Conheça a coleção de Carlos Lopes, o líder do Dorsal Atlântica e do Mustang!


Por Ricardo Seelig


Carlos Lopes é uma lenda. Um dos músicos mais importantes e influentes da história do heavy metal brasileiro, comandou o Dorsal Atlântica e o transformou em uma das mais originais e influentes bandas brasileiras, reconhecidas aqui e no exterior.


Inquieto e com fome de novos sons, deu um 'reset' em sua vida e montou o Mustang e a Usina Le Blond, reinventando-se como poucos e mostrando talento em outros gêneros musicais – uma qualidade rara.


Hoje batemos um papo com Carlos Lopes, o Carlos Vândalo. O resultado é uma conversa franca sobre música, discos e a vida em geral, e da qual muito me orgulho de publicar aqui para vocês.




Carlos, em primeiro lugar, apresente-se aos nossos leitores: quem você é e o que você faz?


Meu nome é Carlos Lopes, sou carioca, músico, escritor e jornalista. Por volta de 1980 decidi criar algo importante que me dignificasse e fundei a Dorsal Atlântica, banda de metal muito popular que durou 20 anos. Em 2000, insatisfeito com tudo, pesquisei outros estilos, gravei com outros músicos e comecei a escrever, virei jornalista e escritor, fundei duas bandas - uma de funk psicodélico com MPB chamada Usina Le Blond e a Mustang, de rock and roll, que hoje classificam de “MPR” (música popular roqueira), banda que gravou 5 CDs, que muito me orgulham. Fui programador e apresentador nas rádios Fluminense FM e Venenosa FM. Hoje, além da música, sou escritor e editor da revista eletrônica O Martelo, colunista da Oi Novo Som e escrevo um blog sobre sincronicidades.


Frase? “Nasci há dez mil anos atrás e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais”.




Qual foi o seu primeiro disco? Como você o conseguiu, e que idade você tinha? Você ainda tem esse álbum na sua coleção?


Lembro, com muito carinho dos dois primeiros LPs que compramos, eu e meu irmão – e que ainda estão aqui em casa: Magical Mistery Tour dos Beatles, importado (mono) a preço de banana em um supermercado, e o primeiro dos Secos e Molhados. Lembro de entrar na loja bem pequeno e pedir o disco do Secos e sentir uma reação estranha por parte de pessoas mais velhas (e mais altas) do que eu, que me olharam como se eu fosse “um outro moleque modista”. Lembro bem que o Diamond Dogs do David Bowie estava na vitrine, lançamento.




Você lembra o que sentiu ao adquirir o seu primeiro LP?


Senti a experiência do novo, da descoberta e do proibido: minha mãe não gostava que eu e meu irmão comprássemos discos de rock, achava que isso era perda de tempo. Daí após adquirir os primeiros LPs foi um passo: assisti na TV ao Sábado Som do Nelson Motta; Big Boy e o programa Cavern Club na rádio AM; rádio FM Eldo-Pop e li a revista Rock, a História e a Glória. A partir daí eu já estava perdido - ou achado sei lá ...


Porque você começou a colecionar discos, e com que idade você iniciou a sua coleção? Teve algum momento, algum fato na sua vida, que marcou essa mudança de ouvinte normal de música para um colecionador?


Achava minha vida chata, era só estudo e casa, não tinha muitos amigos e nem namorava, então conhecer mais sobre rock nos anos 70 se tornou uma paixão. Na verdade, eu nunca fui um colecionador no sentido da palavra, um cara “materialista e acumulativo”, porque eu nunca priorizei a coleção, mas sim o que ela poderia me dar sentimentalmente; o que eu poderia extrair da coleção para o meu crescimento. Descobri em 1980, em plena ditadura militar, que eu queria ser diferente, expor ideias diferentes, ser genuíno, ser alguém. Os discos serviram para me inspirar a me tornar um artista e para que eu encontrasse o meu lugar na sociedade.


Alguém da sua família, ou um amigo, o influenciou para que você se transformasse em um colecionador?


