Entrevista com o colecionador Loquillopanama


Na próxima vez que você for a um show grande no Rio de Janeiro ou em São Paulo, caro leitor, é quase certo que o entrevistado do quadro Minha Coleção da vez esteja presente. Loquillopanama e eu nos conhecemos numa caravana a caminho do show do Mötley Crüe, em 2011, e desde então nossos bate-papos musicais são quase diários. Sua coleção abrange diversos gêneros e só a sua história já vale a conferida nesta entrevista que há muito tempo já eu gostaria de ter realizado. Acompanhe! 

Queria que você começasse falando um pouco sobre a sua história, que é bastante interessante. Como e quando conheceu o rock, primeiras bandas que ouviu etc. 
Era 1983. Minha irmã recebia fitas K7 gravadas de presente. Indiretamente, eu estava sendo exposto a Journey, Rush e outros sucessos radiofônicos. Eu tinha 8 anos e pelo tape deck ouvia dezenas de canções AOR e o Top 40 dos EUA, incluindo Asia, Air Supply, Chicago, Fleetwood Mac, Huey Lewis & the News, Kansas, Pat Benatar, REO Speedwagon, Rick Springfield, Styx e muito mais. No rádio eram quatro as emissoras com programação similar e, por causa do Tratado do Canal do Panamá, tínhamos acesso a rádio das Forças Armadas norte-americanas. 

Em 1984, a MTV já fazia parte dos pacotes de TV à cabo. Cada canal de TV tinha seu programa de clipes e a coletânea Llena Tu Cabeza de Rock, com Quiet Riot e The Romantics, de fato, encheu a minha cabeça daquela criança, bilíngue que não gostava de esportes, de rock. No mesmo ano, ganho minha primeira mix-tape, encomendada numa loja de discos, uma prática normal na época. Comecei a ficar ligado nas paradas de sucessos e todos os domingos eu sintonizava o rádio para ouvir o Top 40 dos EUA. 

No verão de 1987, a rádio tocava sem parar Bon Jovi, Europe, Heart, Mötley Crüe e Poison. Um dia, visitando uma tia num bairro de classe média-alta, fui de penetra num churrasco. Os donos da festa moravam nos EUA, possuíam um acervo de LPs de hard rock de cair o queixo e só falavam em Headbanger's Ball. Foi nessa noite, aos 12 anos, que vi pela primeira vez discos de artistas que não tocavam no rádio — Dio, Dokken, Great White, Lizzy Borden, Ozzy, W.A.S.P. Ouvir isso tudo teve um impacto enorme em mim. Nesse mesmo verão, as gravadoras mexicanas decidem difundir um novo tipo de rock cantado em espanhol. Surge, então, o chamado "rock urbano" e seus representantes (Hombres G, Soda Stereo, Enanitos Verdes) invadem as ondas do rádio. Uma verdadeira revolução aconteceu da noite para o dia tornando possível montar uma banda e cantar em espanhol. 

O rádio formou a minha curiosidade; cada país tinha um sotaque, gírias e ritmos diferentes. As paradas de sucessos eram locais; o que tocava nos EUA não era o mesmo que estourava no Japão. Essas diferenças fizeram de mim um pesquisador de ritmos, bandas e discos, e me levaram às lojas de discos. Minhas primeiras compras foram o State of Euphoria do Anthrax e o Priest...Live! do Judas Priest em CD. 

Tudo isso num país da América Central, com dois milhões de habitantes e preferência geral pela salsa e pelo merengue. 

Como você veio parar no Brasil? 
A embaixada brasileira tinha um programa de intercâmbio universitário com o Panamá que incluía a carreira que eu procurava na época. Deixei para trás uma coleção de cerca de 400 LPs, que foram vendidos pelo irmão quando o formato foi dado como morto em meados de 1995. Cheguei ao Brasil com quatro fitas K7 gravadas e um sonho universitário. Após a formatura, pedi visto de residência. Nunca mais voltei para o Panamá. Em 2014, completo 21 anos no país. 

No que diz respeito ao rock, em que o Brasil que você encontrou se diferenciava do Panamá? 
Descobri que bandas como Poison, Mötley Crüe e Boston, famosas nos EUA, eram desconhecidas no Rio de Janeiro. Me chamou a atenção um exército de bandas das college radios americanas sendo mainstream nas rádios locais — Siouxsie & the Banshees, The Cult, The Cure, The Smiths, Midnight Oil, New Order, Oingo Boingo... Impressionava a quantidade de bandas australianas no dial (Hoodoo Gurus, V. Spy V. Spy), além, é claro, das bandas brasileiras (Barão, Legião, Titãs, Paralamas) e do Sepultura, que tinha até banda cover no Panamá.


