Um por todos e todos por um: o making of de Led Zeppelin IV

Escritório da Atlantic Records em Nova York, primeiros dias do mês de setembro de 1971. De um lado o co-fundador da gravadora, Ahmet Ertegun. Do outro, o guitarrista e o manager de uma das bandas do selo, que estavam na cidade para um show que aconteceria no Madison Square Garden alguns dias depois. Preenchendo a mesa, os representantes legais dos dois lados.

O motivo desta tensa reunião era a capa do disco conhecido pelo número de catálogo Atlantic 7208, o quarto álbum do Led Zeppelin. Peter Grant, o temido manager do Led Zeppelin, informa Ertegun que o LP só será lançado se o desejo de seu guitarrista, Jimmy Page, for atendido: colocar o álbum nas lojas sem título e sem o nome da banda na capa. Ahmet Ertegun surta, balança as mãos para o ar e grita para todo mundo ouvir: “Como vocês querem lançar o disco sem o nome da banda na capa? Isso é suicídio!”.

Phil Carson, então o chefão da Atlantic na Inglaterra, recorda o que se passou naquela sala: “A Atlantic falou: 'Isso é loucura, o disco não vai vender'. Mas Grant respondeu na lata: 'Podem colocar o LP dentro de um saco marrom que, mesmo assim, ele vai mudar a vida das pessoas'”. Peter Grant, cuja reputação aterrorizava a todos na indústria, deixou claro que Ertegun não teria acesso às fitas masters se a Atlantic não atendesse as solicitações de Jimmy Page. “No final da reunião eu pedi a palavra e falei: 'Confiem em mim, as pessoas vão encontrar o disco e o comprarão'. É preciso lembrar que, naquela época, o Led Zeppelin era responsável por algo entre 20% e 25% do total de vendas da Atlantic. Meu trabalho era garantir que a banda continuasse satisfeita e gravando álbuns de sucesso”, completa Carson.


Dois meses depois, o quarto disco do Led Zeppelin chegava às lojas com nada na capa além de um quadro pendurado em uma parede com a foto de um velho barbudo carregando um monte de galhos. Na contracapa, por trás de escombros de casas demolidas, surgia um imponente e moderno arranha-céu. Para Jimmy Page, a capa representava “a mudança que estava acontecendo. Aquele velho homem estava cercado de apartamentos demolidos. Era uma maneira de dizer que devemos cuidar do nosso planeta, e não abusar dele”. John Bonham tinha uma visão mais prosaica: “Significa que eu prefiro viver em uma casa velha do que em um condomínio”.

Mesmo na parte interna da capa, o nome da banda continuava ausente. No seu lugar haviam quatro símbolos rúnicos, o título das oito faixas e alguns créditos. Sobre a sinistra ilustração criada por Barrington Colby e conhecida como The Hermit, os quatro símbolos eram um mistério irresistível para o crescente número de fãs da banda, enfeitiçados pelo enigma que era o Led Zeppelin.


O uso dos quatro símbolos como uma espécie de título do quarto álbum do grupo agregou ainda mais mistério à história da banda. O significado de cada um deles ainda hoje divide opiniões entre os fãs. Os símbolos foram apresentados para a mídia, primeiramente, através de uma série de teasers veiculados nas publicações da época antes do lançamento do álbum, com cada anúncio apresentando apenas um dos símbolos que fariam história no próximo disco do grupo.

Os símbolos utilizados por John Paul Jones e John Bonham foram retirados do livro The Book of Signs, de Rudolph Koch. O de Jones, um círculo invadido por três formas iguais, representa uma pessoa que possui, ao mesmo tempo, confiança e competência (ele é o mais difícil de desenhar com precisão). Os três círculos do símbolo de John Bonham representam a tríade formada por pai, mãe e filho. Ele também pode significar – vide a paixão que o baterista tinha pelas bebidas alcoólicas – a logo da cerveja Ballantine.

O de Robert Plant foi, ao que parece, desenhado pelo próprio vocalista, inspirado em um símbolo que Plant viu no livro The Sacred Symbols of Mu, de Colonel James Churchward. A pena dentro do círculo representa a pena de Ma'at, a deusa egípcia da justiça, e é o emblema de um escritor. “A pena é um símbolo presente em todas as formas de filosofia. Ela representa, por exemplo, as tribos de Caras Vermelhas dos Estados Unidos”, explica o próprio Plant.

O símbolo de Page, o enigmático “ZoSo”, tem várias teorias sobre a sua origem. Estudiosos dizem que ele surgiu em 1557 em representação ao planeta Saturno. Também se observou de que ele é constituído pelos símbolos astrológicos de Saturno, Júpiter e, talvez, Marte e Mercúrio. O mesmo desenho havia aparecido, em uma forma praticamente igual, em um raro dicionário de símbolos do século XIX chamado Le Triple Vocabulaire Infernal Manuel du Demonomane, de Frinellan, um pseudônimo utilizado pelo escritor Simon Blocquel, publicado em 1844. “Meu símbolo é sobre invocação e ser protegido. Isso é tudo o que eu vou falar sobre ele”, declarou Page ao jornalista Mick Wall em 2001.

Independente de seus significados, estes quatro símbolos se tornaram sinônimos dos músicos do Led Zeppelin, e ao longo dos anos foram sendo adaptados por Plant, Page e Jones em seus respectivos trabalhos solo. Mais recentemente Plant voltou ao tema, utilizando uma forma adaptada do seu na contracapa do álbum Band of Joy, lançado em 2010. Já Page colocou o ZoSo na capa da autobiografia fotográfica Jimmy Page by Jimmy Page, de 2011.


Lançar um novo álbum sem o “Led Zeppelin” na capa (e também na lombada na lateral do disco) era um gigantesco “foda-se” para todos que acusavam a banda de ser apenas um grande hype. Incomodado com os comentários negativos publicados em grande parte da imprensa desde que a grupo havia surgido no final de 1968, Page queria provar que a música do quarteto poderia vencer pelos seus próprios méritos, sem o apoio dos nomes envolvidos. “A imprensa não me incomodou até o terceiro disco”, contou o guitarrista em entrevista para Steven Rosen, da Guitar Player, vinte anos depois. “Já éramos uma banda estabelecida, e a imprensa continuava afirmando que éramos apenas um hype. Foi por essa razão que o quarto disco saiu sem título. Era um protesto sem sentido, eu sei, mas nós queríamos provar que as pessoas não compravam os nossos discos pelo nome estampado no capa, mas sim por causa da música”.

O gênio de Jimmy Page está no fato de que as pessoas sempre se esquecem das atitudes contra o sistema que ele tinha. Coisas como lançar discos sem qualquer informação na capa. Para mim, isso era mais punk do que os Sex Pistols assinando um contrato em frente ao Palácio de Buckingham”, afirmou Jack White, um grande fã da banda, em 2006.

