Black Sabbath (Praça da Apoteose, Rio de Janeiro, 13/10/2013)

Antes de qualquer coisa, esse texto não é uma crítica. Está muito mais para um testemunho de fé; algo que eu espero que os meus filhos — se um dia eu os tiver — leiam.

Domingo, 13 de outubro de 2013. Rio de Janeiro dividido em três facções bem definidas pelos eventos a serem realizados na data. Clássico do futebol carioca no Maracanã — apesar de que nas ruas só se via torcedores de um dos clubes, mas ok —, parada gay e show de heavy metal. Mas não se tratava de um show qualquer. Na verdade, há tempos não se via tanta mobilização por parte de tantos tipos diferentes. O que o Black Sabbath promoveu na noite do último domingo na Praça da ApoteOZZY ultrapassou todos os limites que podem ser agregados à palavra show. O velho encontrou o novo numa celebração ao gênero musical que conta com os adeptos mais fiéis e apaixonados. Lá estavam milhares e eu era mais um na multidão, um pixel. Mas nunca me senti tão importante como ontem. Se restava alguma dúvida de que o metal é algo que agrega, não resta mais. Na condição de religião do contraponto, o rock tem no Sabbath o alto clero. E na figura de Ozzy Osbourne, o papa.

Bastou o acorde inicial de "War Pigs" para os meus olhos ficarem marejados. Eu estava diante dos pais do heavy metal, essa criança rebelde. É aquilo: TUDO que veio depois teve origem com aqueles caras. Toda a estética do gênero é definida a partir do molde estabelecido por Ozzy, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward, cuja falta eu duvido que tenha sido sentida ante a competência de Tommy Clufetos ao ocupar o banquinho mais desejado por qualquer baterista na face da Terra. Ao término da canção de abertura, pensei: "Sobrevivi". Mas será que durarei muito mais do que isso?




Durante aquelas duas horas, me senti como se estivesse assinando o meu nome no livro de visitas do inferno. O timbre da guitarra de Iommi, algo como uma curetagem na alma, misturado à pulsação sobrenatural do baixo de Butler, somados a um Ozzy cantando como há anos não se via e dando um show a parte com suas corridinhas, enfiando a cara num balde e até mesmo abocanhando um morcego de borracha, entregue por alguém da turma do gargarejo — que acabou voltando para casa de banho tomado, se é que vocês me entendem. Agora eu pergunto: se o próprio pai do heavy metal faz piada e leva todo mundo a rolar de rir por ser um completo sequelado, quem ousa dizer que rock e diversão não podem — e devem — andar de mãos dadas?

Quem achou satânica a performance do Ghost no Rock in Rio é porque, certamente, não faz a menor ideia da atmosfera macabra que tomaria conta da Praça da Apoteose durante a execução da música que dá nome à banda e ao álbum que corresponde ao Livro do Gênese do heavy metal. Todos os olhos vidrados na figura de Ozzy, o escolhido do demo, em interpretação aterrorizante e incrivelmente convincente. Quatro décadas mais tarde e mesmo após a queda de vários mitos com a verdade vindo à tona, a canção apavora. Fiquei estático diante daquele convite a ingressar no lado negro da força, e a sensação foi a mesma de quando eu ouvi aquilo pela primeira vez, há mais de uma década e, sem pestanejar, aceitei o convite. "N.I.B." firmou de vez o acordo com o tinhoso.




As canções de 13 foram estrategicamente inseridas no setlist, o que não evitou, entretanto, certo estranhamento. No DVD Live in Detroit, Peter Frampton mete a real: "Eu sei que vocês não gostam de ouvir músicas novas... mas nos dêem uma chance!". No fundo, é isso que fica subentendido sempre que um artista ou banda das antigas inclui novidades no repertório. Pois bem, a chance foi dada, e o arrependimento foi zero. "Age of Reason", "End of the Beginning" e "God is Dead?" funcionaram muito bem ao vivo. E se não foram festejadas como as clássicas, pelo menos, deixaram a certeza de que o círculo fora fechado em altíssimo nível. Não ficarei surpreso se a procura pelo álbum subir nos próximos tempos.

Apesar de o palco não apresentar nenhum adereço — vide Judas Priest e Iron Maiden, que apostam pesado nesse aspecto —, o que se via nos telões era praticamente literatura visual cujo roteiro seguia à risca a música tocada no momento: imagens de filmes B, assim como registros históricos de guerra e até mesmo uma miscelânea de erotismo em preto e branco e pin-ups durante "Dirty Women". Além dessa, outros sons mais obscuros foram resgatados, como "Under the Sun", "Into the Void" e "Behind the Wall of Sleep". A reta final incluiria ainda "Iron Man" e "Children of the Grave". A introdução de "Sabbath Bloody Sabbath" no bis acendeu o pavio do barril de pólvora que explodiu em "Paranoid", a última da noite, na forma de rodinhas e a impressão de que as arquibancadas viriam abaixo com tanta gente pulando ao mesmo tempo.

