com ecos do pop inglês dos anos noventa, principalmente de grupos como Blur e Oasis. Aliás, a voz de Billie Joe nesta faixa em alguns momentos soa como se o próprio Damon Albarn tivesse cansado de tentar soar moderninho e descolado com o Blur e o Gorillaz, chutasse o balde e voltasse para as suas origens, quando tocava rock sem compromisso na garagem da sua casa.

Como todo álbum conceitual que se preze, American Idiot também tem a sua canção épica. "Are We the Waiting" é uma bela balada, com um refrão poderoso, feito sob medida para ser cantado a plenos pulmões por estádios lotados. Um dos grandes destaques do disco.

O Green Day old school não foi esquecido, e os fãs de longa data vão adorar canções como "St Jimmy", "She's a Rebel" e, principalmente, "Letterbomb", onde o grupo brinca com o seu passado, aprimorando a fórmula que os levou a conquistar o posto de maior banda punk da década de noventa.

Com um começo surpreendentemente calmo, a belíssima "Give Me Novocaine" é outra grande canção de American Idiot, com Billie Joe mostrando que sabe cantar em uma faixa que teria tudo para se transformar em um enorme hit nas rádios se os programadores das emissoras tivessem vontade própria e não tocassem apenas o que as gravadoras exigem. "Wake Me Up When September Ends" vai na mesma linha e mergulha ainda mais na melancolia, crescendo aos poucos e se transformando em uma das faixas mais fortes do CD. Voltando às influências da terra da rainha, "Extraordinary Girl" é Beatles versão anos noventa em um rock simples e direto, assim como a cadenciada "Whatsername", que fecha o álbum.

Mas antes o Green Day nos entrega mais uma porrada na cara em "Homecoming ", a faixa mais longa do CD. Novamente dividida em partes ("The Death of St Jimmy", "East 12th St", "Nobody Likes You", "Rock and Roll Girlfriend" e "We're Coming Home Again"), leva o clima de ópera rock do álbum para a casa do fã, já que é praticamente impossível não se sentir no meio do show enquanto a banda vai executando a música.

Em 2005, quando esse texto foi escrito, era pura adivinhação tentar adivinhar para onde o Green Day levaria o seu som depois de American Idiot, mas uma coisa era certa: o grupo das canções alegres havia ficado no passado. O que temos em American Idiot é uma banda altamente politizada, que chama para si o posto de maior grupo punk do planeta e cutuca com espadas extremamente afiadas as diversas feridas abertas pela Era Bush nos Estados Unidos. Naquela época, ao lado do Audioslave, o Green Day foi a única banda sem medo de expor a hipocrisia e a paranóia americana, em um país dominado por um presidente burro, conservador e demagogo, uma figura limitadíssima que só chegou ao poder pela influência e jogos de poder tramados pelos grupos que a sua família representa há décadas (incluindo-se no mesmo saco gigantescas companhias petrolíferas e fanáticos religiosos como a família Bin Laden, tradicional 'aliada' dos Bush). Ao invés de se envolver apenas em iniciativas que garantem uma mega exposição na mídia, como o citado Live 8, o Green Day trilhou também o caminho mais difícil ao se posicionar claramente contra o regime conservador e alarmista de George W. Bush, em uma atitude digna de aplausos e que deveria servir de exemplo para muitos artistas. Se o rock é o reflexo da juventude e pode mudar o mundo, que este poder seja usado e não se transforme apenas em mais um slogan vazio.

A arte de todo o álbum também merece destaque, principalmente a bela capa, que adiciona pop art à mistura do trio, dando ainda mais força ao conceito de American Idiot.