Punk ou não, a coragem e as convicções do Led Zeppelin não foram mais questionadas a partir do momento em que o tal disco sem título – também conhecido como Led Zeppelin IV, ZoSo, Runes ou Four Symbols – se transformou no álbum mais vendido da banda (atualmente, ele ocupa a décima-segunda posição entre os discos mais vendidos de todos os tempos). Se os três primeiros LPs haviam transformado os caras do Led em estrelas, o quarto álbum os deu status de superestrelas. Em menos de dois anos eles eram, inquestionavelmente, a maior banda de rock do planeta.

Combinando o peso de Led Zeppelin II com o lado acústico de Led Zeppelin III, o álbum se equilibrava entre blues rock selvagens (“Black Dog”) e devaneios hippies (“Going to California”), rock retrôs (“Rock and Roll”) e mandolins medievais (“The Battle of Evermore”). E tinha também um épico de oito minutos intitulado “Stairway to Heaven”. “A música é como um caleidoscópio, e eu acho que esse disco em particular nos fez ir além em todos os sentidos”, declarou Robert Plant a NME na época.

No meu ponto de vista, é a melhor coisa que nós já fizemos”, falou John Bonham a Melody Maker. “Jimmy foi absolutamente incrível neste disco”.

Depois deste álbum, ninguém mais nos comparou ao Black Sabbath”, conclui John Paul Jones.


O quarto álbum do Led Zeppelin teve início um ano antes da fatídica reunião com Ahmet Ertegun, na visita anterior da banda à Nova York. Promovendo Led Zeppelin III, o show final da sexta turnê norte-americana do grupo também aconteceu no Madison Square Garden, em um estado de quase exaustão completa depois da banda ter cruzado o país de costa a costa e conquistado de vez o público americano. “Estávamos fartos de viajar pelos Estados Unidos. Fizemos isso por dois anos”, declarou Jimmy Page em 1973.

Em 19 de setembro de 1970 a banda fez dois shows no mesmo dia no Madison Square Garden. Os músicos estavam à beira de um colapso e não viam a hora de voltar pra casa. Além disso, as más notícias cruzavam o Oceano Atlântico com a informação de que Jimi Hendrix havia sido encontrado morto em Londres um dia antes, deixando o clima pesado durante os dois shows. Depois da quarta música, “Bring It On Home”, Robert Plant homenageou Hendrix, que havia declarado algum tempo antes que John Bonham “tinha um par de castanholas no pé direito”.

O baterista sentia saudades de sua esposa Pat e de seu filho Jason, então com 4 anos de idade. “Nós fizemos três turnês no último ano e, no final, decidimos dar um basta naquilo”, declarou Bonzo ao jornalista Chris Welch, da Melody Maker. “Nós trabalhamos muito em um espaço muito pequeno de tempo, estávamos exaustos. Tínhamos ofertas para continuar na estrada tocando na França e pelos EUA, mas recusamos. Precisávamos dar uma parada. Havíamos dado duro, e Peter, provavelmente, tinha trabalhado mais do que todos nós juntos. Nós gostamos do que fazemos, mas precisamos dar uma parada antes de ficarmos velhos”. A pausa do grupo fez surgir rumores de que a banda estava prestes a se separar.

Grant não estava na sua melhor forma física, e viu nessa parada uma oportunidade para fazer algo sobre o seu peso, que só crescia. Assim, o manager da banda foi fazer um tratamento em um spa. Ao mesmo tempo, Page e Plant recordaram da energia de uma pequena casa em South Snowdonia, no País de Gales, onde haviam passado um tempo na primavera anterior, e decidiram retornar ao local, batizado de Bron-yr-Aur, em uma espécie de retiro para atiçar a criatividade. A única companhia da dupla na viagem foram os roadies Sandy MacGregor e Henry “The Horse” Smith.


Pegamos um furgão branco e fomos dirigindo até Bron-yr-Aur”, recorda Smith, um americano que havia trabalhado ao lado de Richard Cole nas turnês norte-americanas do Led Zeppelin e do Jeff Beck Group. “Era como estar acampando. Jimmy usava galochas e cardigãs, além do famoso chapéu que ele usou na edição de 1970 do Bath Festival. Era um look bem folk. De certa maneira era meio apavorante para eles. Jimmy era um cara da cidade, e Plant era o típico inglês. Ele havia estado em Bron-yr-Aur quando criança, e recordava de lá com um lugar seguro. Foi interessante vê-los trabalhar em um ambiente de serenidade”.

Uma casa de pedra localizada no topo de uma pastagem de ovelhas, Bron-yr-Aur passava uma ótima sensação, conforme relembra Smith: “Se você queria escrever você precisava se afastar das pessoas. E aquele era um ótimo lugar para ficar isolado porque não havia, literalmente, ninguém por perto. De vez em quando as ovelhas entravam dentro da casa enquanto Jimmy e Robert estavam trabalhando em uma canção. Várias vezes eu e Robert caminhávamos pela propriedade e sentávamos na grama para conversar. Falávamos sobre as canções que estavam surgindo e os temas que as letras explorariam. Me lembro de falar sobre os pequenos animais que caminhavam pela grama e o que eles estavam fazendo lá”.


Em uma entrevista que fiz com Plant em 2003 em Machynlleth, convenci Robert a me levar até Bron-yr-Aur em uma caminhonete 4x4. Naquela tarde ele estava bem nostálgico sobre o que aquele lugar significava para ele e Jimmy Page: “Estávamos aqui, no meio disso tudo, e enquanto caminhávamos pelas montanhas surgiu a questão: qual é a nossa ambição? Para onde estamos indo? Vamos dominar o mundo e acabou? Nós não tínhamos nada a ver com os Beatles e os Stones, mas vivíamos ao lado de uma montanha e escrevemos essas canções sobre onde estava escondido o Santo Grahl. Não importa o quão cômico isso possa parecer hoje em dia, mas o fato é que esse lugar nos deu muita energia porque nós estávamos realmente próximos de algo. Naquela época e com aquele idade, 1970 tinha o céu azul mais belo que eu já tinha visto”.

Naquela segunda visita a Bron-yr-Aur, Page e Plant trabalharam em canções novas e antigas, incluindo rascunhos que se transformariam, mais tarde, em faixas como “Down by the Seaside”, “Over the Hills and Far Away”, “Poor Tom” e “The Rover”. Também deram forma a “Stairway to Heaven”, composição que Page vinha trabalhando em seu estúdio caseiro há alguns meses.

Em dezembro, Page e Plant se reuniram com John Bonham e John Paul Jones nos estúdio da Island em Londres, onde algumas partes de Led Zeppelin III haviam sido gravadas e onde a maioria do álbum de 1970 foi mixado. Lá, as versões iniciais de “Stairway to Heaven” (ainda sem letra), “When the Leeve Breaks” e outras faixas ganharam forma. Entretanto, depois de Bron-yr-Aur a vibe do estúdio deixava muito a desejar. “Você realmente precisa de um lugar que facilite a sua vida, onde você pode fazer uma pausa para tomar uma xícara de chá ou caminhar pelo jardim, e depois voltar e fazer o que precisa ser feito”, reflete Page.


