Stevie Wonder: os 35 anos de 'Songs in the Key of Life'



Por Fabiano Negri


Stevie Wonder é, sem dúvida, um dos artistas mais talentosos de todos os tempos. Dono de uma voz invejável, hábil multi-instrumentista e um dos poucos a conseguir conciliar arranjos ultra complexos com melodias palatáveis, ele foi responsável por obras atemporais. Nesse texto vou dissecar sua principal façanha, o inquestionável Songs in the Key of Life (1976).


Fruto de sua bem-vinda autonomia junto à gravadora Motown, Stevie já havia lançado trabalhos marcantes como Talking Book (1972), Innervisions (1973) e Fulfillingness' First Finale (1974), que já mostravam total amadurecimento, além de muita sofisticação e bom gosto. Contudo, o ápice de sua genialidade estava no próximo passo.


Em 1975 Stevie assinou um novo contrato com a Motown no valor de trinta e sete milhões de dólares. Além de ser o mais alto valor pago para um músico – até aquela data –, esse contrato dava liberdade total para Stevie fazer o que ele bem entendesse. A ideia de gravar um álbum duplo não agradava muito aos executivos, que achavam que isso poderia custar muito caro e não dar o retorno desejado. O perfeccionismo de Stevie acabou por fazer com que a data de lançamento fosse adiada algumas vezes. Mais de cento e trinta pessoas trabalharam no disco. O clima de incerteza pairava sobre as cabeças do pessoal da Motown.









Depois de muita espera. o álbum saiu no dia 28 de setembro de 1976. A edição original continha o álbum duplo, um compacto com quatro músicas e um livreto de vinte e quatro páginas. Um belíssimo trabalho gráfico! Mas a música contida aqui poderia até vir dentro de um sanito que não haveria problemas ...


Se era pra testar a capacidade de Stevie, esse petardo foi um cala boca em qualquer um que duvidasse de suas qualidades. A abertura com a suave “Love's in Need of Love Today” já laça o ouvinte com uma maravilhosa melodia – marca registrada de todo o trabalho –, uma sonoridade harmoniosa - sem egos à flor da pele – e uma produção cristalina, que deve ter dado o que falar na época!


Falando em baladas, ainda temos a triste mais ainda real “Village Ghetto Land” – movida apenas por cordas sintetizadas e pelo instrumento mais afinado do disco, a voz de Stevie –, a atmosférica “Joy Inside My Tears” e a melhor de todas, “Knocks Me Off My Feet”, com um arranjo primoroso e harmonias costuradas de forma brilhante, onde Stevie manda a melhor melodia do álbum e, pasmem, toca todos os instrumentos! É pra quem pode, né?


“Have a Talk with God” tem aquele balanço em marcha lenta, gostoso, mostrando que simplicidade é tudo para fazer uma música pulsar de verdade – não dá nem pra falar que a cozinha se entendeu bem porque, mais uma vez, o homem toca tudo!









E o que dizer de “Sir Duke” e “I Wish”? Uma aula de groove! Não dá pra não se empolgar ouvindo essas pérolas da black music, que mostram com bastante clareza de onde o senhor Glenn Hughes tirou TODOS os seus truques vocais!


E o sorriso não sai do rosto em nenhum momento, seja na alegre “Isn’t She Lovely” – que traz seu característico solo de gaita –, na 'true' “Black Man”, em “Pastime Paradise” – que aqui tem sua versão real e definitiva – e no passeio por sonoridades latinas em “Ngiculela – Es Una Historia – I Am Singing”.


O que temos aqui é um verdadeiro doutorado em música de qualidade com as mais diversas influências, passeando por diversas sonoridades, com performances brilhantes, sem exageros e sem os malabarismos desnecessários tão comuns em pseudo-cantores do gênero. Uma das poucas vezes em que o resultado superou a pretensão!





E quanto à preocupação da Motown sobre o investimento? Tornou-se satisfação quando o álbum ficou em primeiro lugar na lista da Billboard e se tornou um dos trabalhos mais vendidos de todos os tempos! Merecido!


Você não conhece esse disco? Pera aí, alguma coisa está errada! Baixe, compre, roube, mas não deixe de ter. E, por favor, aprecie devagar e viaje pela beleza e sensibilidade da música do gênio – esse merece mesmo esse adjetivo! – Stevie Wonder!

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