Apenas a necessidade me influenciou, pois nos anos 70 tudo era difícil, e eu queria muito ouvir e conhecer mais o que significava rock and roll.




Inicialmente, qual era o seu interesse pela música? De que gêneros você curtia? O que o atraía na música?


Meu primeiro interesse foi por histórias em quadrinhos, só depois é que a música entrou na história. Antes mesmo de saber que eu gostava tanto de música, eu lia bastante ainda bem pequeno. Com meus 12 anos, minha madrinha, que havia sido Beatlemaníaca nos anos 60 e cujo codinome de guerra era Regininha McCartney, deu para mim e meu irmão uns 6 LPs mono dos Beatles, isso por volta de 1974. Naquele momento, minha cabeça deu uma volta de 360 graus. Cismei que tinha que tocar rock, queria uma guitarra, mas isso causou uma revolução em casa. Troquei vários LPs da nossa mãe no sebo por discos de rock para aprender mais sobre o estilo (hoje eu faço o inverso: baixo todos os discos de nossa mãe que troquei e redescubro pérolas de Wilson Simonal, Jorge Ben e de sambistas antigos). Em 76/77 fiquei fascinado pela revolução punk (e new wave) e isso me marcou muito, tanto que até hoje a estética “cinema novo” do punk (um homem e uma guitarra) me diz muito.


Quantos discos você tem?


Hoje, tenho 400 LPs e o mesmo número de CDs. Já tive mais, mas me desfiz de mais de 50% da minha coleção para renovar a vida. Literalmente, não me sinto apegado a objetos físicos, apenas ao que eles representam ou ao que me dizem ao coração. Para que ter algo se não te diz nada ou se não há uma boa relação de troca entre o criador e o ouvinte?




Qual gênero musical domina a sua coleção? E, atualmente, que estilo é o seu preferido? Essa preferência variou ao longo dos anos, ou sempre permaneceu a mesma?


Antes era só rock, hoje tem um pouco de tudo: Cartola, Tim Maia, samba, soul, MPB, etc.


Vinil ou CD? Quais os pontos fortes de cada formato, para você?


Sendo muito sincero, hoje tenho a maior preguiça de ouvir LP. Um lado do vinil tem 15 minutos e dá a maior preguiça de levantar para virar de lado. Minha vitrola antiga tinha aquele mecanismo de colocar uns 10 discos, um sobre os outros, e eles iam caindo, fazendo barulho e o braço pousava no início da faixa um, às vezes dando uma derrapada para a metade da mesma. Era muito legal. Eu adoro até hoje os estalos, os ruídos de fundo, o som antigo dos velhos estúdios. Tudo isso faz parte da memória emocional, complementa a música. A tecnologia atual serve para ouvir música atemporal remasterizada e assistir aos meus filmes clássicos remasterizados, não para ouvir música sem alma, ajeitada no Pro Tools. Fui criado ouvindo “álbuns”, “obras fechadas”, então disco para mim é da faixa um até a última, não é para escolher os melhores momentos ou fazer coletânea.


Existe algum instrumento musical específico que o atrai quando você ouve música?


Mais importante do que o instrumento é a alma de quem toca ou canta. Não precisa ser o melhor, o mais perfeito ou o mais bem produzido, só precisa tocar meu coração e me contar uma história que ninguém me disse antes.




Qual foi o lugar mais estranho onde você comprou discos?


Na rua. Comecei a minha coleção de Browsville Station comprando um LP em plena rua no bairro do Catete, no Rio. Quando toquei o disco em casa, me lembrei de toda uma sequência, de um lado completo do LP, que tocava em alguma rádio de rock, antes mesmo da Fluminense FM.


Qual foi a melhor loja de discos que você já conheceu?


Tenho mais lembranças, apesar de não ter comprado muitos discos lá, da extinta Modern Sound no Rio, na virada dos 70 para os 80. Eu adorava abrir o plástico das capas e sentir o cheiro de vinil, papel e da tinta de impressão. Uau! E em São Paulo, tenho um carinho todo especial pela Baratos Afins.


Conte-me uma história triste na sua vida de colecionador.