É muito difícil que o mundo mude movido por um álbum de rock. Isso nunca aconteceu, e provavelmente nunca irá ocorrer. Mas daqui há dez, quinze anos, quando a gente olhar para trás, American Idiot estará em todas as listas de álbuns mais politizados e irados do rock and roll ao lado de clássicos como Sandinista! do Clash e War do U2. Isso já bastaria para que todo e qualquer fã tivesse uma cópia em sua casa em lugar de destaque em sua estante, mas além da fortíssima mensagem anti-Bush o Green Day nos entregou um disco único, com canções excelentes, e que está há anos luz de tudo o que o grupo produziu antes.

American Idiot é o melhor álbum lançado pelo Green Day.

American Idiot é um dos melhores álbuns lançados nos últimos anos.

American Idiot é, sem dúvida alguma, um dos grandes álbuns desta década.


Faixas:
1 American Idiot 2:55
2 Jesus of Suburbia 9:08
i. Jesus of Suburbia
ii. City of the Damned
iii. I Don't Care
iv. Dearly Beloved
v. Tales of Another Broken Home
3 Holiday 3:53
4 Boulevard of Broken Dreams 4:21
5 Are We the Waiting 2:43
6 St. Jimmy 2:55
7 Give Me Novacaine 3:26
8 She's a Rebel 2:01
9 Extraordinary Girl 3:34
10 Letterbomb 4:06
11 Wake Me Up When September Ends 4:46
12 Homecoming 9:19
i. The Death of St. Jimmy
ii. East 12th St.
iii. Nobody Likes You
iv. Rock and Roll Girlfriend
v. We're Coming Home Again
13 Whatsername 4:12

Comentários

  1. "Sem dúvida, um dos grandes discos dos anos 2000"

    Concordo!

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  2. e os headbangers não ouvem porque não têm peito para admitir para os seus amigos que gostam de um grupo punk.... de um grup pop.... de um grupo de samba.... de um grupo de mpb....de um grupo de jazz.... e por ai vai....

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  3. Generalização é mato, hein? E gostar por não gostar, serve?

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  4. Diogo, não entendi seu comentário.

    E claro, pode não gostar por não gostar, sem problema.

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  5. Ora, Cadão... certas horas parece que os headbangers são os culpados pelas desgraças do mundo... é bom não tomar os fóruns de internet e afins como uma amostra absoluta do público, pois este é um espaço geralmente dominado por jovens, mais radicais por natureza.

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  6. MAs tem muito headbanger crescido que é assim mesmo....

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  7. Diogo, tu vai querer me dizer agora que os bangers são os caras com a cabeça mais aberta do mundo?

    E me surpreende você pensar que eu me baseio por fóruns de internet frequentados por adolescentes. Como você já acompanha a Collector´s a muito tempo deveria saber que eu falo o que eu penso, e não o que leio por aí.

    E continuo achando que uma grande parte dos headbangers, independente de idade, tem a cabeça super fechada e são muito limitados, afinal imbecilidade não tem idade, não é mesmo?

    Abraço.

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  8. Concordo com o Cadão e o Fábio. E digo isso com lamentação, pois vejo amigos que tinham essa postura aos quinze anos, mantê-la até hoje, na casa dos trinta. Eu tive meu tempo radical e acho que é normal passar por essa fase, especialmente na adolescência/início da fase adulta. Depois vira piada de si mesmo, como é o caso de grande parte dos bangers, infelizmente.

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  9. Vejam isto daqui


    http://www.youtube.com/watch?v=o8-rTWUqGYA

    Claro que é amostra meio viciada (o Regis Tadeu editou e provocou) mas mesmo assim mostra parte da mentalidade do publico....infelizmente

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  10. Mas fã do Manowar não dá nem pra começar a conversar ...

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  11. AHHHHH.... dá pra curtir a banda sem ser desse jeito.... a menina mandou bem na resposta.....

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  12. Claro que dá, Fábio, assim como dá pra curtir Green Day de qualquer jeito, Miles Davis de qualquer jeito, Iron Maiden de qualquer jeito. A questão é só o som bater e pronto.

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  13. Nada contra a banda banda e quem gosta, mas não me enche os olhos.

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