Qual foi o primeiro disco que você comprou no Brasil? 
No meu primeiro passeio pelo Centro do Rio, comprei o primeiro do Dangerous Toys, Midnight to Midnight do Psychedelic Furs e No Fuel Left for the Pilgrims do D.A.D. 

Hoje em dia, com quantos itens a sua coleção conta? 
Não tenho essa conta exata. Acredito que em torno de 400 LPs e uns 2 mil CDs. 
A frustração é grande, pois gosto de muito artistas e ritmos, e é impossivel completar as coleções. A curiosidade é muito grande. 

Quais os gêneros que predominam na sua coleção? 
Pop rock, heavy metal e hard rock, mas também technopop, nu metal, saw, synthpop, industrial, electroclash, punk rock, street punk, rockabilly, acid house, new wave, pós-punk etc. 

De quais artistas e bandas você possui mais itens? 
Billy Idol, Bruce Springsteen, Depeche Mode, Duran Duran, Great White, Hall & Oates, INXS, Journey, Loquillo, Morrissey, Prince, Soda Stereo e Zumbis do Espaço.


Quais os itens mais raros?  
Box-sets de Bruce Springsteen (Darkness on the Edge of Town), Rammstein (Vorkerbol) e Madonna (Celebration); compactos 45 rpm de Don Henley, Poison, REO Speedwagon, Styx e Survivor; picture disc do Toto; Blue Sky Mining do Midnight Oil em vinil azul; cassette singles de INXS, Prince, Richie Sambora e Suzanne Vega, além de discos dos anos 1950 e de 78 rpm. 

Quais os itens que você gostaria de ter, mas não conseguiu adquirir ainda? 
Adoro remasters, box-sets e deluxe editions. Tem alguns que eu gostaria de conseguir. Também queria recuperar meus vinis do Speak of the Devil e Tribute do Ozzy e encontrar o A Por Ellos Que Son Pocos Y Cobardes do Loquillo Y Trogloditas em vinil.


Tem alguma história engraçada ou algum disco que tenha sido muito difícil de conseguir? 
Todos os itens da minha coleção têm alguma história por trás. Desde jovem, peço até para desconhecidos alguma encomenda. Já comprei muitos CDs e DVDs com mendigos e pelas ruas do Rio e de São Paulo sempre tem alguma coisa — basta ter paciência para garimpar, ficar com os dedos empoeirados e, às vezes, não encontrar nada. 

A minha primeira viagem à Argentina foi hilária. Saí do aeroporto, peguei um ônibus errado e fui parar numa cidade chamada Lanús. Em vez de ficar apavorado por estar perdido, vi uma filial da Musimundo que era um verdadeiro templo musical. Uma hora depois de ter desembarcado, saí da loja repleto de CDs e DVDs. Os atendentes ainda foram simpáticos e me explicaram como fazer para voltar à Buenos Aires. 

Qual foi o disco mais caro da coleção? 
Box-set do Loquillo, Rock & Roll Star: 30 Años, que contém 5 CDs e 3 DVDs. Encomendei o meu no dia que foi lançado.


E no que você pagou mais inacreditavelmente barato? 
Pat Benatar, Styx e Van Halen por 50 centavos cada. Antes dessa história dos 180 gramas e o vinil virar modinha, você encontrava acervos inteiros de rádios empoeirados e cheirando a mofo perto do Campo de Santana (RJ). 

Onde você costuma comprar os seus discos? 
Entro em toda loja que tenha estante com CDs. Brechós, livrarias, sebos e mega stores aqui no Rio e em qualquer outra cidade que visito. Gosto também do Amazon.co.uk e do espanhol Zona de Compras. 

Como você organiza a coleção? 
Ordem alfabética, mas sem muita ordem. Os separo em rock em inglês, rock em português, rock em espanhol, coletâneas e trilhas sonoras.


Tem ciúmes da coleção? 
Sim, não empresto. 

Como você cuida dos seus discos? 
Todos os meus LPs possuem plásticos externos e sempre tento renová-los. Não deixo meus CDs espalhados fora das caixinhas. 

Qual foi o último disco que você comprou? 
High Hopes, do Bruce Springsteen, em edição nacional CD + DVD com jaqueta e tudo.


Quais são os seus 10 discos favoritos? 
Loquillo Y Trogloditas - A Por Ellos Que Son Pocos Y Cobardes 
Bruce Springsteen - Born in the USA 
The Hellacopters - By the Grace of God 
Soda Stereo - Canción Animal 
Faster Pussycat - Faster Pussycat 
Def Leppard - Hysteria 
INXS - Kick 
Poison - Look What the Cat Dragged in 
Phil Collins - No Jacket Required 
Prince & the Revolution - Purple Rain 
Ramones - Ramonesmania 
Bryan Adams - Reckless 
Social Distortion - Somewhere Between Heaven and Hell 
Huey Lewis & the News - Sports 
... 10 é muito pouco!