Como haviam feito em Led Zeppelin III, a banda levantou acampamento em direção a uma úmida mansão em Headley Grange, em Hampshire. “Para o terceiro disco, eu sugeri gravarmos na casa de Mick Jagger com o estúdio móvel dos Rolling Stones”, conta o engenheiro de som Andy Johns, que já havia utilizado a unidade em Sticky Fingers, disco dos Stones lançado em 1971. “Mas Page não queria gastar dinheiro nisso. 'Quanto vai nos custar?', ele perguntou. 'Bem, mais ou menos umas 1.000 libras por semana', respondi. Ao que ele devolveu: 'Não vou pagar 1.000 libras por semana para Mick Jagger. Eu vou encontrar algo melhor que isso'. Então eles encontraram essa velha mansão. Fomos para lá e estava tudo meio decadente. Os sofás estavam rasgados, as molas pulavam para fora dos colchões. Mas não era um mal lugar, tinha uma boa lareira e eu era o cozinheiro da turma”.

Talvez a faísca de Bron-yr-Aur tenha nos incitado a decidir: 'É isso aí, vamos para Headley'”, lembrou Page em 2003. “Fomos para lá com um estúdio móvel dentro de um caminhão para ver o que rolava. E acabamos ficando na casa durante toda a gravação do nosso quarto álbum. Embora algumas coisas tenham sido gravadas fora da mansão – como “Stairway to Heaven” -, a essência de tudo estava em Headley”.

Mas as coisas não começaram bem. Em janeiro de 1971 a banda encontrou a mansão muito mais fria e úmida do que na primavera anterior. “Era horrível”, lembra John Paul Jones. “Praticamente não havia mobília, nem mesa de sinuca ou um bar dentro da casa. Quando chegamos lá, todos nós corremos para garantir os quartos mais secos”. A casa tinha aquecimento central, mas a caldeira era muito antiga e não funcionava direito. “Está mais detonada do que da última vez que estivemos aqui”, falou John Bonham para Richard Cole enquanto caminhavam pela casa.


Page, entretanto, adorou a atmosfera de Headley Grange, e estava convencido de que haviam fantasmas no local. “Jimmy tinha um quarto na parte de cima, à direita, e eu tenho certeza de que ele era assombrado”, conta Cole. “Nenhum de nós queria ir lá. O quarto tinha um velho aquecedor, mas ninguém gostou do ambiente. Todos tinham casas confortáveis e viviam em hotéis cinco estrelas, e estávamos gravando no pior lugar possível. Eu não sei o que se passava na cabeça dele”.

Não havia uma mesa de sinuca ou nada parecido lá. Nada que pudesse distrair a banda. Isso era muito bom para nos mantermos focados no que realmente importava, o nosso trabalho. Acredito que é por isso que muitas canções surgiram em Headley Grange, como 'Going to California' e 'The Battle of Evermore'”, conta o guitarrista.

Mas nem tudo era trabalho duro. Richard Cole lembra que a banda levou um estoque de bebidas e drogas para o local. “Naquela época não havia nenhum problema sério com drogas acontecendo no grupo. Rolava apenas maconha e um pouco de cocaína. Eles brincavam que eram soldados. Encontramos uma espingarda antiga e eles atiravam nos esquilos que havia por lá – mas nunca acertavam no alvo”. Vestido com quepe e uma jaqueta militar, Bonzo sempre dava uma fugidinha para o pub mais próximo depois que a banda encerrava as atividades diárias.

Como ninguém escreveu sobre o que acontecia naqueles dias, e as memórias dos sobreviventes não são muito claras, é difícil saber o que o Led Zeppelin fez depois de se instalar em Headley. Cerca de 14 músicas – quase o dobro das faixas presentes no disco – podem ter sido testadas antes de Andy Johns aparecer com o estúdio móvel em Headley, depois de uma semana. Uma versão embrionária de “No Quarter” - gravada no disco seguinte, Houses of the Holy, de 1973 – surgiu a partir de uma faixa instrumental criada por John Paul Jones no teclado; “Down by the Seaside”, homenagem de Plant a Neil Young, nascida na primeira passagem por Bron-yr-Aur; “Night Flight”, na linha dos Faces; uma versão para “Sloopy Drunk”, de Leroy Carr, que se transformou em “Boogie with Stu”; e provavelmente outras faixas da época de Bron-yr-Aur como “Poor Tom”, “The Rover” e “I Wanna Be Her Man”, que não entraram em Led Zeppelin III. Bootlegs com ensaios do período não identificam com precisão quais foram gravados nas sessões captadas em Headley.


Uma destas músicas era “Black Dog”, uma faixa concebida por John Paul Jones. “Nós sempre o encorajamos a mostrar o que ele havia criado”, recorda Jimmy Page. No livro Off the Record (1988), de Joe Smith, Robert Plant conta que “às vezes Jones trazia uma canção quase completa, daí era só fazer uns ajustes nos arranjos e ela ficava pronta rapidamente”. Inspirado pelo riff circular do blues “Tom Cat”, faixa de Muddy Waters presente no álbum Electric Mud, de 1968, “Black Dog” foi composta por Jones dentro de um trem a caminho da casa de Page em Pangbourne, Berkshire, antes dos ensaios em Headley. “Meu pai havia me ensinado um esquema muito simples de notas e números, então eu escrevi a música em um papel enquanto fazia a viagem, provavelmente na própria passagem”. O sistema era fácil de ser entendido, mas os tempos de “Black Dog” - cujo título foi inspirado em um velho cão labrador que perambulava por Headley Grange - eram diabolicamente complexos, tanto que a banda explodiu em risos a primeira vez que tentou ensaiá-la. As mudanças e ajustes que o grupo fez na faixa podem ser percebidos no ótimo bootleg Stairway Sessions.

Originalmente ela era toda em um andamento 3/16, mas ninguém conseguia seguir isso o tempo todo”, recorda Jones. Com exceção de Bonham, que compreensivelmente lutou contra a justaposição dissonante do ritmo básico em 4/4 sobre o riff 5/8 de Page e Jones. “Disse para Bonzo que ele deveria continuar tocando em 4/4 durante toda a música”, conta Jones. Mas Bonham não estava convencido, e para a maioria dos ouvidos o ritmo ainda soa errado.

Igualmente complexo era o groove de “Four Sticks”. Concebida sob influência da música indiana, a música desconcertou a banda desde o início das gravações. “Eu tive vários problemas sobre para onde a batida deveria ir. Ritmicamente, ela girava em torno do riff de guitarra”, conta John Paul Jones. Na tarde seguinte à primeira tentativa, com Jones tocando um mandolin, Plant completou o que era essencialmente uma ode às montanhas Laurel Canyon, de Los Angeles, personificadas em Joni Mitchell, a compositora canadense que havia fixado residência em LA desde 1968. “Someone told me there's a girl out there with love in her eyes and flowers in her hair ...”, cantou o vocalista.

