Entrevista com João Renato Alves, fundador e editor da Van do Halen

Quando se fala em hard rock e heavy metal aqui no Brasil, o principal site de notícias de ambos os gêneros é a Van do Halen. Criado e mantido por João Renato Alves, a Van é referência, e não para de crescer a cada dia.

Batemos um papo com o João, onde ele fala sobre o site e, claro, sobre a sua coleção de discos.

Vamos começar falando um pouco de você, João. Qual é a sua formação e porque escolheu essa profissão?

Em primeiro lugar, obrigado pelo espaço em um dos meus sites preferidos. Bom, meu nome é João Renato Alves, tenho 29 anos (até o próximo dia 20 de novembro, quando fecho três décadas por esses lados), moro em Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Sou formado em comunicação social, habilitação jornalismo, pela Unicruz e pós-graduado em comunicação e mídia pela mesma. Escolhi essa profissão por influência indireta familiar. Meu avô, que não é formado na área, era comentarista de futebol em uma rádio da cidade e me levava para as cabines nos jogos do glorioso Guarany de Cruz Alta. A última coisa que me interessava era a partida, gostava de ver os equipamentos, como funcionavam as transmissões, esse tipo de coisa. Desde então, tomei gosto pela coisa, sempre tive um gravador ao meu lado, gostava de registrar as coisas que aconteciam em agendas e afins. Muita gente começa dessa forma.

Quando você começou a se interessar pelo jornalismo musical? Onde os seus primeiros textos foram publicados?

Meu gosto pela música se aflorou na primeira metade dos anos 1990. Como sempre gostei de ler jornais, revistas dos mais variados assuntos, o passo para o segmentado foi natural. Comecei pela Bizz/Showbizz, depois conheci as do meio metálico e não parei mais. Ainda gosto muito do formato impresso, apesar de trabalhar com o digital. Sou colaborador do Whiplash desde 2002, 2003 e devo muito ao site. Muitos criticam, mas sempre compreendi a maneira como atuaram e não chegaram onde estão à toa. Tenho orgulho de fazer parte dessa história. Foi onde comecei com os textos especificamente sobre música. Fora isso, já contribui com jornais e revistas da região em assuntos generalistas.

Hoje, o site que você edita, a Van do Halen, é reconhecida como uma das principais e mais ágeis fontes de notícias relacionadas do hard rock e ao heavy metal aqui no Brasil. Como surgiu a ideia de criar o site, e como ele tomou forma?

O site surgiu em 4 de agosto de 2009. Ele era uma extensão do Combe do Iommi, um blog de downloads que existiu por muitos anos e contava com uma grande audiência. A ideia inicial era mais voltada para o humor, tiração de sarro. Depois passamos a fazer um trabalho de cobertura das notícias. Foi um passo natural, a minha formação era essa, o Igor Miranda, meu sócio (embora não esteja mais, mas ainda o considero, pois ele segura as barras quando preciso), estava entrando no meio acadêmico, a maioria dos nossos colaboradores idem, então juntamos uma necessidade com a utilidade da ferramenta que já tínhamos em mãos.

Não dá pra conversar sobre a Van sem fazer essa pergunta: de onde veio o nome para o site? Quem teve a ideia?

A ideia foi do Igor. Como a proposta inicial era fazer algo bem humorado e havia a ligação com a Combe, uma coisa levou à outra. Se tivéssemos seguido o caminho das notícias desde o início, acredito que o nome seria diferente. Mas agora marcou, mudar isso seria um suicídio.




Você produz a Van praticamente sozinho. Ela é a sua atividade principal?

Sim, especialmente após 2011, quando adquirimos domínio próprio e passamos a levar a página totalmente a sério.

Conte pra gente como é o seu dia-a-dia produzindo um dos sites sobre música mais lidos do Brasil.

Normalmente, acordo as oito, nove da manhã e já busco conteúdo nos sites estrangeiros, nos releases que recebemos das gravadoras e assessorias, procurando estar ligado a todo momento. Também procuro me conceder alguns intervalos, até porque não é uma rotina fácil de administrar e, se você deixar, ela te consome.

Qual a audiência média mensal da Van do Halen?

Normalmente, ela fica na casa dos 350, 400 mil. Mas à época de grandes eventos, como Rock in Rio, costuma bater na casa dos 500. É meio montanha-russa, mas fica nessa média.

