Paul McCartney (Estádio Serra Dourada, Goiânia, 06/05/2013)


A sensação de sair de casa e caminhar alguns poucos metros para assistir ao espetáculo protagonizado por Paul McCartney é incrível. Por cerca de 15 minutos, vivi esse privilégio e aproveitei para tentar mensurar quão especial seria tal experiência. Evidentemente, nem todos que estiveram no Serra Dourada percorreram trajeto tão curto e tranquilo. Porém, certamente cada um dos mais de 40 mil indivíduos que pisaram no gramado ou no concreto do estádio, palco da primeira apresentação do beatle em Goiânia, se dirigiram até o local com a certeza de que dificilmente conseguiriam esquecer o que estava por vir.

Segunda-feira, um dia comum e banal. Paul McCartney, um fenômeno para além do que se entende por música. A combinação parece não ter equilíbrio e gera contraste. Logo se entende, no entanto, que se reside justamente aí o encanto de alguém tão ímpar. Alguém que extrapola as limitações de seus 70 anos e que contabiliza mais de 50 deles transformando dias e instantes ordinários em dias e instantes indeléveis.

Só o velho Macca já abre o show com o público na mão mesmo quando o panorama detectado até então é de trânsito caótico nos arredores, desorganização, filas homéricas do lado de fora e atraso de trinta minutos no início do show. Pra felicidade dos (des)organizadores e produtores em geral, ninguém em sã consciência resiste aos acordes singelos que dão início a "Eight Days A Week".


Somente o velho Macca mantém a pegada e o nível da apresentação lá no topo ainda que intercalando canções de duas bandas distintas. Nas seis primeiras, o que se vê é um empate entre Beatles e Wings. Três para o Fab Four - "Eight Days A Week", "All My Loving" e "Paperback Writer" - e três para a banda que Paul formou com Linda, sua primeira esposa, e Denny Laine em 1971: "Junior's Farm", "Listen To What The Man Said" e "Let Me Roll It". Até então, vantagem para os garotos de Liverpool só no quesito "recepção junto ao público".

Só o velho Macca seria capaz de driblar o imprevisível e, no imprevisto de um insistente gafanhoto, fazer do incômodo o belo e o improvável. Harold, nome que ganhou um dos inúmeros insetos que teimaram pousar no ombro, no braço e no piano de Paul, apareceu já na sétima música, "My Valentine" que, de aparentemente insossa em estúdio e forte candidata a anticlímax do show, se mostrou na verdade um dos momentos mais mágicos.

Somente gente como o velho Macca pode se dar ao luxo de incluir no setlist cinco músicas dos Beatles raríssimas ou inéditas ao vivo. Ou então uma canção como "Nineteen Hundred And Eighty Five", que não é nenhum hit arrasa-quarteirão, mas faz todo mundo dançar desde 1973 e, quase dez anos antes, definiu praticamente 90% da sonoridade que tomaria de assalto a década de 80. Só com o piano, ele vai muito além de onde mil sintetizadores e toda a parafernália eletrônica da disco music jamais chegaram. Em seguida, cabe a "The Long And Winding Road", "Maybe I'm Amazed" e "Hope Of Deliverance" formarem uma das tríades mais emocionantes de toda a apresentação.


Mas, afinal, quem é como o velho Macca? Somente o próprio Paul poderia responder e ele o faz. Obviamente, por meio de duas obras que resgatam seus semelhantes entre os imortais. "Ao meu amigo John" e "ao meu amigo George" são as senhas para "Here Today" e "Something", intercaladas por outras seis músicas, mas que estão diretamente conectadas entre si por um dos sentimentos mais bonitos: o amor de amigo.

O fim da primeira parte do show se aproxima, mas o repertório de grandes canções só aumenta. "Band On The Run" é simplesmente acachapante. "Back In The U.S.S.R.", mais vigorosa, parece ganhar outra cara ao vivo. E eis que, após "Let It Be", utilizada como uma espécie de interlúdio, "Live And Let Die" incendeia o estádio com seu show pirotécnico. Muita luz e muita explosão pra se sentir vivo e deixar morrer (de inveja ou arrependimento) quem não teve a oportunidade de ver isso de perto. "Hey Jude" mantém as luzes, mas agora vindas das câmeras e celulares que assumem a antiga função dos isqueiros.

No bis duplo, apenas Beatles. Faltou pouco para completar três horas de show e, se alguém ainda mantinha dúvidas de que Paul McCartney é o maior compositor da história do rock e o maior artista vivo em meio a qualquer tipo de expressão artística, ambas foram sanadas neste momento. E ele sequer precisou utilizar sua principal arma: "A Day In The Life".


Setlist

Eight Days A Week
Junior’s Farm
All My Loving
Listen To What The Man Said
Let Me Roll It
Paperback Writer
My Valentine
Nineteen Hundred and Eighty-Five
The Long and Winding Road
Maybe I’m Amazed
Hope of Deliverance
We Can Work It Out
Another Day
And I Love Her
Blackbird
Here Today
Your Mother Should Know
Lady Madonna
All Together Now
Mrs. Vandebilt
Eleanor Rigby
Being for the Benefit of Mr. Kite!
Something
Ob-La-Di, Ob-La-Da
Band on the Run
Hi, Hi, Hi
Back in the U.S.S.R.
Let It Be
Live And Let Die
Hey Jude

Bis

Day Tripper
Lovely Rita
Get Back

Bis 2

Yesterday
Helter Skelter
Golden Slumbers
Carry That Weight
The End

Banda

Paul McCartney (vocal, guitarra, violão, baixo, piano e ukelele)
Brian Ray (baixo e guitarra)Rusty Anderson (guitarra)
Abe Laboriel Jr. (bateria)
Paul ‘Wix’ Wickens (teclados)

Por Guilherme Gonçalves

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