Reflexões sobre a morte de Amy Winehouse


Por Ricardo Seelig

Há uma má vontade compreensível com os junkies. Ninguém quer ter por perto uma pessoa totalmente alheia ao que acontece ao seu redor, cujo único objetivo do fiapo de vida que ainda tem é garantir a sua próxima dose. Eu, assim como você, também não simpatizo com viciados. E mais: não vejo nada de positivo na exploração do estereótipo do artista doidão, que precisa de substâncias para produzir a sua obra. Meus maiores heróis na música seguem firmes e fortes sem o uso desses artifícios. Que o digam Paul McCartney, Bruce Dickinson, Steve Harris, Mike Portnoy e Angus Young.

Porém, há uma questão que precisa ser tocada. Fiquei sabendo da morte de Amy Winehouse no sábado à tarde, quando ouvi a notícia no rádio do carro. Apesar de esperada, ela não foi menos chocante. O motivo para isso é simples: sempre será triste ver alguém sucumbir aos seus próprios vícios e demônios, deixando de viver tudo o que poderia. Não vou falar aqui dos motivos que levaram Amy ao fundo do poço. Gente muito mais sábia do que eu – como Regis Tadeu (aqui), Andre Barcinski (aqui e aqui) e Marcelo Costa (aqui)– já fez isso de maneira brilhante.

Eu quero tocar em outros pontos. O primeiro é a dependência química. Muita gente tem dito que Amy Winehouse escolheu morrer. Isso é um absurdo. Ninguém escolhe ser um viciado. A dependência química é uma doença que acaba com a vida do indivíduo, transformando-o em um zumbi totalmente alheio ao que acontece ao seu redor. Os viciados são pessoas doentes e que devem ser tratadas. Quando acontece um caso como o de Amy, o vício acaba fazendo parte do personagem vendido pela mídia, mas, ao contrário de nomes como Keith Richards, aqui o final não foi feliz. O tratamento de um junkie é difícil, longo, extenuante, porém necessário. Resumir a morte de Amy Winehouse a uma “escolha” é um absurdo, assim como restringir a sua trajetória à história de uma “doidona que deu certo”. Amy era dona de um grande talento, e deixou ao menos um disco excepcional gravado. Back to Black (2006) é uma obra-prima. Muitos irão dizer que ela soube se cercar de músicos talentosos e de produtores excelentes, e isso é verdade. Porém, se tudo se restringisse a apenas isso, eu e você também seríamos capazes de conceber um trabalho assim, não é mesmo?

O sucesso alcançado por Amy Winehouse pavimentou o caminho para o surgimento de uma nova geração de cantoras. Nomes como Duffy e a excepcional Adele devem muito à Amy, isso sem falar de Sharon Jones, a veterana que foi alçada novamente aos holofotes e que emprestou a sua banda, os Dap-Kings, para tocarem em Back to Black e saírem em turnê com a vocalista.

O outro ponto é o oportunismo barato de algumas declarações associando os terríveis atentados ocorridos na Noruega à sua morte. Como você e todas as pessoas com um mínimo de inteligência podem perceber, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Criticar quem lamenta a morte de Amy Winehouse com a frase “mas 90 inocentes morreram na Noruega e ninguém fala nada” é uma demagogia desnecessária. Como toda figura pública, a morte de uma artista famosa em todo o mundo como Amy traz consigo manifestações de pesar por parte dos fãs, e isso é absolutamente normal. Querer julgar quem faz isso negativamente, dizendo que deveriam lamentar é a perda dos jovens noruegueses ao invés de uma “louca drogada”, é lamentável. A perda de um ser humano, seja ele qual for, é sempre triste, e quando essa pessoa é uma figura pública o sentimento apenas se amplifica. Posar como Dee Snider, o vocalista do Twisted Sister, que postou em seu twitter frases assim, é brincar com a inteligência das pessoas. Ambas as notícias – a morte de Amy e o horrendo massacre na Noruega – são tristes e lamentáveis.

A morte de Amy Winehouse é uma estupidez sem tamanho, assim como todas as mortes causadas pelo abuso de drogas. Eu gostaria, por exemplo, de saber como o genial Tommy Bolin – que faleceu de overdose em 4 de dezembro de 1976 – reagiria ao ouvir pela primeira vez o não menos incrível Eddie Van Halen. Eu gostaria de ouvir como o talentosíssimo Paul Kossoff – morto por overdose em 19 de março de 1976 – soaria hoje em dia. Eu desejaria saber como soaria a contribuição de Jimi Hendrix – falecido em 28 de setembro de 1970 – com Miles Davis, e o que esses dois artistas absolutamente únicos fariam juntos. Eu queria ter a oportunidade de ouvir para que caminhos Kurt Cobain – falecido em 5 de abril de 1994 – teria levado a música do Nirvana, e como a banda estaria soando hoje em dia se ainda estivesse na ativa. E eu sentiria um grande prazer em, ao invés de estar escrevendo um texto sobre a morte de Amy Winehouse, estar elaborando uma resenha sobre o seu novo e excelente disco – que ela morreu antes de gravar – e comentar como fiquei surpreso e feliz ao ouvir o seu belo dueto com Adele, a sua voz negra soando forte novamente e em como ela soou bem dividindo o microfone com Sharon Jones.