A Van do Halen sempre teve muito bom humor e chamadas provocativas para as matérias. Essa linha foi inspirada em algum outro veículo? E essa postura já gerou, em algum momento, problemas para o site?

A inspiração primordial foi o saudoso Notícias Populares, com suas manchetes como “Pelé matou a empregada (sobre um funcionário público que tinha esse apelido e deu cabo da serviçal)”, “Piquet dá a bunda para salvar o pé (depois do acidente em Indianápolis, médicos tiraram pedaços de pele dos glúteos para reconstituir a estrutura dos membros inferiores)” e afins. Hoje isso é muito usado por outras publicações popularescas, além de sites. Problemas reais nunca tivemos, apenas alguns fãs mais enfezados reclamam de vez em quando. Mas estamos acostumados, até porque essa é a intenção mesmo.

Em todos esses anos, quais matérias mais marcaram a história da Van e quais deram mais orgulho para você?

Não tem como não citar o que fizemos em conjunto. Afinal de contas, foi a partir das denúncias que a Van e o Collectors fizeram do que estava acontecendo no MOA que adquirimos grande credibilidade e obtivemos repercussão gigantesca. Enquanto muita gente se calou, fizemos o que se espera de pessoas da área da comunicação. Não apenas pela grande audiência, mas por toda a postura que tivemos diante da situação, aquele é um momento especial.

Dá para viver, exclusivamente, da Van do Halen? Qual é o segredo para isso?

Ainda não, mas a situação está melhorando e acredito que em breve será possível. De qualquer modo, já é minha fonte de renda principal. O segredo é a dedicação, mesmo que seja sacrificante em alguns momentos. E paciência, pois as coisas não mudam da noite para o dia. Além do mais, ainda não somos vistos da mesma maneira em relação aos veículos tradicionais, o que muitas vezes complica.

Nós dois temos alguns pontos em comum: além de termos nascido em cidades próximas, produzimos nossos sites em locais distantes do principal mercado roqueiro e metálico do Brasil, que é São Paulo. Em que aspecto esse distanciamento ajuda e atrapalha, na sua visão, um site como a Van do Halen?

Acho que ajuda na hora de fazer alguma crítica, pois não fazemos parte de panelinhas. Mesmo assim, muito ainda ficam com medo de expor opinião, quando na verdade, trata-se de algo absolutamente natural. O lado negativo fica por conta das coberturas de eventos. Temos dois correspondentes em São Paulo, a Tatiane Cristina Correia e o Lukas Barros, que sempre dão uma força – além da Lidiane Gonçalves, mulher da minha vida e que me ajuda a manter as finanças e publicidades em ordem. Mas todo mundo tem suas ocupações paralelas, então não podem se dedicar apenas a isso.

Quais são as suas referências no jornalismo e na crítica musical?

Somos da geração que ainda está desbravando esse caminho do jornalismo online, então a maior parte das referências acaba vindo dos outros formatos. Gosto da Bizz nos anos 1990, da Rock Brigade antiga e procurei ler algumas revistas gringas também, embora não com a mesma frequência. Tenho apreço por um texto bem escrito, mesmo quando não concordo com a opinião. Acho salutar observar opiniões divergentes, algo que, infelizmente, é encarado como algo demoníaco no nosso meio.

Quando você ouve um disco, que elementos usa para analisar o álbum? O que pesa mais na sua análise: a qualidade das músicas, os arranjos, as inovações?

Procuro observar a qualidade acima de tudo. Mas acho importante que o artista traga algo novo. Não precisa ser realmente revolucionário, mas que ao menos não copie na cara dura.

Você já está inserido e convive de perto com a cena rock e metal do Brasil há tempos. Como você vê o cenário da música pesada no Brasil, em todos os níveis: fãs, bandas, gravadoras e veículos? O que há de pior e o que há de melhor nessa realidade?

O mais legal é ver a fidelidade dos fãs, algo cada vez mais raro. Os caras gostam hoje e continuarão gostando amanhã. Tem um aspecto ruim, que é o fanatismo, que acaba cegando a pessoa. Mas, quando bem administrado, considero algo até mesmo emocionante de se ver. Só acho que o pessoal tem que parar de ver banda como time de futebol, senão daqui uns dias vamos ver gente puxando arma em discussão sobre Metallica e Megadeth, o que seria ridículo.

