Quase Famosos: o som único do Concrete Blonde



Música é algo muito pessoal. Cada pessoa tem uma relação diferente com os sons. Uma banda que significa muito para mim pode não dizer nada para você, assim como uma composição que marcou um momento da sua vida muito provavelmente não terá o mesmo significado para outro indivíduo. Escrevo isso porque é exatamente essa situação que me veio à cabeça quando decidi escrever sobre a banda norte-americana Concrete Blonde. A relação que tenho com a música do grupo é muito profunda, intensa, repleta de memórias. Mas, provavelmente, outras pessoas não sintam algo parecido ou, até mesmo, nunca tenham ouvido falar dos caras. O Concrete Blonde me traz de volta os tempos de universidade durante a década de 90. Foi nesse período que conheci e me apaixonei pela música desta banda única e fascinante. Vamos ver se eu consigo contar a história deles pra vocês.





O embrião da banda nasceu em 1982, em Los Angeles, quando a vocalista e baixista Johnette Napolitano e o guitarrista James Mankey formaram o Dream 6. O conjunto durou pouco e lançou apenas um EP, auto-intitulado, pela gravadora francesa Happy Hermit, mas que não deu em nada. A dupla seguiu na ativa compondo e se apresentando pela Califórnia, e em 1986 assinou com a I.R.S. Records. Por sugestão do colega de selo Michael Stipe, vocalista da então novato R.E.M., resolveram trocar o nome para Concrete Blonde, termo que, segundo Stipe, descrevia com perfeição o contraste entre o som pesado e cheio de energia com as letras extremamente introspectivas de Johnette.


Uma curiosidade: “concrete blonde” era também um termo depreciativo aplicado às bandas de hard rock de Los Angeles, cujos músicos usavam e abusavam de permanentes e sprays fixadores para armar as suas discutíveis cabeleiras. Bata o olho em algumas fotos do período de nomes como Ratt e Poison e entenda.




Johnette e Mankey chamaram então o baterista Harry Rushakoff (que havia tocado no Special Effect, primeira banda de Al Jourgensen, do Ministry), entraram em estúdio e saíram de lá com um excelente disco de estreia. Lançado em 1986, Concrete Blonde, o álbum, foi aclamado pela crítica, que adorou o rock alternativo com elementos de punk e gótico do trio. Produzido por Earle Mankey - guitarrista do Sparks e responsável por álbuns das Runaways, The Dickies e The Three O’Clock -, o LP trazia doze faixas refrescantes, todas compostas por Johnette Napolitano - as exceções são a instrumental "True”, de James Mankey, e a ótima versão para “Beware of Darkness”, de George Harrison.

Nesse primeiro disco já ficaram claras as principais características do grupo. Tendo como elemento principal a bela voz grave de Johnette, sempre emoldurada pela guitarra cheia de personalidade de Mankey, o Concrete Blonde chamou a atenção com composições fortes e muito bem construídas como “Dance Along the Edge”, “Over Your Shoulder” e “Cold Part of Town”. Ao lado delas, explosões sonoras que mostravam as raízes punks do trio e soavam como verdadeiros tapas na orelha como “Your Haunted Head” e “Still in Hollywood”. E, fechando com chave de ouro, as pequenas jóias pops “Song for Kim (She Said)” e “Little Sister”.


O disco rendeu três singles - “Still in Hollywood”, “Dance Along the Edge / Make Me Cry” e “True / True II” e recebeu boas críticas na imprensa especializada. O trio rodou os Estados Unidos tocando sem parar, e retornou ao estúdio somente em 1988. 




Trabalhando novamente com Earle Mankey, contando com a mixagem de Chris Tsangarides e com mais um guitarrista na formação - Alan Bloch -, a banda gravou dez novas faixas, que foram lançadas no início de 1989 no álbum Free. O som estava diferente, com uma personalidade mais forte, com menos elementos do punk e uma bem-vinda maior presença de características góticas.