Amy Winehouse morreu, e a sua morte não teve nada de glamorosa, muito pelo contrário. Com ela, mais um grande artista se perdeu por causa da merda bem grande que são as drogas. Ninguém escolhe ser um viciado, assim como ninguém escolhe ser um ícone. Mais do que lembrar das músicas de Amy depois de sua morte, o que eu gostaria mesmo era que fosse feito algo que está muito longe de acontecer: que a questão das drogas e da dependência química fosse tratada com a importância e a seriedade que merece, e não com o descaso que o o governo brasileiro, por exemplo, aborda o assunto. Vivemos em um país cada vez mais tomado pelo crack, e não existe nenhuma política pública a respeito. Rios de dinheiro são destinados às faraônicas obras da Copa do Mundo e da Olimpíada, enquanto os 'nóias' que tomam conta de praticamente todas as cidades brasileiras, ao invés de receberem tratamento apropriado, são simplesmente varridos para debaixo do tapete, onde não aparecem. Isso, infelizmente, está longe de acabar, e o resultado será que mais e mais pessoas terão o mesmo fim de Amy Winehouse, vivendo em um mundo paralelo, totalmente alheios ao que acontece ao seu redor até morrerem de forma dolorosa e suja nas ruas, aí, bem pertinho de você. (Texto publicado originalmente em 26/07/2011)

É triste, não é engraçado, e ninguém faz nada a respeito. Até quando?

Comentários

  1. Parabens pelo texto....
    Resumiu muito bem a indignação que tal situação deveria causar....
    No mais vc citou um ponto importante que eu estava pensando este final de semana: A verdadeira chacina que é o mundo da música... a lista é imensa: podemos somar aos que você citou Elis Regina, Cassia Eller, Jonh Bonhan, Keith Moon, etc, etc etc .... é um verdadeiro massacre e um desperdício humano incalculavel ... e a máquina vai girando e tragando tudo e todos ... e as pessoas parecem que vão se acostumando com isso... como se fosse algo normal e esperado .... como a Cracolândia em SP .... a diferença para os artistas é que quem frequenta a mesma "vai pra debaixo do tapete" como você mesmo disse .... triste demais

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  2. Cada um com sua opinião... eu acredito que se eu fiz a ‘escolha’ de ficar longe do mundo das drogas, qualquer um pode também fazê-la. O vício não é uma doença que se adquiri ao contrair um vírus ou uma bactéria involuntariamente, o vício é ‘escolha’, a mesma ‘escolha’ que eu tive de ficar longe dele, quem tá nesse mundo é por opção, é por safadeza, é por vadiagem. A dependência química é um fardo que a sociedade não tem que carregar, é absurdo achar que temos que dar jeito pela má ‘escolha’ de vida de sujeitos improdutivos que se entopem por conta própria de drogas e surgem com a lenga-lenga de serem doentes. Não, eu fiz a ‘escolha’ então qualquer um pode fazer, doença ninguém escolhe se vai ter o não, as drogas são ‘escolha’. Amy não sei das quantas, é só mais uma cachaceira que foi ver o cramunhão mais cedo, ‘teve o que queria’, procurou, procurou até que achou seu fim prematuro e imbecil como deve ser o fim de todo junkie.

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  3. Você era notavelmente um fã dela e logicamente seu texto ficou um pouco mais "amaciado", mas não deixou de ser sensato. Viciados são doentes, sim. A questão precisa ser resolvida o quanto antes. A morte de Amy se deu pela falta de bom-senso de familiares, amigos e colegas de trabalho. O estereótipo realmente estava vendendo bem e que se dane, quem precisa de pessoas quando se tem lucro?

    Mas creio que a pessoa só se torna doente a partir do momento que é viciada. Quem se envolve com drogas, não necessariamente tem problemas mentais ou algo do tipo. Então, até chegar ao ponto máximo, que é a dependência química, a pessoa tem consciência dos seus atos. Há uma parcela de culpa da própria Amy, sim, e nessa questão eu concordo muito mais com a posição do Régis Tadeu.

    Escrevi um texto com a minha opinião sobre isso, mas com maior direcionamento aos "fãs" notavelmente leigos e críticos "superestimadores de gente morta". Pra quem quiser conferir:

    http://vansucks.blogspot.com/2011/07/arte-de-superestimar.html

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  4. Sim Igor, o primeiro passo para se envolver com drogas, bebidas e cigarro depende de cada um. A questão é que ficar dependente disso é extremamente fácil - tanto das drogas quanto do cigarro e da bebida. E, ao contrário do que alguns pensam, essa questão é sim um problema social.