Não diria triste, mas simbólica. Em 1981, meu primeiro professor de guitarra (antes tive um de violão) me enganou e pegou meu dinheiro para comprar LPs piratas que nunca foram entregues. Corri atrás do prejuízo, e aborrecido (o cara que te enrola não aceita ser descoberto ou dar a cara a tapa) ele me entregou LPs dele para zerar a dívida. Não gostei dos discos que recebi (B.B. King e Eric Clapton), mas no meio tinha o LP do MC5, High Time. Quando ouvi o disco achei super estranho, só gostava de duas faixas, tinha um cara com um black power enorme se rebolando, roupas coloridas, o encarte interno tinha umas colagens, uns recortes meio psicodélicos. Enfim, o LP tinha um clima meio estranho para 81... Eu o achei muito antiquado, fora de época, datado. Pois bem, acabei trocando o LP junto a outros por algum LP que nem lembro mais qual foi (trocas nos sebos eram feitas na base de 2 por 1, 3 por 1, por aí). Por volta de 93/95 comprei o High Time em CD e surtei de tanto que ouvi. Em 2000, fundei o Mustang para tocar um som na linha do MC5.


Já como jornalista, surgiu a oportunidade de ser o primeiro brasileiro a entrevistar todos os remanescentes da banda. Essa entrevista marcou minha carreira. Contei essa história do High Time para o guitarrista Wayne Kramer do MC5 e pensei: “Nossa! Como o mundo é um ovo!”. Depois da entrevista, recuperei o High Time em vinil, agora com 180 gramas, para recuperar de verdade o fio da meada da minha própria história de vida. É meu amigo, são as sincronicidades armando das suas!




Como você organiza a sua coleção? Dê uma dica útil de como guardar a coleção para os nossos leitores.


Plastificar os álbuns com plásticos que não esmaguem os discos; nunca separar os artistas para não ficar igual doido procurando depois; não deixar sol bater nos LPs e sempre dispô-los em pé, nunca deitados.


Além da música, que outros fatores o atraem em um disco?


Antes mesmo da música, o que sempre me atraiu foi a beleza, a originalidade e o tamanho das capas. Quanto mais exibicionistas, melhor. Sou da época de garimpar discos na Modern Sound em Copacabana nos anos 70 ou na Gramophone no Shopping da Gávea no Rio em 1980. Eu não tinha grana, economizava, juntava, e escolher apenas um LP importado era um suplício. Hoje você baixa, e se não gostar, apaga. Não tem mais graça, não há mais o risco de se dar mal. Quem entra no jogo é para perder e ganhar, tem que gastar dinheiro suado com disco bom e ruim. E olha, tem discos que a gente só entende mesmo depois de 20 anos, normal. O LP reflete a sua percepção sobre a vida. Veja a coleção do cara e saiba imediatamente se ele é fã de música ou doido.


Quais são os itens mais raros da sua coleção?


Tenho uns do coração, como os LPs, CDs piratas e compactos do Sweet; meus velhos Beatles e Rolling Stones mono; os Tim Maia (tenho todos em vinil, incluindo o Racional); os Funkadelic/Parliament; os Gerson King Combo autografados; o AC/DC autografado pelo Angus Young em 1985, ...












Você tem ciúmes da sua coleção?


Nem tanto, depois que aprendi a não emprestar mais nada após sumirem ou quebrarem – tipo sentar em cima – alguns discos meus. Mas se a pergunta é “se eu cuido”, eu cuido, sim. Lavo os LPs antes de escutar, troco a agulha, dou beijinho, coloco pra ninar, etc...


Quando você está em uma loja procurando discos, você tem algum método específico de pesquisa, alguma mania, na hora de comprar novos itens para a sua coleção?


Hoje já não busco tanto vinil, perdi um pouco o interesse. Antes eu comprava porque ninguém dava valor, eu pagava tipo 5 reais pelo disco duplo importado do James Brown, The Payback, um clássico absurdo. E tem outra, eu cresci com vinil, para mim era natural comprar vinil e eu nunca me adaptei muito a CDs. Comprava uns, trocava outros, mas CD nem chegou perto da paixão que dediquei aos vinis. Revolução mesmo foi MP3. Hoje me pergunto: e daí que LP ocupa espaço? E daí que LP é grande? Eu não posso definir o tamanho do meu amor pelo amor dos outros, não dá. Cada um é cada um.


