Marvin Gaye: os 40 anos do álbum What’s Going On!


Por Fabiano Negri

Durante anos, o gênio Marvin Gaye ficou à mercê da gravadora Motown, pela qual ele só gravava músicas feitas pelos compositores da casa, sem nenhum controle artístico. Mesmo fazendo muito sucesso , Marvin sentia que sua participação no mundo da música não era relevante, e essa insatisfação foi crescendo com o passar dos anos.

Em 1969 a coisa ficou ainda mais feia quando a Motown lançou o álbum Easy, que acabou sendo o último da parceria brilhante entre Marvin e Tammy Terrell, já que ela viria a falecer no inicio de 1970 por conta de um tumor cerebral. O problema é que a gravadora de Barry Gordy – patrão e sogro de Marvin – lançou o disco aproveitando o sucesso da dupla, mas a bolacha – segundo o próprio Marvin – não continha a voz de Tammy - que a essa altura do campeonato já estava em sua sétima cirurgia cerebral – e sim da compositora Valerie Simpson. Marvin se negou a divulgar o LP, acirrando ainda mais o atrito com a Motown.

Além disso, ele acusava a gravadora de tentar usar o problema de sua parceira para alavancar ainda mais o sucesso da dupla. A família de Tammy demonstrou toda sua insatisfação no funeral da cantora, com sua mãe dizendo que Barry e sua trupe não ajudaram em nada no tratamento, mesmo tirando todo o proveito possível de sua imagem e talento.


A morte de Tammy em 25 de março de 1970 devastou Marvin, que sumiu de cena – tentando até começar uma carreira no futebol americano -, deprimido e totalmente desiludido com sua carreira e com o mundo de forma geral. Mas, na verdade, essa reclusão fez parte do primeiro passo em direção a um álbum que mudaria a cara da soul music e definiria de forma diferente a música pop mundial.

Após algum tempo, Marvin Gaye apresentou a faixa “What’s Going On” para Barry Gordy, que se recusou a lançá-la, dizendo que a música não tinha apelo comercial. Marvin, enfurecido, disse que não gravaria mais nada pela Motown se seu pedido não fosse aceito.

Quando lançada , “What's Going On” foi um sucesso instantâneo. Barry – que nunca foi bobo - pediu um álbum completo nos mesmos moldes. Só essa atitude mudou muita coisa. Naquela época os artistas não tinham controle sobre o seu trabalho, e esta seria a primeira vez que um contratado da Motown teria liberdade tanto nas composições como na produção de um disco. Esse fato abriu portas para muitos talentos, inclusive para um tal de Stevie Wonder, que depois disso passou a exigir controle sobre suas produções – graças a Deus!


What’s Going On é um álbum complexo, incluindo elementos de soul, funk, jazz e até música clássica. Um trabalho conceitual sobre o descontentamento de Marvin com o mundo e com a sua própria vida. O disco abre com a belíssima faixa-título, um swing sem pressa com letra preciosa onde Marvin mostra toda sua elegância e inteligência musical. “What’s Happening Brother” segue no mesmo clima, com destaque para as orquestrações e para a harmonia intrincada. Mas não imagine aquela sucessão de acordes sem pé nem cabeça, aqui a coisa é diferente. São belíssimas soluções harmônicas que servem para embelezar ainda mais as melodias de Mr. Gaye.

A interpretação é levada ao extremo em “Flying High (In a Friendly Sky)”. Com uma levada bem leve e meio jazzística da bateria, Marvin mostra porque foi, é e sempre será um dos maiores cantores da história da música.

“Save the Children” traz o momento mais sofisticado do álbum, onde, sobre uma bela sucessão de acordes – com destaque para o entre e sai de instrumentos, ora cordas, ora percurssão, ora tudo atacando ao mesmo tempo – Gaye trava um interessante diálogo entre voz falada e cantada. Nada menos que estupendo!

“God is Love” tem pouco menos de dois minutos e evoca novamente o swing de “What’s Going On” – aliás, todo o álbum segue interligado, onde cada música serve de complemento para a outra.

“Mercy Mercy Me” e sua mensagem ecológica põe pra dançar e pensar ao mesmo tempo. Na verdade, essa é a tônica de What’s Going On e é o que faz esse trabalho tão especial. Um disco leve e dançante, divinamente bem arranjado e que, além de lazer, traz muito conteúdo para fazer o ser humano deixar de ser egocêntrico e pensar um pouco.


“Right On” surge com um envolvente lick de piano e é a música mais longa do play. Possui uma levada manhosa com a voz comandando, tendo como contraponto a flauta. Mais uma vez os arranjos impressionam pela escolha exata de onde e como cada instrumento deve soar. No final, mais uma brilhante passagem vocal amparada por cordas e sopro. Uma produção irrepreensível!

“Wholy Holy” evoca as grandes baladas da música negra, marca registrada da era de ouro da Motown. Não preciso dizer que é mais um show do filho do reverendo Gaye!

Minha preferida fica para o fim do petardo. “Inner City Blues” é um tratado de soul music, uma aula de como devem se portar um baixo e uma bateria bem marcados, sem exageros, segurando a onda e fazendo a coisa acontecer. A voz abençoada, cantada em camadas separadas por oitavas ,dita o clima da canção.

Não é a toa que What’s Going On é considerado um dos maiores esforços musicais da história. É um verdadeiro marco da sensibilidade, talento e genialidade de um monstro da música negra norte-americana.

Para mim, Marvin Pentz Gaye Jr. pode ser igualado por alguns, mas nunca ultrapassado. É um artista que não teve limites para sua música. Morreu de forma estúpida – assassinado pelo próprio pai – mas enquanto houver vida em nosso planeta What’s Going On nunca será esquecido.

Comentários

  1. Bela homenagem...Marvin Gaye era o cara e "What's Going On" é um dos maiores álbuns de todos os tempos.

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  2. è daqueles discos que vc escuta do 1º ao último segundo sem se dar conta do tempo. E isso é para poucos. Coisa de gênio.

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  3. Coincidentemente, estava re-ouvindo esse disco, o Let´s Get It On e mais uma coletânea, com umas 20 e poucas músicas, que tem bastante faixas com Tammy Terrel e uma ou com Diana Ross.

    Enfim, What´s Going On é uma obra prima. Como disse o texto, faz bem para o corpo e para cabeça.

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