    A cracolândia, em São Paulo, é uma vergonha e um exemplo do descaso público em relação ao assunto.

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  5. A morte dela é algo complicado de se discutir. Não a conhecíamos nem temos autoridade de pesquisa suficiente pra discorrer se ela se matou, se ela foi vítima, etc.

    Mas acho que não dá pra comparar a situação dos viciados da Cracolândia com a de Amy Winehouse. Entendo que há um gancho de um caso pro outro, mas a situação de Amy nada tem a ver com problema social. A questão da droga nem sempre é um problema meramente social.

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  6. Especificamente no caso da Amy, é muito trágico, mas bem simples. Se ela deciciu usar drogas, sabendo de todas as possibilidades envolvidas, claro que foi uma escolha dela, ponto. Se ela se tornou uma viciada, o panorama fica bem mais complexo. No entanto, se ela não pediu ajuda (ela poderia ter feito isso. Dinheiro e influência não seriam problema) e continuou em uma curva decadente constante, ela deveria saber que poderia morrer, eventualmente. A cartilha dos mortos é pública e notória, quase um 'User Guide', sempre bem atualizado. Se ela queria morrer? Não sei. Se ela pensou: "É, pode ser e não tô nem aí", é uma possibilidade. Foi um acidente? Outra grande possibilidade. O que eu não aceito é alguém no limite do uso de drogas e álcool, como ela, ser colocada no patamar de vítima inocente. A combinação drogas/álcool/dinheiro/showbizz (não importando 'qual' showbizz) é um clássico. Se você entra nessa engrenagem você tem duas opções: ou você cede a oferta e ao glamour, alcançando a morte precoce em algum determinado momento ou sobrevive, colocando a culpa na falta de experiência e nas péssimas companhias (outro clássico barato, mas verdadeiro). Ou então você fica limpo, como tantos conseguiram.
    E concordo com o Silver - a morte dela, isolada, não foi um problema social. As ramificações do grande universo da droga (tráfico, cartéis, assassinatos, etc.) estas sim, estão no núcleo de uma problemática social grave e crescente, em todo o mundo.
    A Amy, muito sensível, frágil e talentosa, tentou - e conseguiu - emular e atualizar uma época, um estilo, um conceito, absorvendo tudo o que isso representa, deixando uma obra importante e sendo tragada no final.

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  7. Muito bom o seu comentário, Ricardo. O que me irrita nessa história é as pessoas resumirem a trajetória dela à questão das drogas, deixando totalmente de lado - ou não conhecendo mesmo - a excelente música que ela fez.

    Abraço.

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  8. Infelizmente esta mídia de quinta categoria (e cada vez mais vigente no Brasil - porquê o Datena é a estrela do momento? Simples, não é?) sempre irá focar nesta abordagem - sexo, sangue e drogas sempre chamam a atenção do grande público. Existe um prazer mórbido em seguir esse caminho, o que é uma pena.

    Abraço!

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  9. Olá Ricardo,

    Concordo que ficar comparando a morte da Amy com os atentados na Noruega é demagogia sem fundamento algum.

    Gostaria de recomendar a leitura deste texto. Vai bem de encontro ao que você escreveu aqui, mas dá uma visão interessante da morte dela.

    http://cristaldo.blogspot.com/2011/07/gira-la-cote-leitores-me-pedem-um.html

    Gildson Góes

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  10. Olá Seringueiro

    Acabei de ler o texto que você indicou...

    Muito bem escrito e levanta alguns pontos interessantes, no entanto me fez pensar em como o episódio da morte desta mulher revela nos textos dos blogs da internet e nos próprios comentários dos leitores enormes preconceitos....

    O texto do blog em questão (http://cristaldo.blogspot.com/2011/07/gira-la-cote-leitores-me-pedem-um.html)
    quase me fez vomitar.... uma vez o Juca Kfouri comentou que nada o havia surpreendido mais em sua carreira jornalistica que a agressividade do ambiente de blog ... acho que ele estava certo ...

    O que há de preconceito subliminar (ou nem tanto) nas linhas deste texto não é brincadeira ... espero que o teor no resto do blog não seja assim... e este tenha sido apenas um escorregão do autor....

    Por que caso o contrário...

    Abraços

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  11. http://cristaldo.blogspot.com/2011/07/gira-la-cote-leitores-me-pedem-um.html

    Esse texto é uma vergonha. Preconceituoso e feito - como o autor diz - por uma pessoa que não sabe sobre o que está escrevendo. Desculpe,mas vc não deveria ter perdido seu tempo para escrever isso no seu blog. Fale de coisas que vc entende.

    Quanto ao texto do Ricardo. Excelente e real. É feio querer polemizar sem razão só pra chamar a atenção!

    Abraços.

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