Está em Free o primeiro grande hit do Concrete Blonde, “God is a Bullet”, parceria de James Mankey e Johnette Napolitano - que, mais uma vez, respondeu por todas as composições. O disco é mais pesado, mais sombrio, que o debut. Destaque para “Roses Grow” - uma espécie de rap construído apenas com a bateria e os vocais de Johnette -, “Scene of a Perfect Crime”, a arrepiante “Little Conversations”, “Carry Me Away” e o pop perfeito de “Happy Birthday”. Vale mencionar também a boa releitura de “It’s OInly Money”, do Thin Lizzy, e a linda capa, criada por Johnette em parceria com a artista Anne Sperling.


Devido ao vício em heroína, Harry Rushakoff deixou o grupo em 1990. Para o seu lugar a banda recrutou o ex-baterista do Roxy Music, Paul Thompson, e voltou a ser apenas um trio. A entrada do experiente músico colocou o Concrete Blonde um nível acima, e o resultado foi o espetacular Bloodletting, lançado em 19 de setembro de 1990 e o trabalho preferido de grande parte dos fãs.



A veia gótica ficou ainda mais saliente no terceiro disco, produzido pela própria banda ao lado de Chris Marshall. As dez composições formam um painel que retrata com perfeição o início da década de noventa no rock norte-americano. O álbum conta com as participações especiais de Peter Buck, guitarrista da banda amiga R.E.M., tocando mandolin em “Darkening of the Light”, e Andy Prieboy, do Wall of Voodoo, responsável pelo teclado na versão de “Tomorrow, Wendy”, do seu próprio grupo.


Uma verdadeira obra-prima, Bloodletting é um clássico do rock alternativo ianque. Novamente com todas as faixas compostas por Johnette Napolitano, o disco tem grandes músicas como “Bloodletting (The Vampire Song)”, “The Sky is a Poisonous Garden”, a já citada “Darkening of the Light” e a doce “Lullabye”. Mas os pontos mais altos são “Caroline”- uma espécie de road song gótica -, a linda “Joey” - cuja letra conta a história da paixão de um homem pelo álcool e é uma das mais pessoais escritas por Johnette - e “Tomorrow, Wendy”, que se transformou em hino graças à letra, que conta os últimos momentos de uma paciente terminal de AIDS - a doença vivia, naquela época, os seus primeiros e aterrorizantes anos, apavorando milhões em todo o planeta.


Bloodletting foi o mais próximo que o Concrete Blonde chegou do mainstream. O sucesso inesperado de “Joey” - a música chegou à posição 19 nas paradas da Billboard - fez o trio arranhar o sucesso, e a faixa acabou se transformando em um dos maiores hits do rock americano da década de noventa, presente em dezenas de compilações.




O passo seguinte foi o também excelente Walking in London, que chegou às lojas em 10 de março de 1992. No disco, o trio retomou a parceria com o renomado Chris Tsangarides, responsável pela produção, ao lado do grupo. O LP marcou também o retorno de Harry Rushakoff após um período em uma clínica de reabilitação. O baixista Tom Petersson, do Cheap Trick, participou tocando em várias faixas.

Walking in London trouxe o Concrete Blonde explorando uma sonoridade um pouco mais pesada, mas mesmo assim mantendo o ambiente sombrio marcante do gótico. Johnette, novamente responsável por todas as faixas - a exceção é o cover para “It’s a Man’s World”, clássico de James Brown -, experimentou em algumas canções, como na bela “Led cceurs jumeaux”, cantada em francês, e na própria releitura de “It’s a Man’s World”, que aparece como um surpreendente blues gótico. A marcante faixa-título, a linda “Why Don’t You See Me” e “Someday?” - outra jóia pop - são os destaques.




O Concrete Blonde atingiria o ápice no disco seguinte, o espetacular Mexican Moon, lançado em 19 de outubro de 1993. Explorando na maioria das faixas letras inspiradas no Dia dos Mortos mexicano, Johnette Napolitano alcançou o topo como compositora. Produzido pela banda e por Sean Freehill, o trabalho é praticamente um disco de hard rock, e tem pouco da sonoridade gótica dos álbuns anteriores. Paul Thompson assumiu novamente a bateria, tocando na maioria das faixas enquanto Rushakoff passava por uma nova internação.

A linda faixa-título, que também marca presença em uma interessantíssima versão cantada em espanhol batizada como “Bajo la Lune Mexicana”, é uma das melhores músicas da carreira do grupo. Além dela, a pesada “Heal It Up” - cujo clipe rolou bastante na MTV brasileira -, “Rain”, “Close to Home” e “End of the Line” - de Bryan Ferry - são os principais destaques de um trabalho excelente.


