Entrevista exclusiva: batemos um lero com Erasmo Carlos


Erasmo Carlos não precisa provar mais nada a ninguém. Rumo aos 72 anos de idade, um dos líderes da Jovem Guarda, o movimento embrionário do rock nacional, membro da dupla de compositores mais popular da música brasileira, o Tremendão poderia muito bem curtir uma merecida aposentadoria.

Mas como quase todo roqueiro, Erasmo não se acomoda facilmente. Ele não só permanece na ativa como continua se reinventando com boas doses de ousadia. Um de seus últimos discos de estúdio é rock n´roll até no nome e só perde em atitude para o seu trabalho mais recente, Sexo (2011).

Com uma capa pra lá de sugestiva, o disco propõe uma reflexão mais amorosa sobre uma prática tão banalizada, analisa o músico. Se tivesse sido gravado por uma banda mais jovem possivelmente não teria tanto significado, já que o próprio Erasmo reconhece que relacionar sua maturidade com sexo é um estímulo à polêmica, principalmente no Brasil. “Eu gosto de polêmicas e de assuntos interessantes. E por eu estar com 70 anos falando de sexo as coisas se agravam, desperta coisas do tipo ‘ah, o cara tá lá pensando que é um menino’. Pensando não, eu sou um menino”, debocha.

Em passagem pelo Paraná com a turnê de divulgação de seu disco mais recente, 50 Anos Ao Vivo, Erasmo conversou com a Collectors Room sobre música, sexo, drogas e até sobre o que anda rolando em seu MP3 player. 


 

Como é a sensação de completar 50 anos na estrada?

É bonito, cara. É bonito por que eu sinto que eu sou querido nos lugares onde eu passo. Isso me faz acreditar que minha passagem na Terra está sendo bonita, que estou fazendo coisas boas, que as pessoas estão entendendo as minhas propostas e retribuindo com carinho.

Me sinto realizado e reflito com tudo isso. Vou revirar meu interior, me vejo como pai, como família, com meus amigos e tudo o mais. Então, nesse apanhado legal, eu fico muito feliz de como eu estou hoje.

Penso nos erros também, pois toda carreira e toda vida tem altos e baixos, que eu consegui administrar muito bem, e isso o que me tornou o ser humano que eu sou hoje. Eu falei isso tudo para dizer que eu me amo.


Depois de tanta experiência você ainda tem alguma grande ambição?

Não cara, eu nunca tive. Claro, eu sempre gostei de música e queria viver de música de alguma forma. Sempre fiz as coisas que tive oportunidade de fazer e dei muita sorte de estar no momento certo nas horas certas, e também sempre procurei tirar proveito dos meus erros, pelo menos pra ter como exemplo.

No início eu só queria ter um teto pra morar, comprar uma casa pra minha mãe, então o que eu tive foi muito maior do que eu imaginei, sabe? Por isso eu não peço nada, eu só agradeço as coisas que eu tenho. E eu não faço planos não; eu tenho é que fazer a minha música, pois isso puxa outras coisas que vão acontecendo em função disso.

No início do ano passado, por exemplo, não imaginava que eu ia gravar um DVD no (Theatro) Municipal (do Rio de Janeiro), com o Roberto Carlos e a Marisa Monte como convidados; eu não sabia que eu ia pro Rock in Rio Lisboa; tudo isso aconteceu por que eu estou trabalhando, por que eu estou na ativa.


Seus dois últimos discos foram bastante ousados, tanto na sonoridade quanto nos temas abordados. Um se chama Sexo, outro Rock n´ Roll. O nome do próximo vai fechar o famigerado slogan do rock, ou a sequência de títulos foi só coincidência?

Drogas no Brasil sempre foi uma coisa copiada do exterior. Vieram os Rolling Stones com aquela coisa de sexo, drogas e rock n´roll, acompanhada pelos hippies, mas aquele tempo passou. Naquela época quem consumia drogas, como eu, por exemplo, não sabia dos efeitos colaterais das coisas, era uma novidade, usar drogas era “in”, sabe? Hoje em dia já se sabe os efeitos colaterais, já se sabe a desgraça que é. Já perdi muitos amigos. Eu, graças a Deus sobrevivi e jamais faria um disco chamado “drogas”. Meu próximo disco deve se chamar Gigante Gentil.

Por que fazer um disco dedicado ao sexo?

Minhas músicas sempre falaram da relação homem/mulher. Na primeira música que eu gravei, por exemplo, “O Terror dos Namorados”, canto “eu beijo, beijo, beijo” por que eu não podia dizer “eu fodo, fodo, fodo”. Era aquela coisa de o idioma não deixa, a censura não deixa, o consenso não deixa, o horário não deixa, é um monte de limitações. Então uma música acaba sendo romântica, mas as palavras poderiam ser outras, se existisse uma maior liberdade para se falar.

Baseado nisso eu comecei a pensar no sexo, que é uma coisa linda cara. O sexo dá vida pra gente. Aí imaginei o big bang como a primeira manifestação de sexo no universo, que gerou planetas com vida, e que apesar de tudo isso ele é sempre um tabu, é uma coisa que diretamente é sempre levado pra sacanagem, pra libidinagem, pra pornografia.

Quase nunca se lembra do sexo como uma coisa pura, é sempre como uma coisa banal, e isso me fez achar que ele seria um assunto interessante. Eu gosto de polêmicas e de assuntos interessantes. E por eu estar com 70 anos falando de sexo as coisas se agravam, desperta coisas do tipo “ah, o cara tá lá pensando que é um menino”. Pensando não, eu sou um menino.


O que você anda ouvindo ultimamente?

Cara, eu ouço de tudo. Ontem mesmo eu vinha ouvindo samba no ônibus, gosto muito de MPB, rock eu ouço muito. Eu vinha ouvindo Durval Ferreira, Fats Domino, meu MP3 é muito variado.

Muitos dos seus fãs gostam de dizer que você e o Roberto são uma espécie de Lennon e McCartney para o rock brasileiro. Você se vê dessa forma?

Cara, eu não gosto de me ver, não. Eu gosto que os outros me vejam e me encaro como um compositor atuante. Pela história a minha parceria com o Roberto é uma das mais famosas em termos de sucesso. A nossa parceria teve muito sucesso e continua tendo, graças a Deus. Isso me dá um espaço confortável para me sentir como um dos bons, mas comparações eu deixo para os outros fazerem. 



Por Nelson Júnior

Comentários

  1. Muito boa entrevista.
    E um cara extremamente consciente.
    Gostei!

    Parabéns.

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  2. Muito boa entrevista.
    E um cara extremamente consciente.
    Gostei!

    Parabéns.

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  3. Se ele colocar uma barba ruiva, vai ficar igualzinho do Gentle Giant mesmo ahahahaha

    Eu acho que esse velhote conhece rock progressivo pra c***. Não sei se já repararam, mas por volta de 1 min de "Cadence and Cascade" do King Crimson é igualzinho a música "Detalhes".

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  4. Muito legal! A idade realmente só trouxe mais sabedoria para o Erasmo, isso é uma dádiva! Já outros só estacionam no desenvolvimento.

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  5. Eu tenho curiosidade em saber o que o Erasmo Carlos pensa desse direcionamento musical que o Roberto vem fazendo desdo o início dos anos 80. Essas músicas meladas, água com acúcar, que para mim não tem relevância nenhuma. Não que eu seja fã do cara, eu não ouço nada do que ele gravou. Mas pelo menos eles eram rock. o Erasmo também faz rock. O Roberto faz o que?

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