Composições como 'Going to California' surgiram devido à influência de Neil Young, coisas como o álbum Everybody Knows This is Nowhere. Eu estava em um ambiente onde a harmonia era a resposta para tudo”, contou Robert Plant em entrevista para Mick Wall, em 1988. “Robert era como aqueles pacifistas norte-americanos. Ele tinha essa característica muito mais forte que os outros três. Era uma alma solitária. Lembro de momentos durante os anos setenta em que sentávamos e nos perguntávamos: 'O que aconteceu com a geração paz e amor? Quem acabou com ela?'”, recorda o roadie Henry Smith.


A funkeada “Misty Mountain Hop” reunia a inclinação hippie de Robert Plant com a sua obsessão pela obra de J.R.R. Tolkien – as montanhas em questão são as presentes nos livros O Hobbit e O Senhor dos Anéis. A letra de Plant traçava paralelos entre cabelos longos e O Hobbit – ele era o único cara de sua geração que, naquela época, ainda utilizava os livros de Tolkien como fonte de inspiração. A canção falava de uma apreensão de drogas e o desejo de fugir para um lugar “where the spirits go now, over the hills where the spirits fly”.

Como “The Battle of Evermore”, “Misty Mountain Hop” tomou forma rapidamente em Headley Grange. O riff veio de Page - “saiu na primeira tentativa”, lembra o guitarrista -, e depois Jones desenvolveu a canção em uma manhã em que acordou mais cedo que os outros e ficou brincando com um piano elétrico Hohner. “Jonesy colocou alguns acordes no refrão, e aquilo ficou demais”, conta Page. “Nós costumávamos trabalhar muito rápido”.

Jimmy Page já havia passado muitas horas trabalhando em diferentes sessões de gravação do que viria a ser “Stairway to Heaven”, usando guitarras de seis e doze cordas em seu novo estúdio de oito canais em Pangbourne. “Quando fomos gravá-la havia vários tapes que eu tinha feito, que serviram de referência para os outros. Eu era o único que trabalhava dessa maneira, porque o meu background era o de um arranjador”.

Muito mais simples foram “Going to California” e “The Battle of Evermore”, canções acústicas que partiam daquilo que a banda havia feito em Led Zeppelin III. Uma noite em Headley, depois que os outros foram pra cama, Page pegou o mandolin que Jones havia comprado durante a tour americana, em 1969. “Apenas peguei o instrumento e comecei a tocar uma sequência. Aquilo consistia, provavelmente, nos acordes mais básicos para mandolin, mas foi dali que surgiu o tema de 'The Battle of Evermore'”, conta Jimmy. Iniciando, nas palavras de Page, “como uma antiga música instrumental inglesa”, os acordes ganhavam rapidamente a letra que Plant começou a escrever em Bron-yr-Aur, inspirado em sua imersão no livro O Senhor dos Anéis, de Tolkien, e nas histórias militares da Idade Média. A faixa fazia referência à Batalha dos Campos de Pelennor, do livro O Retorno do Rei. Plant também falava da história inglesa e celta ao citar, na letra, os “anjos de Avalon”.

Você não precisava ter uma imaginação muito fértil ou uma biblioteca repleta de livros se vivesse próxima à fronteira do País de Gales. Estava tudo lá. Em uma noite qualquer de outubro, com o sol se pondo por trás das montanhas ou próximo a um castelo, a inspiração surgia naturalmente”, contou Plant para o New York Times alguns anos depois.

A linda “Going to California” não tinha referências à obra de Tolkien, e surgiu do que Page descreveu como “uma busca às antigas ideias que eu tinha gravado antes, e sentia que poderiam render algo bom no futuro”. O guitarrista continua: “Eu queria tentar algo nessa linha, com John Bonham entrando na música mais tarde, para dar aquele toque especial”. Em uma noite em Headley, Page e Jones trabalharam na música usando um violão e um piano elétrico depois que Plant e Bonzo resolveram ir até um pub. O bootleg Stairway Sessions mostra as experimentações da dupla.


Na noite seguinte, com Jones e Bonzo em Londres participando de uma festa, um frustrado Plant sentou perto da lareira com Page e buscou inspiração para escrever a letra de “Stairway to Heaven”. “Eu estava com um lápis e uma folha de papel, e por alguma razão estava de muito mau humor”, conta Plant. De repente, o lápis parecia se mover por vontade própria, e a letra surgiu como em um passe de mágica.

No dia seguinte, Plant finalizou a letra e a apresentou aos seus colegas de banda. “Robert escreveu entre 75 e 80% das letras do disco em Headley. Foi incrível! Nos outros discos o processo era muito mais longo e demorado”, conta Jimmy Page. “A primeira vez que ouvi 'Stairway' foi em um gravador que John Paul Jones carregava com ele. Sempre que eles iam compor ou gravar juntos, Jonesy vinha com um carro cheio de instrumentos, geralmente acústicos. Desta vez em particular ele trouxe mandolins, e eu lembro de Robert sentado no capô do carro trabalhando nas letras”, lembra Richard Cole.

Foi tudo muito rápido”, conta Plant sobre a música que ficou famoso por repudiar. “Tudo fluiu bem, foi um processo estranhamente tranquilo. Era como se algo nos inspirasse e dissesse: 'Vocês estão indo bem, mas se quiserem fazer uma música atemporal, aqui está uma canção de casamento perfeita'”.

A música havia chegado até eles.


Andy Johns chegou em Headley Grange com o estúdio móvel dos Rolling Stones no final de janeiro. Junto com ele, e sem nenhuma despesa extra, veio Ian Stewart, pianista e co-fundador dos Stones, além de um piano de calda detonadíssimo. Depois de estacionar o caminhão no pátio da casa, Johns cobriu a sala de ensaios com caixas de ovos, buscando melhorar a acústica. Apesar de não curtir o modo de trabalhar próprio dos estúdios móveis - “você via a banda através de um circuito fechado de vídeo e falava com os caras por um microfone que ficava dentro do caminhão, o que era bem impessoal” -, Johns sentiu que o grupo estava à vontade em Headley.

Era como um velho cliché: microfones saindo pela janela, lareira acesa, pessoas chegando com xícaras de chá e café, gente tropeçando nos cabos … um caos absoluto. Foi uma sensação boa, e nós tornamos a experiência extremamente fácil e agradável pra todo mundo”, conta Robert Plant.

Eles eram muito rápidos. A gente gravava três ou quatro músicas por noite. Jimmy e John Paul eram músicos de estúdio – os melhores músicos de estúdio que a Inglaterra já viu. Bonzo fazia sempre a mesma coisa, então não era com ele que eu iria experimentar algo novo”, lembra Andy Johns.


