Violator: crítica de Scenarios of Brutality (2013)

Na rotina cíclica dos gêneros que formam o heavy metal enquanto estilo musical, o amanhã costuma sempre se repetir. A história se constrói em círculos e, geralmente, acaba retomando o ponto de partida quando precisa se expandir. É algo natural. Entre os altos e baixos de cada vertente, cabe a poucos a tarefa de mergulhar na porção radical que pavimenta a estrutura vigente e extrair as ferramentas que possibilitarão avançar. Até soa um tanto quanto paradoxal, mas não é. Muito antes de receber conotação pejorativa, "radical" nada mais é do que aquilo que refere-se à base, ao fundamento, à origem de qualquer coisa.

No Brasil, quatro bandas fizeram isso dentro do universo thrash metal: Bywar, Farscape, Blasthrash e Violator. Para o bem ou para o mal, foram os pilares de um revival do estilo no país. Encabeçaram um processo que, no entanto, não é exclusivo ao thrash. O death metal, recentemente, esboçou fazer o mesmo. O occult rock, que nem gênero musical é, passa por isso neste exato momento. O classic rock praticamente se alimenta dessa engrenagem.

Perto desses exemplos, o revival thrash foi ínfimo. Gênero marginal, vindo das ruas e calcado no do it yourself, jamais atingiu grande proporção fora de sua própria rede subterrânea. Nada disso, porém, impediu que a bolha explodisse. Bandas genéricas, derivativas, desprovidas de identidade e tão rasas quanto piscinas de criança se alastraram a partir de 2005. É claro que tudo isso iria implodir.

Por isso Scenarios of Brutality, novo álbum do Violator, se mostra tão importante. Lançado em 10 de julho pela Kill Again Records, de Ceilândia, no Distrito Federal, o disco assume, inevitavelmente, um papel peculiar. Ao mesmo tempo em que revigora toda a proposta da banda brasiliense, contribui também para destruir o que a mesma ajudou a criar, mas que, de certa forma, havia saído do controle. Uma aniquilação proposital daquilo que já não fazia tanto sentido. Um amadurecimento.

Não se trata de "esqueça tudo o que você já ouviu a respeito do Violator". Seria um equívoco, obviamente. A banda não mudou em nada sua essência thrash 80's. Contudo, Scenarios of Brutality apresenta novos caminhos e possibilidades dentro de uma sonoridade intensa e levada às últimas consequências. Como reflexo, enterra o desgastado revival ao provar algo que já era claro: resgatar não é emular. E é bem fácil separar quem é quem.

"Echoes of Silence" tem a missão de abrir a bolacha, repleta de vinhetas com trechos de discursos de Malcom X, e o faz com maestria. Se assemelha a "Atomic Nightmare", do Chemical Assault (2006) por, além de ser a primeira faixa, ter um refrão bem simples, cru e direto. A violência sem pudor segue com "Endless Tyrannies", que denuncia os abusos das ditaduras latino-americanas - algo expresso desde a arte da capa, feita por Andrei Bouzikov. Quando divulgada, passou meio que batida, mas cresceu com o tempo e é um dos pontos altos do disco. Destaque total para a bateria sincopada de David Araya, com velocidade absurda e os tempos encaixados com perfeição.

"Dead to this World" exala enxofre. Com andamento mais cadenciado no início, desemboca em um ótimo riff de transição e dá os primeiros sinais da influência abissal que Extreme Aggression (1989), do Kreator, representa em Scenarios of Brutality. Além disso, mostra outros dois trunfos presentes no álbum: a tremenda evolução do vocal de Pedro Poney, tão mais sujo quanto versátil, e o fator decisivo da escolha por gravar fora do Brasil. Fica nítido que também cabe ao produtor Andy Classen (Mantic Ritual, Grave Desecrator, Krisiun, Tankard etc), do estúdio alemão Stage One, importante parcela de mérito na qualidade do trabalho. Tudo é extremamente alto, pesado, mas audível e facilmente compreensível ao longo das nove faixas. Prova cabal de que um grande disco de thrash não depende de uma produção ruim.

"Respect Existence or Expect Resistance" fala do episódio em Pinheirinho, São José dos Campos, e é sedimentada com uma trama de palavras muito bem construída no refrão, além de poder ser considerada uma espécie de prima de "Give me Destruction or Give me Death", de Annihilation Process (2010). Já "Waiting to Exhale" e a instrumental "Death Descends (Upon this World)", na linha de "Ordered to Thrash", que também fazia esse interlúdio em Chemical Assault, funcionam como o testamento de que Pedro Capaça e Márcio Cambito dormem e acordam pensando em riffs. Duas usinas que fornecem não energia, mas bases esmagadoras das mais variadas formas: cavalgadas, power chords, tremolos... Uma verdadeira aula.

