Obrigado, R.E.M.


Interior do Rio Grande do Sul, segunda metade da década de 1980. Esse foi o cenário da minha adolescência. Meus pais moravam – e continuam residindo – em uma pequena cidade chamada Espumoso, cuja população gira em torno de 15 mil habitantes. Para você se situar geograficamente, ela fica no norte do estado, a cerca de 250 km de Porto Alegre. O principal centro urbano dessa região é Passo Fundo, cidade com mais de 200 mil habitantes localizada a pouco mais de 70 km de Espumoso, sede de uma das principais universidades do RS, a UPF, onde estudei.

Voltando. Sempre fui apaixonado por música. Porém, naquela época não existiam as facilidades que hoje fazem parte do nosso dia a dia. Um disco não vazava, era preciso comprá-lo ou gravar uma fita de algum amigo que tinha o vinil para, só assim, conhecer novos sons. Não havia internet, então não vivíamos cercados por uma avalanche de informações como hoje em dia. Aguardava com ansiedade a chegada da minha revista preferida, a Bizz, na única banca local. Era nas páginas da melhor publicação de música que o Brasil já teve que eu ficava por dentro do que estava rolando. Era através dos seus textos que eu conhecia grupos que nem imaginava existir, e que despertavam a minha curiosidade violentamente.

Um deles se chamava R.E.M.. Foi através de um texto que li nas páginas da Bizz que resolvi ir atrás do grupo. Havia apenas uma pequena loja de discos em Espumoso, e eu, geralmente, pegava o ônibus e encarava duas longas horas de viagem até Passo Fundo na companhia de um amigo em jornadas atrás de novos sons. Voltávamos carregados de LPs, em incursões que se repetiam, geralmente, de quinze em quinze dias. Porém, essa pequena loja que havia em Espumoso recebia de tempos em tempos a visita de um vendedor que a abastecia, uma espécie de caixeiro viajante musical. Como eu vivia comprando LPs, o dono me avisava com antecedência quando esse mago dos sons viria, e eu batia ponto esperando a sua surrada Fiorino branca chegar. Foi em uma dessas ocasiões que, dentro do pequeno furgão, encontrei um álbum do R.E.M. e, finalmente, pude ouvir uma das bandas que não via a hora de conhecer.


Estamos em 1988, e o disco se chamava Green. Ele já era o sexto trabalho da banda norte-americana, mas eu não fazia ideia disso. Comprei na hora, junto com outros LPs que não lembro agora – se não me falha a memória, um deles era a coletânea dupla Ramonesmania -, e fui para casa ouvir. Era uma música diferente da que eu estava habituado. Apesar de sempre procurar conhecer novos grupos escutava quase que exclusivamente heavy metal, gênero bem diferente do som que saía dos sulcos do vinil. Porém, a mistura de rock com elementos country de Green me conquistou de imediato, e logo o álbum se tornou um dos meus favoritos.

Como a minha coleção era uma das maiores da cidade, reuniões para ouvir música aconteciam frequentemente lá em casa. E é claro que eu fiz questão de compartilhar a minha mais recente descoberta com os meus amigos. Ouvíamos sem parar o power pop de “Pop Song 89” e “Get Up”, a grudenta “Stand”, a belíssima “World Leader Pretend” - até hoje a minha canção favorita do R.E.M. - e a dupla “Orange Crush” e “Turn You Inside-Out”. Como eu também vivia colocando som em festas que organizávamos, “World Leader Pretend” e “Orange Crush” logo se tornaram pequenos hits daquela turma de amigos, em uma cumplicidade particular por termos descoberto uma ótima banda que pouca gente conhecia.




Três anos mais tarde o R.E.M. explodiria mundialmente com o lançamento de Out of Time, que trazia o mega-hit “Losing My Religion”. Porém, no meu caso particular, a banda já havia me conquistado definitivamente com Green, que até hoje está entre os meus discos favoritos.

Ao longo dos anos segui acompanhando a carreira do grupo, mas sem o interesse e a paixão que o primeiro contato me proporcionaram. Gostei de Out of Time, achei Automatic for the People lindo, estranhei o Monster, redescobri recentemente o belíssimo New Adventures in Hi-Fi, passei batido pela trinca Up, Reveal e Around the Sun, gostei de Accelerate e adorei Collapse Into Now, mais recente álbum do trio formado por Michael Stipe, Peter Buck e Mike Mills.

Ontem, o R.E.M. anunciou o encerramento de suas atividades. Mesmo acompanhando a trajetória da banda com um certo distanciamento, confesso que fiquei triste com essa notícia. A razão é simples: chegava ao fim um grupo que foi parte importantíssima da minha adolescência, e que ocupa lugar de destaque na trilha-sonora da minha vida. E tudo isso por causa de apenas um disco, encontrado dentro de uma caixa no interior de uma pequena van.

Obrigado por tudo Michael, Peter, Mike e Bill. A história foi bonita, e ela tinha que ter um final um dia.

Comentários

  1. Realmente o R.E.M. vai fazer muita falta, mas é melhor sair de cena com dignidade que se tornar cópia de si mesmo.
    Também acho "World Leader Pretend" uma das melhores deles.
    Meu primeiro contato com a banda foi no final dos anos 80 quando uma amiga trouxe uma fita VHS com 6 horas de clipes gravados da MTV americana. Tinha Bon Jovi, KISS, INXS, U2, Madonna entre outros. Mas aquele clipe do garoto numa casa em ruinas com um skate na mão e um vira-lata do lado me chamou atenção por dois motivos: A banda não aperecia e a música era ótima!
    Virei fã imediatamente e um tempo depois um amigo me gravou uma fita K7, aí me lembrei que já tinha ouvido "Radio Free Europe" na rádio nos anos 80, ainda não sei como essa música tocou por aqui.
    Enfim, comecei a acompanhar a banda, mesmo com todas as dificuldades que você citou, a cada trabalho que lançavam e cada disco antigo que eu conseguia me fazia ficar mais maravilhado com aqueles 4 caras geniais.
    O show do Rock In Rio 2001 foi a prova que me faltava para ter certeza de que eles e o U2 eram as bandas de minha geração. O carisma do Michael Stipe é algo de outro planeta e a simplicidade/grandiosidade das músicas crescem ao vivo.
    Acabei falando demais, mas estou triste e ao mesmo tempo agradecido por ter essa banda em meu coração.
    Tenho muita pena de quem acha que o R.E.M. é apenas "Losing My Religion" e "The One I Love"...

    ResponderExcluir
  2. Uma pena. Apesar da melhor fase deles ter ido até o Automate for the People, eles detonavam ao vivo.
    E lamento ainda mais por eu ter descoberto que eles são mais que "The One I Love" no ano passado, quando 'descobri' a era pré-Warner deles. Vão fazer falta.

    ResponderExcluir
  3. Ricardo, excelente texto. Realmente, R.E.M. fará falta.

    ResponderExcluir
  4. lembro ate hoje daquela madrugada em que eu estava ouvindo radio e de repente tocou a musica welcome to the occupation, que na epoca eu nao sabia de quem era. corri atras do disco em questao, document, e nunca mais abandonei o rem. pouquissimas bandas na historia tem uma sequencia de lancamentos tao sensacional como document, green, out of time, automatic for the people, monster e new adventures in hi-fi. r.e.m., voce hoje nao existe mais, mas como esteve presente em alguns dos momentos mais importantes da minha vida, sempre estarei em divida contigo...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.