Sobre as bandas, acho que temos algumas realmente boas, mas outras que são apenas a cópia da cópia do que tem lá fora. O Sepultura é a maior banda da história desse país, mas as pessoas entenderam errado a mensagem deles e passaram a achar que cantar em inglês era garantia de sucesso. O grande problema é que aquilo que o Jack Endino falou é a mais pura verdade. As pessoas que fazem as letras das bandas nacionais EM 100% DOS CASOS não sabem escrever em inglês. Aí acabam gerando monstrengos constrangedores. Por isso, nos últimos tempos, tenho valorizado mais os grupos que cantam em português. Não por questões culturais, mas simplesmente porque ninguém sabe compor em inglês de maneira decente por aqui.

As gravadoras estão cada vez mais nadando contra a maré. Algumas fazem bons trabalhos, mas outras ficam lançando produtos piratas para sobreviver no mercado. E isso é crime. Sorte deles que somos um país pirata, de modo geral, então não vão se dar mal. Mas tem gente boa no mercado também, pena que atualmente é preciso ser heroico para sobreviver nessa área.

A internet trouxe a possibilidade de todo mundo fazer seu site, o que acho bacana. Os veículos de comunicação estão precisando se adaptar a essa realidade. No interior, ainda vejo as mídias convencionais sobrevivendo, mas chegará o momento em que elas serão descartadas também – embora ainda vá demorar um pouco. Em relação à música, acho que estamos em um bom momento. Gostaria que tivéssemos mais revistas especializadas, mas não é fácil fazer isso em uma nação onde a maioria esmagadora da população não tem o hábito de ler. É uma questão de aceitarmos a realidade, infelizmente.

Que dicas e conselhos que você dá para quem quer criar um site sobre música?

Paciência e dedicação acima de tudo. Se planeja viver disso, tenha uma carta na manga, um freelancer que seja, pois demora. E procure escrever bem, pelo mesmo motivo que citei as bandas que compõem em inglês.

Quais são as suas bandas preferidas, João?

As primeiras bandas de rock que escutei foram Queen e Van Halen. Quando veio o KISS, foi a conquista completa. É até hoje minha banda favorita, embora discorde de algumas coisas que aconteceram na tumultuada carreira do grupo. Meu top 5 é completado pelo Black Sabbath e os Rolling Stones. Dos grupos mais recentes, gosto do Soilwork, o H.E.A.T., Winery Dogs e algumas outras. Acho que estamos em um ótimo momento, bem melhor que em décadas recentes.

Com que idade você começou a se interessar pela música e pelo rock?

A primeira vez que me liguei em rock foi quando o Freddie Mercury morreu. Tinha 8 anos e lembro das notícias, do Pedro Bial fazendo a cobertura para a Globo direto de Londres. Aí um primo tinha o Greatest Hits II do Queen e me emprestou. Fiquei dias ouvindo. Depois veio a MTV. Para muitos pode soar estranho, mas foi uma fonte de descobertas para mim, onde passei a valorizar não apenas a música, mas toda a história de um grupo. Caras como Gastão, Massari, pessoas que realmente entendiam do que estavam falando e foram professores informais espetaculares.



Nós que trabalhamos com música recebemos muitos itens de gravadoras e bandas. Eu, pessoalmente, fico com os que me interessam e acabo dando para amigos ou trocando os demais em sebos e lojas do tipo. O que você faz com os materiais que recebe?

A maioria eu fico mesmo. Os que não fazem o meu estilo e sei que algum dos colaboradores da Van gostam, repasso. Poucas vezes troquei, mas já fiz isso nos tempos que tinha um programa de rádio, entre 2001 e 2003 e recebia material.

Como todo fã de rock, você tem uma coleção de discos. Qual o tamanho do seu acervo e quais as características da sua coleção?

Por ter começado a me interessar já na era do CD, ele predomina, com algo em torno de 500 e poucas unidades. Vinil tenho cento e alguma coisa. DVDs tenho comprado bastante e ainda mantenho um arquivo de VHS, com algumas coisas que talvez nunca venham a ser lançadas novamente em formato digital. E sim, eu comprei um dos últimos videocassetes (risos).