Mas foi justamente com Bonzo que Johns teve a experiência mais famosa do disco. Cansado de ouvir o baterista reclamar que nunca conseguiu gravar o som de bateria que ouvia em sua cabeça, uma noite, após o final da sessão de gravação, Johns pediu para Bonzo continuar enquanto os outros músicos foram dispensados. A banda já havia gravado uma versão para “When the Leeve Breaks”, blues de 1929 escrito por Memphis Minnie, nos estúdios da Island, mas o resultado não havia ficado satisfatório. Andy Johns então sugeriu a Bonzo que montasse o seu kit de bateria no centro da sala de estar, e pendurou dois microfones no topo da escada. “Eu já havia testado algumas coisas com o Blind Faith e o Blodwyn Pig. Eu sempre me perguntava como gravar algo usando apenas dois microfones, porque a minha mãe adorava música clássica. Ouça “Can't Find My Way Home”, do Blind Faith. São apenas dois microfones para tudo, incluindo vocais e bateria. Então colocamos o kit de Bonzo no hall de entrada, que tinha quase oito metros de altura. E soou maravilhosamente bem. Como nós não pensamos nisso antes? Chamei Bonzo e disse: 'Escute isso'. Ele ouviu e soltou um 'Fucking hell, ficou demais!'”.

O som de bateria de “When the Leeve Breaks”, gordo, cheio de groove e eco, era como uma espécie de funk industrial. O que o tornou ainda mais notável foi o fato de Johns não ter usado nenhum microfone para captar o bumbo. “Nós poderíamos ter colocado um microfone apenas para o bumbo, mas não foi preciso”, contou Page para a Guitar World. “O som de Bonzo era muito poderoso. A força de sua pegada não estava nos braços, mas na maneira como ele usava o punho. Eu ainda não consigo entender como ele conseguia tirar um som tão incrível usando um kit tão simples”. Não é de se admirar que o grupo tenha atrasado a entrada do vocal de Plant por quase um minuto e meio.

Bonham estava pouco empolgado com “Four Sticks”. Ele estava tão frustrado com o andamento estranho da música que, em um momento de fúria, virou uma lata da cerveja Double Diamond e mandou ver a introdução de “Keep A-Knockin”, de Little Richard. Foi uma daquelas reações instantâneas que faziam a banda criar algo totalmente novo – nas palavras de Page, “uma faixa de combustão espontânea”. Motivado pela reação de Bonzo, Jimmy criou na hora um riff de rockabilly que combinava os estilos dos guitarristas Scotty Moore e Cliff Gallup. Jones pegou o baixo, e Plant criou uma linha vocal por cima do que o trio estava tocando. Então Ian Stewart se juntou ao grupo, tocando o seu piano no melhor estilo Jerry Lee Lewis. Quinze minutos depois, “It's Been a Long Time” - rebatizada mais tarde para “Rock and Roll” - estava finalizada e gravada em sua versão definitiva.

Para um grupo formado por amantes dos primórdios do rhythm & blues e do rockabilly – ao vivo, a banda fazia um medley com as clássicas “That's Alright, Mama”, de Elvis, e “Somethin' Else”, de Eddie Cochran, no meio de “Whole Lotta Love” -, “Rock and Roll” marcou um novo ponto de partida para o Led Zeppelin.

O grupo já havia usado o Studio One da Island em duas faixas de destaque de seu terceiro disco - “That's the Way” e “Since I've Been Loving You” -, e queria alcançar aquela ressonância no novo álbum. “Era um lugar muito grande. Você poderia gravar uma orquestra com setenta integrantes lá dentro. O problema era controlar a acústica de tudo. Foi por isso que o som foi bastante comprimido por Andy. Sempre que ouvíamos o que tínhamos gravado, parecia que tudo tinha ficado maior e mais alto. Isso deixou todos muito animados! A qualidade do que estávamos criando, e a velocidade com que tudo estava sendo feito, realmente me impressionou. A confiança era o principal combustível da banda. Cada take era impressionante. Se George Martin foi o quinto Beatle, naquela época Andy Johns era o quinto integrante do Led Zeppelin”, recorda Digby Smith, um dos assistentes de Andy Johns.


Uma noite, Smith estava em casa se recuperando de uma ressaca quando o telefone tocou. Era o chefe de estúdio, Penny Hanson, perguntando se ele poderia ir até o estúdio dar uma mão. Era a sessão de gravação de “Stairway to Heaven”. “A banda já havia gravado por duas noites, e resolveu fazer mais uma sessão. Quando eu cheguei, Jonesy estava sentado atrás de um teclado e Jimmy tocava seu violão. Setenta por cento do som da bateria de Bonham vinha de um microfone colocado aproximadamente um metro e meio acima de sua cabeça. Não sei se Robert já havia criado uma linha vocal para a música”, conta Smith.

Apesar de ser uma composição complexa – nas palavras de Smith, “a união de duas ou três peças diferentes” -, o primeiro take quase foi o definitivo. Johns chamou todos para ouvir, colocando a música no volume máximo. “Bonzo, Jones e Plant concordaram que a gravação estava perfeita. O único que não falou nada foi Jimmy. Então Bonzo olhou para ele e perguntou: 'O que tem de errado?'. Page respondeu que não havia nada de errado. Bonham insistiu: 'Não, alguma coisa está errada. O que é?'. 'Já falei que não tem nada de errado', retrucou Page. 'Ok, é esse take ou não, então?'. 'Está tudo certo, mas eu acho que você pode fazer melhor', Page encerrou o assunto”, conta Smith.

Furioso, Bonzo pegou as baquetas, caminhou pelo estúdio e sentou atrás de seu kit de bateria. “Eu podia vê-lo parado lá, espumando de raiva. De repente ele começou a tocar a sua bateria com tudo, fazendo todos os medidores baterem no vermelho. Daí ele levantou e voltou para a sala de controle, deu um abraço em Page e disse: 'Você estava certo'”, continua Smith.

No solo, Jimmy Page decidiu não tocar com a sua Les Paul preferida, mas sim com uma Telecaster com pintura psicodélica que Jeff Beck havia lhe dado de presente em 1966. “Page se sentou, pegou a guitarra, colocou o fone de ouvido e ficou com um cigarro no canto da boca. Ele fez três takes, e compilou o solo final pegando pedaços dessas três gravações diferentes. Depois do solo, era a vez de Robert, que gravou a sua parte em um, ou talvez dois, takes”, lembra Smith.

“Four Sticks”, que a banda não conseguiu gravar em Headley, foi finalmente finalizada nos estúdios da Island. Cheio de energia depois de assistir a um show do Ginger Baker's Air Force no Lyceum, em Londres, no dia 1 de fevereiro, Bonzo foi ao estúdio determinado a resolver a sua parte na música. O baterista acabou testando quatro kits diferentes antes de escolher com qual gravaria a canção. “Gravamos a bateria em dois takes, porque era impossível fisicamente para ele fazer mais um”, conta Page. Para Jimmy, as guitarras de “Four Sticks” eram quase tão importantes quanto as de “Black Dog”: “Posso perceber determinados marcos ao longo de 'Four Sticks', principalmente na parte central. O som daqueles violões era para onde eu estava indo”. Depois de finalizada, “Four Sticks” se revelou quase uma excentridade exótica, uma espécie de elo entre “Friends”, de Led Zeppelin III, e “Kashmir”, de Physical Graffiti.