A trinca "Colors of Hate", "No Place for the Cross" e "Unstoppable Slaughter" explicita o cerceamento das liberdades individuais por meio da violência ideológica e policial, bem como ataca o preconceito racial e cristão. E aqui voltamos a outro disco do Kreator, Terrible Certainty (1987), pois "Unstoppable Slaughter", que tem o massacre de Eldorado dos Carajás como pano de fundo, começa de forma quase idêntica à faixa-título desse álbum dos alemães. Tanto na batera como também na guitarra. Algo que já havia acontecido em "Futurephobia", que se inicia bastante semelhante à "Inner Self', presente em Beneath the Remains, do Sepultura.

Essa proximidade é interessante, uma vez que Scenarios of Brutality pode ser encarado justamente como uma espécie de fusão entre Extreme Aggression e Beneath the Remains. Da mesma forma que tais discos, lançados em 1989, marcaram um período de mutação no thrash metal mundial, o recém-lançado trabalho faz algo similar ao estabelecer uma nova era ao menos para o próprio Violator. Se Annihilation Process pareceu um cambaleante passo em falso, talvez ficando no meio do caminho, Scenarios of Brutality é um expresso em alta velocidade rumo a um patamar peremptório.

Patamar em que o Violator será a banda brasileira de thrash mais relevante desde o Sepultura...

Isso se já não for.

Nota: 9,5


Faixas:

1 Echoes of Silence 3:59
2 Endless Tyrannies 4:26
3 Dead to this World 3:45
4 Respect Existence or Expect Resistance 3:57
5 Waiting to Exhale 4:59
6 Death Descends (Upon this World) 2:46
7 Colors of Hate 3:49
8 No Place for The Cross 4:14
9 Unstoppable Slaughter 5:23

Por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Estou achando o disco ótimo! Já é um clássico espontâneo! Acredito que o Violator sempre será muito respeitado pelo público por possuir uma postura sem radicalismos, sem separação entre fã e banda, soando sempre natural e honesto. É isso ae, United For Thrash!!!

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  2. Parabéns pela crítica. Escreve muito bem e sabe pontuar seus argumentos com referências válidas. Ainda não ouvi o disco, mas estou querendo descolar o LP. Após essa crítica acredito que não conseguirei esperar tempo suficiente, vou arranjar um o CD. Ver a maturidade de uma banda como Violator sempre me impressiona. Alto nível demais. Ainda bem que vai ter show deles aqui em Goiânia e vou poder mais uma vez conferir essa banda de perto.

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  3. Grande Disco, melhor do Violator e ja arrisco dizer que um dos melhores de 2013. Impressionante, como diz na resenha, a maquina de riffs que esses caras se tornaram e a evolução do Poney como vocal. Tudo soa coeso, claro e bem pensado. Violator Rules!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. muito bom, guilherme! ouvi o disco inteiro pela primeira vez ainda ontem. durante a audição pensei exatamente o mesmo, sobre separar o que é corriqueiro do que é interessante em um gênero de difícil relevância-sem-ser-reprodução como o thrash. o alcance que a banda conquistou - sem perder o carisma e os princípios, mesmo depois de tanto tempo - é uma coisa difícil de ver, e você tratou disso com a propriedade de quem sabe o que diz (característica cada vez mais rara nos jornalistas de ontem de hoje, e, infelizmente, de sempre).parabéns, bicho, já favoritei aqui o blog!

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  6. É realmente um ótimo disco. A cena brasileira de metal está voltando a ser interessante, com bandas como Deventter, Dynahead, Facada, Forka, Farmscape e Violator. Parabéns pela resenha!

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  7. O Violator arrebentou nesse play, mto show!!

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  8. Fantástico o Álbum!! Representando muito bem o Brasil na cena Thrash! Quem sabe o novo Sepultura?? Só achei q ''Unstoppable Slaughter'' se parece mais com ''Terrible Certainty'' do que com ''Extreme Aggression''. Abraço.

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  9. Valeu, gantz! Acabei trocando as bolas, mas era justamente a "Terrible Certainty" que queria me referir.

    No geral, Scenarios of Brutality é uma espécie de mistura entre Beneath the Remains e Extreme Agression, mesmo.

    Mas "Unstoppable Slaughter" tem o início idêntico a "Terrible Certainty"!

    Valeu!

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