Boogarins (Metrópolis, Goiânia, 23/11/2013)

De certa forma, não erra quem insiste em apontar o Boogarins como uma espécie de Tame Impala brasileiro. A semelhança é evidente e inegável. Principalmente se lembrarmos que Lonerism, segundo e mais recente álbum da banda australiana, saiu há apenas um ano, ainda está bastante recente e segue reverberando. Logo, fica muito mais fácil e instintivo comparar. Porém, apesar das proximidades, basta conferir o som dos goianos com um pouco mais de atenção para rapidamente identificar outras nuances. Detalhes que lhes conferem identidade própria. O belo show no Metrópolis, sábado, foi perfeito para colocar isso à tona.

Por mais que Boogarins e Tame Impala sejam muito parecidos, cada qual traz consigo um universo de influências telúricas. Aspectos locais. De sua terra. Uma coisa é fazer rock psicodélico na Austrália. Outra, é fazê-lo aqui no Brasil. Em português. Em Goiânia. Difícil manter a sonoridade incólume ao que tais fatores agregam. Para o bem e para o mal.

Não adianta esperar um show correto, branco, suave, muito limpo, muito leve. Se no disco As Plantas Que Curam (2013), trabalho de estreia do Boogarins, é assim, no palco pode esquecer. Reproduzir cada fragmento que a música do quarteto apresenta em estúdio é tarefa árdua. Difícil de conseguir por inúmeros motivos. O que é cristalino na gravação fica tortuoso ao vivo. Melodias singelas - às vezes ingênuas - ganham traços cinzentos, obscuros. Um ou outro chiado aparece insistente. E é justamente isso que deixa tudo mais mágico.

A abertura com "A Sua Frente" logo escancara esse lado mais orgânico do Boogarins. Em seguida, "Lucifernandis", provavelmente a mais conhecida e aclamada da banda, gera um paradoxo. Ao mesmo tempo em que remete ao Tame Impala, contribui para romper com essa premissa tendo em vista sua 'brasilidade'. Os primeiros acordes tornam impossível não imaginar que, no verso, o que vai entrar é o vocal de Rita Lee. Mas nem só de Mutantes vivem os garotos. É perceptível a influência oriunda de nomes como Secos e Molhados, Clube da Esquina e Lírio de Vidro, esse último especialmente em "Hoje Aprendi de Verdade", na qual a voz de Fernando Almeida Filho lembra muito a de Kim Kehl.

No entanto, a sequência que antecede "Hoje Aprendi a Verdade" pode ser apontada como ponto alto da apresentação. "Infinu", "6 Mil Dias", "Despreocupar" e "Selvagem" desembocam em "Erre", a melhor música do Boogarins e que mostra uma banda com influências progressivas, o que pode ser mais um caminho a ser explorado a fundo em trabalhos futuros.

Completam o setlist "Fim", o excelente single "Doce" e "Resolvi Ir", também muito boa e que pode ser conferida acima - a despeito da péssima qualidade do vídeo. Ao longo do show, Fernando (vocal/guitarra), Benke Ferraz (guitarra), Raphael Vaz (baixo) e Hans Castro (bateria) mergulham em duas jams, até para compensar o ainda reduzido número de canções. Ambas alternam bons e maus momentos, já que exaltam um lado mais ousado da banda, que busca fugir da zona de conforto, mas precisam ser dosadas para não ficar monótonas. Experiência que virá com a rotina de improvisação.

Em suma, noite bacana com um show extremamente interessante de uma promessa gestada em uma cidade improvável para esse tipo de som. Improvável, mas não incapaz. Que o Boogarins permaneça se desenvolvendo por caminhos tão inóspitos quanto a raiz de sua música e não se deixe prender à vertente mais indie e pasteurizada da Other Music Recording, selo com o qual assinou. Assim, tem tudo para ir bem longe. Mais do que já foi.


Setlist

Boogarins: "A Sua Frente", "Lucifernandis", jam, "Infinu", "6 Mil Dias", "Despreocupar", "Selvagem", "Erre", "Hoje Aprendi de Verdade", "Fim", "Doce", jam, "Resolvi Ir"

Texto, fotos e vídeo por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Eu os conheci pela Allmusic; curti um pouco.

    A Allmusic amou: http://www.allmusic.com/album/as-plantas-que-curam-mw0002565006

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