Andy Johns lembra que a mixagem final de “Four Sticks” foi um parto. “Quando gravamos as faixas guia eu comprimi o som da bateria. Então, quando fui fazer a mixagem final, tive um problema. Tive que fazer todo o trabalho umas cinco ou seis vezes, até acertar”. O Led Zeppelin só tocou “Four Sticks” ao vivo uma vez. Page e Plant retornaram à música no projeto UnLedded, em 1994. Robert Plant também incluiu a faixa no repertório dos shows de seu projeto com a banda Strange Sensation, em 2005.


Além dos overdubs feitos por Jimmy Page nos estúdios da Island – entre eles as guitarras adicionais de “Black Dog” -, a banda gravou também a participação especial de Alexandra “Sandy” Denny, que cantou em dueto com Plant em “The Battle of Evermore”. “Foi muito mais do que uma pequena participação na faixa”, contou Plant em 1972. “Depois que escrevi a letra percebi que precisava da ajuda de outra voz completamente diferente da minha, para dar à música o impacto que eu estava buscando”. Denny havia liderado o grupo inglês de folk rock Fairport Convention, que influenciou muito a faceta acústica do Led Zeppelin. Além disso, Sandy havia feito uma jam com a banda em uma noite de setembro de 1970 no Troubadour, um clube de Los Angeles. “Havia uma grande admiração mútua entre o Led Zeppelin e o Fairport Convention”, contou Plant em 2003.

A associação com Sandy Denny foi ainda mais longe. “Sandy era uma grande amiga de Jimmy desde os tempos da escola”, conta Dave Pegg, baixista do Fairport. “Ela conheceu Jimmy na Escola de Artes de Kingston”. Andy Johns recorda: “Robert falou: 'Temos que chamar Sandy'. Eu achei uma ótima ideia. Ela tinha todos os requisitos que estávamos buscando. Ela cantava como um rouxinol. Literalmente, ela foi a inspiração para a coisa toda”. Denny, que estava saindo do Fotheringay, banda que formou após o Fairport Convention, foi uma adição fundamental para música. “Acho que não levou mais do que 45 minutos. Mostrei como queria que ela cantasse, e ela fez tudo de maneira perfeita”, relembra Robert Plant. Mesmo tendo uma participação maravilhosa na faixa, Denny deixou o estúdio se sentindo ofuscada por Plant, conforme admitiu para Barbara Charone, da Sounds, em 1973: “Ter alguém querendo cantar mais forte que você é uma sensação horrível”.


Ao final da passagem pelos estúdios da Island, o Led Zeppelin tinha 14 faixas finalizadas, o que levou a banda a considerar o lançamento de um álbum duplo – ou, de uma forma mais excêntrica, o lançamento, de forma separada, de 4 EPs, uma sugestão derrubada rapidamente por Jimmy Page. No final, as duas ideias foram descartadas. “Nós tínhamos material para dois discos, mas decidimos não lançar um álbum duplo. Achei que as pessoas apreciariam melhor o trabalho se ele fosse lançado como um disco simples”, conta Page.

“No Quarter” apareceria no disco seguinte, Houses of the Holy (1973). “Boogie with Stu”, “Night Flight” e “Down by the Seaside” entraria em Physical Graffiti, de 1975. “The Rover”, que também faria parte de Physical Graffiti, existia apenas em uma versão acústica inicial nessa época.

Em 9 de fevereiro de 1971, após a banda negar que iria acabar depois de 12 shows pela Inglaterra e Irlanda, Page e Andy Johns pegaram as fitas e voaram para Los Angeles com Peter Grant para mixar o álbum no famoso Sunset Sound Studio. Assim que chegaram no aeroporto de LA, o trio sentiu os tremores do terrível terremoto que atingiu San Francisco naquele ano. Johns já havia usado o Sunset Studio antes, finalizando um álbum de Doug Fieger, autor do hit “My Sharona”, do Knack.

Infelizmente, a acústica do estúdio decepcionou todo mundo. Page então retornou para a Inglaterra. “As faixas soavam bem para mim, mas os alto-falantes estavam mentindo. As músicas não estavam balanceadas, era o mesmo som que tínhamos nas fitas originais. O sistema de som do estúdio nos enganou, não mostrava o som verdadeiro das composições”, conta Page. “A única coisa que podíamos fazer era ir embora”, lamenta Johns.

O único mix feito em Los Angeles e mantido pela banda foi o de “When the Leeve Breaks”. Page estava particularmente orgulhoso com o resultado que ele e Johns haviam alcançado nos dois minutos finais da faixa. “No final, onde deveria entrar um fade out, nós não colocamos um fade. Ao invés disso, fizemos os efeitos entrarem em sequência, como em um espiral. Isso era muito difícil de se fazer naquela época, posso garantir isso para você – todos os instrumentos juntos, e a voz flutuando acima de tudo, no canal central. Você pode ouvir a banda toda tocando ao redor da voz de Plant”, conta o guitarrista.

Os outros integrantes do grupo receberam a mixagem feita em Los Angeles de maneira bem fria. “Jimmy trouxe as fitas de volta, e elas soavam de forma horrível”, conta Plant. “Não dava para usar nada daquilo, então tivemos que começar o trabalho do zero novamente”.

Johns tinha falhado, e agora estava sendo avaliado pelo quarteto, que mantinha um controle absoluto sobre tudo que envolvia o nome da banda. “Havia uma enorme sensação de paranóia, porque eles conheciam profundamente uns aos outros. Não dava para ir contra eles, porque os quatro acabavam com você. Teve um dia em que fizemos uma pausa no meio do processo de gravação, e eu fui ao estúdio adiantar algumas coisas. Eles perguntaram: 'O que você está fazendo? Se for trabalhar em algo, precisa nos avisar antes'”.


Como a maioria das pessoas que trabalharam com o Led Zeppelin ao longo dos anos, Andy Johns tem más recordações de Jimmy Page, particularmente pelo fato de o guitarrista receber o crédito por todo e qualquer material que o grupo produziu em sua carreira. “Jimmy pensa que ele inventou a guitarra elétrica”, ironiza Johns. Uma das razões da raiva que os engenheiros de som nutrem por Page é porque nenhum deles recebeu crédito sobre a sonoridade do Led Zeppelin. “Jimmy me disse há alguns anos atrás: 'Não deixo ninguém falar que é responsável pelo som do Led Zeppelin – eu sou o som do Led Zeppelin”, conta o famoso fotógrafo Ross Halfin, um dos amigos mais próximos de Page. “E quer saber de uma coisa? Ele realmente é! Você pode tocar qualquer álbum do Led, e eles soarão como se tivessem sido gravados hoje pela manhã. Isso é 100% Jimmy Page”.