Qual foi o primeiro disco que você comprou?

Vou dividir em três partes a resposta. Quando criança, ganhei um LP dos Smurfs, que não sei que fim levou. O primeiro que comprei com dinheiro alheio foi o War, do U2. E o primeiro eu pagando foi o Balance, do Van Halen, com a grana que ganhei após fazer um trabalho escolar para os colegas na sexta série.

De qual banda você tem mais itens?

O KISS. Tenho em todos os formatos e é uma das poucas bandas que cheguei a comprar bootlegs.



Quais os discos mais raros que você possui em sua coleção?

Tenho um vinil do Pink Floyd ao vivo na BBC, no início dos anos 1970, que recebeu pouquíssimas prensagens em sua edição original. Hoje ele já foi pirateado a torto e direito, mas antigamente era complicado de encontrar. Tenho um compacto do Wings com a música “Goodnight Tonight” no lado A e “Daytime Nighttime Suffering” no B, que só foi distribuído em rádios. No mais, não tenho muita coisa realmente rara.

Qual álbum você procura há anos e até hoje não conseguiu comprar para a sua coleção?

Um dos meus músicos favoritos é o Richie Kotzen. E a discografia solo dele nunca foi lançada completa no Brasil. Como ainda não enriqueci com a Van, tenho que me contentar em comprar com conta-gotas.

Quais são os seus dez discos favoritos de todos os tempos?

Essa lista muda diariamente, mas no momento seriam (sem ordem definida):

KISS – KISS
Van Halen – Van Halen I
Queen – A Night at the Opera
Black Sabbath – Vol. 4
Rolling Stones – Sticky Fingers
The Beatles – The Beatles (White Album)
Queensrÿche – Operation: Mindcrime
Iron Maiden – The Number of the Beast
Judas Priest – Screaming for Vengeance
Led Zeppelin – Led Zeppelin II

Você mora em uma cidade média do interior do Rio Grande do Sul. Ainda existem lojas de discos em Cruz Alta? Onde você compra os seus discos?

Com a quase falência do meio, as que existiam se viram obrigadas a fechar as portas. Ainda tem a Multisom, que por ser uma grande empresa, consegue sustentar suas filiais. Mas eles dificilmente oferecem algo de interessante para o meu gosto. Acabo comprando pela internet, o que lamento, pois gosto de ir na loja e sair com o produto, poder manusear os discos, encontrar alguma surpresa. Mas não faz mais parte da realidade daqui.

Qual disco e qual música definem a sua vida?

Disco: KISS – Alive!
Música: Whitesnake – Here I Go Again

Pra fechar, quais são os planos da Van do Halen para o futuro? Até onde você acha que o site pode chegar nos próximos anos?

É difícil estabelecer um plano a longo prazo nesse meio, pois as coisas mudam depressa. O segredo é pensar no próximo passo. E agora, estamos entrando em um momento de buscar estabilidade. Estamos cada vez mais profissionalizando o trabalho e torcendo por dias melhores.


Por Ricardo Seelig

Comentários

  1. Boa sorte ao João, ele faz um excelente trabalho com o site!

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  2. Muito legal João!!! Parabéns pela determinação.
    Gostei de ter uma volta (mesmo que reduzida) das entrevistas com colecionadores.

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  3. Entrevistas com colecionadores = algo que realmente sinto falta, era o que eu mais gostava aqui na CR :(

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  4. Legal a entrevista, o van do halen e a collector's room são na minha opinião os melhores sites 'brasileiros' especializados em música de extrema qualidade.

    Parabéns aos criadores dos dois sites pelo excelente trabalho realizado.

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  5. Ótima entrevista.Van do Halen e Collector's Room eu acesso diariamente.Também sinto falta de mais entrevistas com colecionadores. No mais, parabéns para o João Renato e para o Ricardo Seeling!

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  6. As entrevistas com colecionadores voltarão em breve! A próxima não irá demorar para acontecer! ;)

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  7. collectorsroom era minha referencia pra leitura sobre musica, todo santo dia entro pra ver o que ha de novo.
    nao conhecia o site desse cara, que inclusive é meio vizinho meu, moro em uma cidade proxima.
    vai ser adicionado na minha lista de sites obrigatorios para visitar diariamente.

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