A história diz que o Black Sabbath inventou o heavy metal. O show deles me fez ter certeza que eles também inventaram o diabo. Nunca dizer "obrigado por tudo" fez tanto sentido.

Obrigado, Black Sabbath. Por tudo.


Por Marcelo Vieira

Comentários

  1. SENSACIONAL Resenha do Show!

    Caro Marcelo Vieira, parabens por incrível descrição dos fatos que me levaram por alguns minutos para dentro do show mas infelizmente me deixaram em depressão por não ter ido!

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  2. Indescritível e inigualável!

    Melhor show da minha vida, nada se compara.

    O misto de emoções... não sabia se pulava ou chorava... Foi Demais!

    Ouço Sabbath desde pirralho (tenho 32 anos) e nunca imaginei que teria a honra de assistir os caras, juntos novamente, ao vivo.

    Bill Ward é phod@ mas acredito que ninguém se decepcionou com o batera, o cara quebrou tudo !!!! E emendar o solo de bateria com Iron Man....putz...ai meu coração.

    Concordo Marcelo, quando diz: "Obrigado Black Sabbath, por tudo"!!!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Perfeita a sua descrição do show. Traduziu o que eu vivenciei ontem. Fiquei na arquibancada e a meu campo de visão permitiu ver a interpretação de Black Sabbath (a música) com a imagem do Cristo Redentor acima do palco! Irônico!

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  5. Ótima resenha, me levou de volta pra lá e eu fiquei arrepiada de novo, só com a lembrança.
    Engraçado, essa é a terceira matéria sobre o show que eu leio e, até agora, nenhuma linha sobre o Megadeth...

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  6. Meu amigo, texto fantástico.
    Eu estava em Sampa e meus olhos se encheram de lagrimas lendo seu texto da mesma maneira que se encheram durante o show. Revivi a mesma sensação que tive aos primeiros acordes de War Pigs... um arrepio que subiu pela espinha e foi se espalhando... Fiquei a uns 10, 12m do palco e vai demorar pra acreditar que vivenciei aquilo.... Agora bicho... só nos resta pedir perdão por flertar com o demônio... literalmente!!!!!

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  7. Vi o show em SP. Não tenho nem palavras para descrever o espetáculo...repertório perfeito. Adorei as músicas novas ao vivo. Long live Black Sabbath. Fiquei triste pelo Megadeth, que não teve um som a altura da banda

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  8. Maravilha!

    E amanhã vou eu ver o Sabbath!!!

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  9. A resenha matou a pau, até pelo contraponto com o patético (opinião, só isso, sem estresse, por favor) Ghost B. C. - ou ainda: 'Aprenda, Papa Emeritus!'.
    Quem esteve lá domingo - e eu estive - entendeu perfeitamente o que o autor escreveu. Quem não esteve pode, pelo menos, intuir o que rolou (corram, ainda tem BH!). Um amigo a meu lado indagava a todo tempo "O som é esse absurdo com apenas UMA guitarra. Como pode?". Com Toni Iommi pode, amigo, e acho que só com ele. Mestre dos Mestres, assim como seus comparsas Ozzy e Geezer - cujo baixo é tão porrada que faz alguns candidatos a baixista acharem que, na verdade, têm um cavaquinho em casa...

    A Thamiris, aí acima, chama a atenção: ninguém fala do Megadeth? É, quase nos esquecemos de que eles estiveram lá, mas não custa: abriu com Hangar 18, no meio teve Wake up Dead e Simphony of Destruction, e encerrou com Holy Wars. Ou seja, não teve como ser ruim - sim, sou fã às pampas dos caras... E deu certa pena vê-los lutando contra o som mais baixo e menos claro, o palco mais acanhado e o show curto, mas Mustaine&cia são macacos velhos e sabiam que estavam ali apenas para dar suporte à História. É isso.

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  10. Foi perfeito em SP também! Só vou descordar, enquanto botafoguense, do lance de uma torcida só, Rsrsrsrs. Ví o show em SP e tenho a sensação que não verei nada melhor nos shows que restam no decorrer da vida. Sabbathhhhhhhh!

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  11. BLACK !VIVA! SABBATH Eternamente! Eu nao fui no show, mas com esta resenha ACIMA foi Sabbástico! A boa musica, É pura ENERGIA, MOVIMENTO e EMOÇÃO. NAO SE ESQUEÇAM que o Black Sabbath, foi um dos pioneiros do Doom-Black METAL.
    Parabéns e Obrigado a este site.

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  12. Superlativos mil pro show. Só queria ouvir Damaged Soul do disco novo e Supernaut, que talvez tenha o riff mais matador do Iommi. E o Clufetos é monstro, puta que pariu.

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