A mixagem do disco ficou em segundo plano, e a banda saiu em uma turnê pelo Reino Unido batizada como Back to the Clubs. “Os caras voltaram da folga do Natal e me perguntaram sobre a próxima turnê. Nós decidímos pelos clubes e deixamos de lado os shows em grandes arenas”, contou Peter Grant para a Melody Maker na época. A tour iniciaria dia 5 de março no Ulster Hall, em Belfast. A banda estava nervosa em tocar ao vivo pela primeira vez quatro músicas que estariam no disco – incluindo “Stairway to Heaven” -, e Page resolveu investir em uma Gibson EDS 1275 customizada, com um braço de seis e outro com doze cordas.


Jimmy havia visto a guitarra de braço duplo na capa do álbum Two Bugs & A Roach, lançado em 1969 pelo bluesman Earl Hooker. Elvis Presley também já havia tocado uma no filme Spinout – no Brasil intitulado como Minhas Três Noivas -, de 1966, mas a Gibson havia parado de fabricar a guitarra. Jimmy não sossegou enquanto não encontrou uma. “Quando você tocava o braço com seis cordas, as outras doze ressoavam com a vibração. Era como se você estivesse tocando uma espécie de cítara”, contou o guitarrista para Howard Mylett, especialista na banda.

Como o bootleg do show de Belfast mostra, a reação do público à “Stairway to Heaven” foi tímida: nenhum fã do Zeppelin havia escutado algo parecido com aquilo antes. “Sempre houve resistência com o material novo. A primeira vez que tocamos 'Stairway' foi como: 'Porque esses caras não estão tocando 'Whole Lotta Love'?. O público gostava do que conhecia, e com 'Stairway' eles tiveram contato com algo que ainda iriam conhecer”, conta John Paul Jones. Phil Carson, chefão da Atlantic na Inglaterra na época, lembra de algo diferente: “O público ficou paralisado. Ali estava o Led Zeppelin, uma banda orientada para os riffs de guitarra, com uma canção que era quase uma peça orquestrada. Depois de tocar a música ao vivo algumas vezes, Peter Grant disse: 'Sabe qual é? Todos devem ficar quietos quando tocamos a música. Bonzo, nem chegue perto da caixa da bateria, ok?'. A ideia era que, se a banda parecesse reverente à faixa, ela teria um impacto muito maior sobre o público”, contou Carson para a Q Magazine em 2003.

A turnê Back to the Clubs foi um sucesso, como Page contou para a Record Mirror: “Era impossível vencer sempre. No início houve todo aquele hype em torno da banda. Agora, éramos acusados de tocar em lugares pequenos, que não tinham capacidade para receber todo o público que queria nos ver”. “Eles estavam gostando de tocar tão perto do público”, conta Richard Cole, “mas eu não acho que estavam satisfeitos com a estrutura que tinham no backstage. Eles estavam acostumados a ter rapidamente qualquer coisa que desejassem – de mulheres para trepar a drinks e comida -, mas os camarins dos clubes onde estavam tocando eram minúsculos”.

No dia após o último show da tour, que rolou em 23 de março no Marquee, em Londres, a namorada francesa de Page, Charlotte Martin, deu à luz a sua filha Scarlet Lilith Eleida Page. Um dia depois do nascimento, a banda foi forçada, no último minuto, a cancelar a sua apresentação no programa Radio 1 da BBC porque Plant teve um problema em suas cordas vocais. A sessão foi transferida para o dia 1 de abril, com o DJ John Peel apresentando a banda. Versões magníficas de “Black Dog”, “Going to California” e “Stairway to Heaven” - lançadas oficialmente no CD duplo BBC Sessions, em 1997 – mostravam como a banda estava confortável como o novo material, que havia sido apresentado pela primeira vez na tour pelo Reino Unido.


Em meados de abril, Page e Andy Johns haviam reservado o Olympic Studios - onde a banda gravou o seu primeiro álbum com o irmão mais velho de Johns, Glyn – para começar a trabalhar na nova mixagem. Todas as faixas acabaram saindo com o crédito extra “com Glyn Johns”, exceto “The Battle of Evermore”, co-creditada ao engenheiro assistente George Chkiantz. Depois de um intervalo para alguns shows previamente agendados, o processo continuou em junho. “Está sendo demorado, é preciso mixar todas as faixas novamente”, contou Robert Plant na época. Plant não via a hora em que o disco estivesse finalizado. “Tem umas três ou quatro faixas realmente suaves nele”, falou o vocalista em junho de 1971. “Mas também temos um material muito forte e pesado. É um disco excitante!”.

Pouco antes do incidente causado no show no Vigorelli Stadium, em Milão, em 5 de julho, quando fãs da banda entraram em choque com a polícia italiana, a mixagem final foi finalmente enviada para a masterização no Trident Studios, no Soho, em Londres.

Igualmente animado com o disco estava John Bonham, que levou um acetato para a sua casa em West Hagley e ouvia a bolacha no volume máximo com os amigos locais. Entre esses privilegiados estava Glenn Hughes – mais tarde no Deep Purple, mas na época no power trio Trapeze -, que foi convidado para uma festa no início de agosto, onde rolou uma audição privada do álbum. “O Trapeze estava tocando no Mother's, em Erdlington, e fechamos o set com “Medusa”. Quinze ou vinte passos na minha frente, caminhando em direção ao palco, avistei Bonham acompanhado pelo seu assistente Matthew. Ele subiu ao palco e, sem perder o ritmo, pegou as baquetas das mãos de Dave Holland e falou: 'Ok, toquem a música novamente'. E ele tocou a faixa durante quinze minutos, inventando todos os tipos de andamento que você pudesse imaginar! Essa foi a minha apresentação à realidade de John. Naquela noite, ele me levou até West Hagley”, conta Hughes.

Na sua casa, Bonham perguntou se Hughes queria ouvir o novo disco. “Nós escutamos o álbum umas dez vezes do início ao fim, de 'Black Dog' a 'When the Leeve Breaks'. John estava sorrindo, fumando e dançando. E o que eu estava ouvindo – em um incrível sistema de som stereo -, era um disco que mudaria a vida das pessoas. 'When the Leeve Breaks' tomou conta de mim, tocou a minha alma. Eu não pensei algo como 'esse disco vai ser um dos mais vendidos da história'. O que eu pensei foi 'aqui estou com um grande cara, nós somos jovens, estamos gravando ótimos discos e ele está se transformando no meu mentor. Ele está me dando conselhos, contanto como Page fez isso e Jones tocou aquilo'. Na verdade, aquele encontro foi histórico para mim, uma aula prática de como o disco havia sido feito. Foi um dos maiores momentos da minha vida, sem dúvida”, relembra, emocionado, Hughes.

Quando Glenn Hughes acordou no sofá na manhã seguinte, a figura viking do vocalista do Led Zeppelin foi a sua primeira visão ao abrir os olhos. “Eles estavam de saída para Montreux, e Robert Plant tinha vindo em seu carro buscar John”.


