O não reconhecimento dos coadjuvantes

O Brasil tem, de um modo geral, o triste hábito de não dar o valor necessário para os músicos das suas bandas e artistas favoritos. Aqui, tirando o (a) vocalista, que na grande maioria dos casos exerce também a função de líder da banda, o grande público não tem a menor ideia de quem esteja ali atrás, muitas vezes no fundo escuro do palco, tocando aquele saxofone brilhante, aquele empolgante solo de guitarra ou aquele piano que faz toda a diferença. A banda Cê, que deu a Caetano Veloso novos caminhos musicais e que renovou seu público, é sensacional. A dupla (baixo e percussão) que se apresentou com Lenine em seu DVD In Cittè, foi genial. A banda que acompanhava Cássia Eller era muito empolgante. Mesmo que não sejam do seu gosto, o talento desses músicos é autêntico. Mas quem saberia seus nomes?

Eu acho que, em matéria de música, as pessoas se importam muito mais com o geral do que com o específico. Elas gostam de determinada música, de determinado artista, mas não se preocupam em tentar entender todos os fatores que fazem a música (ou a banda) ser boa”, diz Danilo Venticinque, editor-assistente da revista Época.

Esse papo soa estranho em um país que sempre consumiu bastante música, que tem em sua grande extensão excelentes músicos, e que, além disso, é mundialmente reconhecido pela sua música. Porém, é um hábito que parece não estar muito destoante do resto do mundo.

Essa falta de interesse é normal e está vinculada à pessoa que simplesmente gosta de ouvir, que não toca instrumentos musicais, não coleciona CDs. Americanos ou alemães, por exemplo, será que sabem os nomes dos integrantes de suas bandas favoritas?”, questiona Fábio Pereira, sócio de uma empresa que importa equipamentos de vídeo e que toca guitarra como hobby.

A música em si não é tão diferente de outras formas de arte. Também não existe a dedicação da população em buscar nomes de destaque na parte técnica de um filme. Quando se assiste a um filme ou a uma série épicos, por exemplo, os elogios concentram-se muito em sua fotografia, mas os espectadores médios não buscam saber quem é responsável por imagens tão bonitas. O interesse, nesse caso, também prevalece sobre o que chama mais atenção, a
interpretação dos atores.

Se a pessoa não é heavy user, pra que ela irá querer saber? Ela vai ocupar a mente com outras coisas. Você fica lendo os créditos de todas as séries que assiste na TV?”, aponta Leonardo Moura, do marketing de produto do canal GNT.

Fábio Pereira segue o mesmo caminho de Leonardo: “Acho que até dá pra fazer uma analogia com os filmes de Hollywood. Muitos gostam, alguns sabem os nomes dos protagonistas, mas quantos sabem o nome do diretor e do roteirista? Certamente os que têm uma intimidade com o cinema tão grande quanto aqueles que sabem os nomes dos integrantes possuem com a música”.

O culto ao “artista” também se aplica nessa discussão. O fato de aparecer em revistas e sites de fofoca ou campanhas de propaganda na TV, de dar mais entrevistas e de lançar modas faz com que haja uma supervalorização do frontman. Isso tudo o torna um ídolo, que em muitas vezes tem a carreira acompanhada ao longo dos anos. “Eu acho que tem um lance cultural no Brasil, de dar atenção ao líder, a quem está na frente, a quem aparece mais. As pessoas não tem ideia do nome de quem toca com Gil, Caetano, Marisa Monte, mesmo que sejam muito bons”, avalia Julia Duarte, jornalista freelancer.

A falta de conhecimento mais profundo pode ser mais um elemento que atrapalha nessa questão. “O trabalho de um vocalista é muito mais acessível, fácil de entender para um ouvinte médio do que o trabalho de um guitarrista”, Danilo acrescenta.

Óbvio que esses músicos, que acabam ficando à sombra dos artistas, têm muito mais a oferecer se lhes fosse dado o devido valor. Poderiam lançar trabalhos solos, com bandas próprias, ou criar projetos paralelos, trilhas sonoras e mesmo produzir outras bandas. Mas nessa hora conta muito o carisma do músico.



Alguns conseguem ter destaque, o menor que seja. Como Fernando Deluqui nos anos 80, que tocava guitarra no RPM; o ex-baixista do Charlie Brown Jr. Champignon, nos anos 90; Fernando Catatau, guitarrista do Cidadão Instigado, anos 2000. Milton Guedes, por exemplo, é um dos casos que tentaram se sobressair. Depois de tocar sax e fazer backing vocal na banda do Lulu Santos lançou disco solo nos anos 90. Lúcio Maia e Jorge Du Peixe continuaram com o Nação Zumbi após a morte de Chico Science, além do projeto Los Sebosos Postizos. Todos esses mesmo assim ficam restritos à rodinha dos que realmente acompanham música, principalmente quando essa música é o rock.

Quanto aos veículos de comunicação, a imagem que se tem é de que eles ignoram músicos que não sejam líderes de bandas. “A banda fica sempre escondida e acaba por não levar o mérito”, percebe Julia. “A mídia já impõe isso, colocando o vocalista como líder e foco das bandas, apagando o restante dos membros”, concorda Leonardo Areal, proprietário de um pet shop e DJ nas horas vagas.




Mas existe, sim, uma parcela do público que busca uma informação mais detalhada dos músicos. Dois gêneros específicos têm ouvintes com essa natureza: o rock e o jazz. Esses tipos de música contam geralmente com um público fiel e interessado não apenas nas canções de sucesso. “Eu acho que o rock é um pouco diferente, porque as bandas costumam reforçar bastante a identidade de todos os integrantes, não só do vocalista. E o jazz porque não costuma existir essa figura do vocalista líder de banda. Em vez disso, rola uma meritocracia dos instrumentistas- o líder normalmente é o melhor músico. Os outros tocam com ele para fazer nome e muitas vezes formam seus próprios grupos”, compara Danilo.