Você é figurinha certa na maioria dos shows internacionais que rolam no Rio. De onde veio essa paixão pelos shows? 
Eu tinha 8 anos e a Joan Jett estava com um show marcado na Arena Roberto Durán (antigo Gimnasio Nuevo Panamá), que ficava perto da casa dos meus pais. Minha mãe jogou um balde de água fria dizendo que teria muita gente "fumando". Eu, ingenuamente, não entendi o que ela queria dizer, mas esse "não" e ter crescido na América Central na época dos clipes do Wayne Isham em que os shows chegavam pela tela da TV da sala fizeram de mim um compulsivo por shows. 

Quais os melhores shows que você já viu até hoje? 
Rolling Stones (Rio de Janeiro, 1998), Mötley Crüe (Buenos Aires, 2008), Bruce Springsteen (São Paulo, 2013), Rammstein (São Paulo, 2012) e Iggy & the Stooges (Rio de Janeiro, 2005). 

Quais shows faltam para você ver para poder 'morrer feliz'? 
Billy Idol, Brian Setzer, Cheap Trick, Chris Isaak, Depeche Mode, Fleetwood Mac, George Michael, HIM, John Mellencamp, Journey, Pat Benatar, Prince, Rancid, Tom Petty, Turbonegro, ZZ Top... a lista é interminável.


Para você, o que é mais importante num show? 
Som alto e bem equalizado! Já vi produções maravilhosas em que o PA baixíssimo impediu transmitir a energia que vinha do palco. 

O que você acha do público brasileiro em comparação ao de outros países? 
Brasileiro canta alto quando gosta e conhece o repertório do artista. Hoje em dia, me irrita o fato de todos quererem filmar os shows, inclusive com tablets!


Você acha que a falta de assiduidade é o que tira o Brasil da rota dos artistas internacionais? 
O que acontece é que o público não conhece as bandas novas e os produtores sabem que trazendo artistas já consagrados, o lucro é mais garantido. Hoje em dia, é tudo excessivamente planejado e os custos são mais elevados, mas acredito que o Brasil esteja totalmente inserido. Entre março e maio e setembro e novembro, o calendário está entupido de shows. 

E em relação a ditadura de preços dos shows realizados no Brasil? Vê isso em algum outro lugar do mundo? 
É uma questão de oferta e procura. Andre Rieu, Eddie Vedder, Eric Clapton e Michael Bubblé a 700 reais e as pessoas compram. Brian Ferry, Elvis Costello e Nine Inch Nails a 400 e as pessoas não compram. Os produtores nacionais não entendem nada sobre faixa etária e popularidade local. Não é porque a P!nk esgota 45 arenas na Austrália e a Kate Bush vende todos os ingressos para 22 shows na Inglaterra em 15 minutos que será igual por aqui. Culpam a meia entrada, mas se esquecem dos impostos ECAD e seguros. No Brasil, essa é uma questão muito complexa; um círculo vicioso em que ninguém vai ceder. Se o público deixa de comprar, simplesmente cancela-se o show e a cidade é excluída da turnê. 

Entre ir a um show e comprar um disco, o que você prefere? 
Já vi muitos shows, por isso posso esnobar alguns hoje em dia. Tive a sorte de ir a shows numa época em que os ingressos para festivais como o Hollywood Rock custavam bem barato.


Qual a sua análise da cena rock hoje em dia? 
Absurdamente saturada, com quase mil lançamentos mundias por mês. No auge das gravadoras, nos anos 1980, eram entre 40 a 60 por mês. 

Ao seu ver, quais são os melhores artistas ou bandas surgidos nos últimos tempos? 
The Gaslight Anthem e Gary Clark Jr.


Se tivesse que indicar algum lançamento recente fora do rock para algum roqueiro, o que indicaria? 
O último do Daft Punk, Random Access Memories. 

Qual música te define? Por que? 
"Boys of Summer", do Don Henley. Escuto desde pequeno. Os riffs do Mike Campbell dialogam comigo e a letra, a cada ano que passa, vai mudando e se adaptando à minha evolução.

Por Marcelo Vieira

Comentários

  1. Sensacional. Dá para ver que ele conhece música como poucos. Dá gosto ler em uma entrevista alguém citar artistas como Mellencamp, Springsteen e o The Gaslight Anthem. As pessoas aqui no Brasil são acomodadas demais. É bom vez que ele não é!Que a curiosidade dele sirva de inspiração para muito 'entendido' em música. Valeu!!

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