O que significa ser um colecionador de discos?


Nada comparado com a vida e o amor.


O que mudou da época em que você começou a comprar discos para os dias de hoje, onde as lojas de discos estão em extinção? Do que você sente saudade?


Na verdade, não sou uma pessoa saudosista, cada dia novo é melhor do que todos os dias antigos. Aceito a mudança dos vinis para CDs e dos VHS para DVDs e Blu-rays, mas não me preocupo com o que foi, com o que é e nem com o que será. Não importa o formato, importa o que a arte nos transmite. Uso a tecnologia, mas não sou fanático por ela. Sou fanático pela minha arte, pelo amor que deposito no que crio.


O que você acha desse papo de que música boa só existiu nos anos 1960 e 1970, e de que hoje não se faz música de qualidade?


Isso é papo de quem tá caducando. Você pode até preferir música antiga, não vejo mal nisso, mas negar que há boa música sendo feita todos os dias é negar o direito à vida. Quanto à novidade, aí é outro papo, pois todos nós, os ocidentais, estamos sofrendo da crise da pós-modernidade, onde tudo é reciclado e não há mais novidade. Veja o Rock in Rio por exemplo, nem preciso falar nada.




Qual é o melhor disco de 2011, até o momento?


Não ouvi nada em 2011.


Muito obrigado pelo papo. Pra fechar, o que você está ouvindo e recomenda aos nossos leitores?


De rock estrangeiro atual, meus favoritos são Kaiser Chiefs, Arcade Fire e The Killers. Para os que gostam de MC5, eu recomendo o CD For the Whole World to See do Death, um trio de músicos negros de Detroit que toca um pré-punk arrasador; de música brasileira, eu amo todos os tropicalistas e recomendo todos os álbuns gravados de 1968 até mais ou menos 1974, incluindo aí até os não-tropicalistas como Chico Buarque e Milton Nascimento. Por fim, ando apaixonado pelo LP Native Brazilian Music de 1940, com Cartola, Donga, Villa-Lobos, Pixinguinha, Zé Espinguela e João da Baiana.


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Comentários

  1. Para que ter algo se não te diz nada ou se não há uma boa relação de troca entre o criador e o ouvinte?

    Perfeita colocação do Carlos. Pra que eu preciso ter a nova edição sêxtupla do único álbum do Derek and the Dominos que torna todas as outras obsoletas por conter mais um disco com Eric Clapton e Duane Allmann afinando as guitarras por meia hora, se eu já tenho a obra original, que é a que me atingiu, motivou, me fez refletir? Há uma excessiva valorização do produto físico em detrimento da obra artística contida nele. Uma pena. Tenho certeza que o Carlos tem uma relação muito mais próxima e íntima com seus discos do que muitos que possuem um acervo muito maior.

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  2. Diogo, a minha opinião é que, como qualquer forma de arte, a música tem uma relação individual com cada pessoa. Tem gente que prefere ter milhares de discos e edições especiais, tem gente que prefere uma coleção menor, tem gente que prefere ter tudo de um estilo para usar como consulta e referência ... enfim, existem mil maneiras de um colecionador se relacionar com os seus discos, e nenhuma delas é errada.

    O que acontece é que cada um de nós se identifica com uma ou outra forma.

    Ah, e eu não tenho a edição especial sêxtupla do Derek, só o disco simples.

    Abraço, e obrigado pelo comentário.

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  3. Pena que eu descobri este blog recentemente, então meu comentário fica bastante atrasado.

    A questão é o seguinte, eu nunca me interessei pelo álbum do Derek and the Dominos até ouvir o material extra das jams do Duane com o Clapton.

    Já tenho em MP3, mas procuro achar um Box Set que tenha todas as gravações das Jams, que na minha opinião é superior ao álbum original.

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