O dia em que Ian Gillan virou Jesus Cristo!


Por Fabiano Negri

Um pouco antes de se tornar sucesso na Broadway, Jesus Christ Superstar foi um projeto ambicioso dos – chamados de loucos na época - Andrew Lloyd Webber e Tim Rice. Com a música composta por Andrew e as letras a cargo de Tim, a ópera-rock conta os últimos dias da vida de Jesus Cristo com uso de uma linguagem moderna e abordagem política dos temas do evangelho.

Depois de ter a peça escrita os dois saíram em busca do cast de cantores e músicos que dariam vida à obra. Os papéis principais ficariam para Maria Madalena, Judas Iscariotes e, claro, Jesus Cristo. Na minha opinião, nada supera a versão original! Lançada em 1970 e trazendo sua leitura mais rockeira, os papéis principais ficaram a cargo de cantores extraordinários. Yvonne Elimann – que tempos depois fez parte da banda de Eric Clapton – como Maria Madalena, Murray Head no papel de Judas e o novato Ian Gillan, recém-contratado pelo Deep Purple, no papel de Jesus.


Segundo Tim Rice, na época em que estavam procurando o cantor para o lugar de Jesus – e fazendo muitos testes em vão – chegou uma fita com uma nova canção do Purple, do álbum In Rock, que nem havia sido lançado ainda, com a interpretação de Gillan para a clássica “Child in Time”. Ficaram impressionados com o que aquele jovem fazia com a voz e o chamaram para uma audição. Gillan, por sua vez, ficou receoso com o convite “daqueles dois playboys metidos a intelectuais”, mas pagou pra ver o que aconteceria.

Chegando no teste, estava Andrew sentado ao piano e Tim com as letras e partituras na mão. Tim disse: “Essas são as músicas, mas fique a vontade para improvisar”. Luz verde para os gritos de Gillan, que ficou deslumbrado com a riqueza da música que lhe foi mostrada. Depois dos ensaios, relatos da época contam que Gillan demorou apenas três horas para gravar todas as suas partes. Isso contribui ainda mais na classificação que dou para sua participação: soberba!


Não só Gillan definiu o que viria a ser o papel, como, na minha opinião, nunca foi superado. E digo mais: acho essa a melhor e mais equilibrada performance vocal do mestre em toda a sua carreira! Com uma interpretação arrasadora, mostrando toda a sua extensão vocal e poder, Gillan plantou ali as primeiras sementes para que se tornasse um dos maiores cantores de todos os tempos. Seus duetos com Murray Head – em “What’s the Buzz”, “Everything is Alright” e “The last Supper” – são antológicos e obrigatórios para quem aprecia uma boa vocalização. Aliás, a obra toda é estupenda, o casamento perfeito entre boa música e cantores inspirados.

Mas o principal momento fica por conta de “Gethsemane”. O pedido de misericórdia de Jesus ao seu pai, próximo de seu destino cruel, não poderia ter sido melhor ilustrado por Gillan. Utilizando de três oitavas para cantar, ele vai num crescendo desde tons mais graves para chegar ao seu clímax com seus tradicionais gritos – que nunca soaram tão lamurientos e desesperados –, para voltar ao grave profundo e desanimado, mostrando que mesmo contrariado ele aceitaria seu destino. Impressionante!


Na verdade, mesmo sabendo da qualidade do projeto, poucos dos envolvidos acreditavam que seria um sucesso. Estavam todos enganados! O álbum chegou a numero 1 da Billboard e vendeu milhões de cópias ao redor do globo. Gillan foi convidado novamente para o papel na versão cinematográfica de 1973, mas declinou dizendo que estava muito ocupado – na verdade ele pediu muito alto! Anos mais tarde, relatou que se tinha alguma coisa de que ele se arrependeu na vida foi não ter feito o filme. Acabou sendo substituído pelo excelente Ted Neeley, que hoje é o mais lembrado por esse papel, o que alimenta muitas discussões sobre quem foi melhor. Fico com Gillan, sem sombra de dúvidas. É claro que a produção de Neeley é mais bem cuidada e seus vocais não apresentam as pequenas falhas técnicas presentes na versão de Gillan – lembrem-se que ele levou apenas três horas para gravar – mas foi Gillan que definiu as melodias, ditou o que seria cantado e que tipo de cantor seria preciso para o papel. Sem contar que sua interpretação é muito mais natural e convincente do que a de qualquer outro que calçou seus sapatos.

Uma das melhores obras de todos os tempos, um dos melhores cantores de rock da história em seu auge. Jesus Christ Superstar!!!

Comentários

  1. Não é por acaso que meu filho se chama Ian...

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  2. puta texto..

    vou procurar este cd com certeza e ouvir atentamente..

    terminei esta semana de uvir novamente a discografia do purple e sabia q o gillan tinha feito o original do JCST, mas não tive a curiosidade de procurar..

    deste deste texto eu preciso ouvir..

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Esse álbum é fantástico e a atuação do Gillan é sensacional. Quem dera que ele ainda tivesse essa voz poderosa até hoje!
    Não deixem de ouvir o original!!

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  5. Lamento ficamos velhos, porém, celebro, todos os dias, ter vivido está época.

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  6. Ian Gillan é um dos melhores cantores de Rock de todos os tempos, na minha opinião.

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