Infelizmente, Mexican Moon acabou sendo o canto do cisne do Concrete Blonde. A banda se separou após a turnê. Mas os fãs não ficaram na mão. Em 1994 foi lançada a ótima compilação Still in Hollywood, com faixas ao vivo, b-sides e material inédito, e em 1996 foi a vez da coletânea Recollection chegar às lojas. Se você nunca ouviu o grupo, recomendo esses dois CDs.



Entretanto, o fim foi apenas temporário. A banda retornou em 1997 com o curioso Concrete Blonde y Los Illegals, gravado ao lado da banda punk Los Illegals. O disco é bem interessante, e duas das dez faixas entram, certamente, entre os melhores momentos da carreira do grupo - “Viva La Vida” e “La Llorona”. O retorno acabou sendo breve, e os caras se separaram mais uma vez.

O retorno definitivo do Concrete Blonde aconteceu somente em 2001, e de lá para cá a banda tem se mantido ativa, ainda que um tanto bissexta. Desde então já lançaram dois trabalhos de estúdio - Group Therapy (2002) e Mojave (2004) -, ambos apenas medianos, além do duplo ao vivo Live in Brazil (2003), gravado durante a turnê brasileira de 2002. Atualmente, ao lado da dupla Johnette e Mankey está o batera Gabriel Ramirez Quezada.



Johnette Napolitano vive em Los Angeles cercada por dezenas de gatos e lançou alguns álbuns solos no decorrer dos anos. Já James Mankey gravou com a banda Sparks e também colocou no mercado um disco instrumental em 2003.

A força do Concrete Blonde está nas composições de sua líder, vocalista e baixista. Extremamente talentosa e com um talento nato para a melodia, Johnette Napolitano, apesar de pouco reconhecida, é uma das maiores compositoras do rock norte-americano da década de noventa. Seu trabalho é profundo, extremamente pessoal e tocante, causando identificação com pessoas das mais variadas classes e países. No Brasil, a banda é associada ao surf devido à grande popularidade que possui junto aos adeptos do esporte, mas a sua música vai muito além disso. Complexa, densa e dona de uma beleza arrebatadora, a obra do Concrete Blonde está entre os pontos mais altos do rock produzido nos Estados Unidos nas últimas décadas.

Se você nunca ouviu o grupo, aproveite este texto e conheça já os discos. Se já conhece, redescubra. Afinal, nunca é demais ouvir música de qualidade.



Comentários

  1. Além de dar lhe dar os parabéns pelo texto muito bem escrito e cheio de detalhes, agradeço por me indicar mais uma ótima banda. Curti bastante! E que voz dessa mina!

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  2. É uma daquelas bandas que você ama ou odeia, assim como tantas outras desse mesmo estilo. Eu gosto, sou fã e, muitas vezes sou questionado por que gosto de coisas "estranhas", hehehe. É como você mesmo disse, o que é bom pra mim, pode ser ruim pra você e vice-versa.

    Belo post, como sempre. Agora o blog está tomando uma cara diferente e confesso está ficando muito legal.

    Parabéns Ricardo, continue sempre nos brindando com seu conhecimento.

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  3. Cara, que matéria sensacional. Agora bateu um pensamento:"como eu nunca havia ouvido isso antes?". Thank's.

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  4. Banda clássica!!!
    Free é um dos discos que mais gosto na minha vida!
    Curiosamente ouvi "Happy Birthday" semana passada no meu aniversário.

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  5. Que belo texto! Amo essa banda mágica. Conheci por acaso através do LP Free. Isso um pouco depois do lançamento. Em seguida passei a acompanhar a carreira deles. O trabalho deles é difícil de definir. Acho que as grandes bandas são mais ou menos assim. Johannete Napolitano é apaixonante.

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  6. Cara... Por essas e outras é que amo a net!!!
    Obrigado por tratar de um assunto tão difuso com tanta propriedade.
    Parabéns.

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  7. Uma pena uma banda tão boa dessas ser tão pouco conhecida no Brasil. Estou entre os fãs que acham Bloodletting o melhor trabalho da banda.

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