Outra parcela de interessados são justamente outros músicos. Os novos, que buscam seguir seus caminhos e inspiração para ingressar nesse terreno, e os veteranos, que precisam estar atualizados com o que rola na área musical. Mas mesmo nesse caso, o interesse tem suas limitações. “Agora que eu tô aprendendo a tocar bateria eu presto atenção nos bateristas, mas geralmente nos nomes, não me ligo na cara deles”, conta Denise Gariani, diagramadora do Jornal da Tarde SP.

O aparecimento de pessoas como os músicos Kassin, Domenico Lancelotti, Nicolas Krassik, Lan Lan, entre tantos outros, têm agitado e renovado a cena musical, tentando tornar essa recente geração mais conhecida do grande píblico. Buscando levar os refletores para si mesmos, eles atuam como produtores, músicos de apoio de famosos cantores, e assim abrem caminho para suas próprias carreiras. Os filhos de artistas renomados também aparecem nessa lista para mudar o hábito de desinteresse do público. Com a vantagem do sobrenome famoso, Moreno Veloso (filho de Caetano), Davi Moraes (Moraes Moreira), Jairzinho (Jair Rodrigues), Max de Castro (Simonal) também atuam em várias posições.




Grupos como a Orquestra Imperial, em que é mais importante o coletivo sobre o individualismo, parece ser um bom caminho para se acompanhar. Apesar de não ser original, vide a Midnight Blues Band nos anos 1990, que contava com músicos do Barão Vermelho, Kid Abelha, entre outros. O projeto da Orquestra, iniciado em 2002, é uma big band formada por músicos de destaque e cantores de relativo sucesso tocando músicas próprias e versões de clássicos do samba e da MPB. Um dos seus segredos para a longevidade é o seguinte: cada integrante tem sua carreira e seus projetos pessoais, e durante a reunião de todos querem saber de misturar influências e se divertir.

O saxofonista brasileiro Josué Caceres, que já teve até banda no México, o Pila Seca, e que foi produzido por Thom Russo (engenheiro de som de Johnny Cash, Eric Clapton, Michael Jackson) e Francis Buckley (engenheiro de som de Alanis Morissette e Aerosmith), de volta recentemente ao Brasil, sugere atitudes que são simples, porém eficazes para se tornar mais conhecido no meio e para o público. “Acho que o músico deve aproveitar as oportunidades e as ferramentas que hoje em dia temos facilmente, como a internet: Facebook, Twitter, Myspace, YouTube. Mas também é de vital importância estar presente nos palcos, fazendo contatos e pegando a maioria de trabalhos possíveis. Temos que plantar para depois colher”.

Mas realmente os grandes interessados sempre serão os colecionadores, os pesquisadores, amadores ou não, os que consomem música grande parte do dia, que lêem biografias, artigos e resenhas nos principais veículos de comunicação. Porém, o mercado musical e o grande público só têm a ganhar com um destaque maior desses músicos. E por isso valem o nosso interesse.

(por Bruno Maia)

Comentários

  1. Um ponto interessante nesta questão é que, ao contrário da maioria dos casos da música Pop e de outros gêneros, onde todos os holofotes recaem para um ou alguns poucos artistas e os músicos contratados podem ser substituídos sem que o público perceba, no caso do Rock muitas bandas tem características marcantes que são resultado da união de músicos e só funcionam com todos ou quase todos eles presentes - Led Zeppelin e Beatles, por exemplo, são grupos com sonoridade e presença marcante por causa dos integrantes, se estivessem outras pessoas no lugar muita coisa teria sido diferente (ok, alguém vai dizer que o Ringo não fazia diferença omg...)

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  2. Muito bons esses novos colaboradores do blog !!!

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  3. Parabéns pelo texto, uma questão muito interessante a ser abordada. Concordo com tudo, mas acho que aqui no Brasil temos um agravante de termos um número excessivamente maior de "cantores(as)" do que "bandas" famosos(as). O público médio brasileiro só tem referência de banda de sucesso famosa a partir dos anos 80! isso é um absurdo. Fora isso, podem citar 20 nomes dos mais famosos da música no Brasil e veremos que são todos cantores (que podem até tocar instrumentos também) mas são famosos por ser cantores e não por serem instrumentistas. E a música feita e produzida para se vender um cantor dificilmente vai conseguir propiciar um ambiente que permita reconhecimento dos músicos de apoio, justamente por que o conceito é eles serem apenas apoio, e não ter a capacidade de se expressar plenamente na música. O reconhecimento mais igualitário pro músico em geral vem do conceito de banda e ainda, como bem citado, em alguns estilos que geram mais apego a música, como o rock e o jazz. Coisa da indústria. Nos anos 70, uma época em que o instrumental de modo geral era muito valorizado, alguns músicos de apoio até conseguiam algum destaque, mas hoje é muito díficil.
    Abraço,
    Ronaldo

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  4. Seguindo a deixa do leitor Fábio RT: matéria de colaborador novo? Se efetivamente for, tua escolha de abrir as portas do blog já colhe bons frutos, Cadão... matéria muito interessante.

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  5. Sim, colaborador novo, Glauco. Essa e várias que entraram nos últimos dias.

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  6. Lembrei daquele saxofone sensacional de "Sweet Virginia", dos Stones! E de muitas outras!

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  7. Lembrei daquele saxofone sensacional em "Sweet Virginia" dos Stones. Demais!

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