Tendo concordado que o quarto álbum do Led Zeppelin seria lançado sem um título – e também sem o nome da banda na capa -, os quatro integrantes da banda foram procurar os símbolos que os representariam no livro Book of Signs, de Rudolph Kock. “Jimmy disse que deveríamos procurar no livro o símbolo que representasse cada um de nós”, conta John Paul Jones. Mais tarde ele ficaria sabendo que Page havia contratado um cara para produzir o mitológico “ZoSo” para ele - “era algo típico de Page”, lembra Jones.

Por mais Spinal Tap que a história dos símbolos possa parecer, ela ajudou a fundamentar o lado oculto e misterioso do Led Zeppelin junto aos fãs. O “ZoSo”, em particular, fez nascer uma geração de garotos americanos obcecados por Page e interessados na obra de Aleister Crowley. “Meu símbolo é sobre invocação e ser protegido. Isso é tudo o que eu vou falar sobre ele”.

Até hoje eu não sei o que o símbolo de Jimmy significa. Acho até que pode ser uma grande piada com todo mundo. Ele pode muito bem ter escolhido algumas letras e as colocado juntas, e elas não significarem nada. Eu não ficaria surpreso se ele tivesse feito isso, pra falar a verdade. É uma história ainda mais misteriosa para nós, que estávamos ao lado de Page na época, do que para os fãs”, conta Richard Cole.


Foi Page também quem encomendou a ilustração da capa interna. Intitulada View in Half or Varying Light e pintada por Barrington Colby, a ilustração mostrava um ancião – o Eremita das cartas de tarô, como se descobriu depois -, parado no topo de uma montanha com uma lanterna, enquanto uma figura diminuta e cabeluda escalava as rochas em sua direção. Para Page, o desenho representava “a ascenção em direção à luz da verdade”.

Quando o disco foi finalmente lançado – no dia 8 de novembro de 1971 nos Estados Unidos, e em 19 de novembro no Reino Unido -, fazia quase um ano que o Led Zeppelin havia começado a trabalhar nele. A frustração havia tomado conta da banda, que excursionou pela Europa, EUA e Japão sem ter um álbum para promover. “Eu estava orgulhoso com o novo álbum, mas irritado com o tempo que levamos para finalizá-lo. A verdadeira história sobre o nosso quarto disco é que ele foi como um pesadelo”, declarou Plant.

Apesar das vendas fenomenais, o álbum nunca chegou ao topo da parada americana, que na época era liderada pelo clássico Tapestry, de Carole King. Em maio de 1975, no entanto, ele se mantinha no top 60 entre os álbuns mais vendidos por três anos e meio.

A audição de “Stairway to Heaven”, entretanto, se transformou em uma espécie de ritual. “A música era muito longa para a rádio, pois tinha quase oito minutos”, conta Jerry Greenberg, então presidente da Atlantic Records. “Chamei Peter Grant e falei: 'Olha, está acontecendo a mesma coisa que aconteceu com 'Whole Lotta Love'. Será que Jimmy topa editá-la?'. Na hora, Peter respondeu que não. Então eu falei o mesmo que havia dito em relação a 'Whole Lotta Love': nós vamos fazer a nossa própria edição. E a deixamos com no máximo cinco minutos, já que era impossível editar uma versão de três minutos de 'Stairway to Heaven'. Mas aconteceu o mesmo que havia acontecido antes: Peter não nos deixou lançar essa versão editada como single. A única maneira de ouvir 'Stairway to Heaven' era comprando o disco. E foi por isso que o álbum se tornou um dos mais vendidos de todos os tempos”.


Olhando para trás, para a evolução da música do Led Zeppelin, o quarto álbum do grupo consolidou tudo aquilo que a banda havia feito em seus três primeiros discos. Mas apesar de as faixas acústicas da banda serem mais lembradas por Led Zeppelin III, foram justamente essas canções que se transformaram nos maiores destaques de Led Zeppelin IV. “Eu não tenho certeza se eles mudaram de direção e tornaram a sonoridade acústica do terceiro disco mais evidente no quarto álbum. O terceiro disco é mais uma espécie de pausa em tudo o que estava acontecendo. Eles queriam mostrar que aquilo não era tudo o que poderia ser feito. Então, quando o quarto disco saiu, não houve nenhuma controvérsia sobre o caminho que a banda estava seguindo”, recorda Richard Cole.

Perguntado em 1990 se tudo havia mudado com Led Zeppelin IV, Jimmy Page respondeu: “Ainda tenho tenho grandes lembranças daquele disco, estávamos tomados por um espírito maravilhoso. Todos tinham um grande sorriso no rosto”.


Por Barney Hoskyns
Tradução de Ricardo Seelig


(matéria publicada originalmente na Classic Rock 161, de agosto de 2011)

Comentários

  1. Excelente texto e tradução. Jimmy Page = gênio.

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  2. Oi Cadão
    Tu usas "tradutor eletrônico"?
    Grande abraço
    Werner

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  3. Nossa como é bom entrar em contato com essa atmosfera, realmente foi algo mágico...



    Grande trabalho Cadão!!!

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  4. Obrigado pelos elogios, turma.

    E Werner, eu estudei quase 10 anos de inglês.

    Abraço.

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  5. Parabéns pela tradução e por trazer essas matérias que não estão ao alcance de todos! Definitivamente são essas histórias que gostamos de ouvir, de como era mágico e maravilhoso a musica nos anos 70!!
    abraço!

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  6. Não sou muito afeito a grandes místicas envolvendo o processo de criação de meus artistas favoritos, mas se, de alguma maneira, isso auxiliou na obtenção do resultado final de "Led Zeppelin IV", só tenho a elogiá-los, afinal, trata-se de um dos grandes discos que o rock gerou. Fazia muito tempo que não ouvia "Stairway to Heaven", dada sua superexposição, mas o fiz e afirmo que ela jamais perde sua magia e atemporalidade.

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  7. Caraca véio, que matéria sensacional, li duas vezes, parabéns Ricardo, pela matéria e pelo blog. O Rock precisa de pessoas assim, de atitude!!!

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  8. A Classic Rock é uma revista sensacional mesmo! Valeu por traduzir e disponibilizar esse documento histórico!

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  9. A Classic Rock é uma revista sensacional! Valeu por disponibilizar esse documento histórico! Congratz pela excelente tradução!
    Só fica a dica: é piano de CAUDA. E a frase "Mas não era um mal lugar”, seria "mau lugar". ;)

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  10. Excelente Texto e tradução. Ricardo, muito obrigado pela tradução e pelo post. Cada disco do Led tem uma atmosfera diferente e uma vida própria, é por isto que esta é uma banda única.

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  11. Ótima matéria.
    Aproveito e deixo como sugestão alguma coisa sobre Deep Purple que, "criminalmente", não teve NENHUM livro lançado no Brasil. Vida longa para o Collector's Room

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