Espaço do Leitor: bandas autorais x bandas cover

Boa tarde,

Acabo de ver a postagem sobre este novo canal de comunicação com os leitores, muito legal mesmo tal possibilidade.

Gostaria de deixar minha observação referente ao cenário atual do rock n'roll e afins, todo esse modismo de bandas tributos e todo o preconceito com bandas autorais que partem de suas terras natais para os butecos, pubs, etc e 90% acabam devido à falta de apoio, dificuldades pessoais e de fontes de renda, mentalidade da massa/público que em raros casos param pra conhecer tua banda.

Evidente que existem muitas bandas autorais ruins, sem genuinidade e sem o feeling próprio apenas fazendo 'caras e bocas' e tirando fotos extremamente produzidas, e na hora do 'alive n'kicking' nada além de patético.

São dois lados da moeda, seria importante analisá-los certamente. Parece que tentar fazer o melhor e ser o melhor que você puder é algo que está sendo deixado de lado pela mediocridade de ambos os lados da moeda.

Soa como se não houvesse a mínima chance de surgir novos expoentes e referências do metal/rock nacional. Algo como o fim da linha.

Abraço!

Dalton Castro
Passo Fundo (RS)


Olá, Dalton. Legal receber a sua mensagem. Morei dez anos em Passo Fundo, fiz a minha faculdade na UPF - Universidade de Passo Fundo, trabalhei, fiz amigos e tenho parentes na cidade até hoje. Mundo pequeno, não?

Sobre o seu questionamento, sinto algo parecido. Aqui em Florianópolis, se um desavisado andar pelas ruas da cidade terá a impressão (errada, naturalmente) de que está passando por Los Angeles, pela Sunset Strip, por Londres ou outra metrópole mundial, devido à enorme quantidade de cartazes anunciando shows de bandas cover. E todos naquele esquema tradicional: a logo ou o nome da banda homenageada enorme e o "cover" pequenininho, quase escondidinho. Alguns chegam até a utilizar imagens dos integrantes oficiais das bandas, uma picaretagem das grandes.

Isso, no entanto, ao meu ver é reflexo do conservadorismo do público rocker brasileiro. As pessoas ouvem sempre as mesmas bandas: Guns N’ Roses, Metallica, Stones, Creedence, Beatles, Legião, Nirvana e mais algumas. Parece não haver curiosidade, por parte do público, em se atualizar e ouvir bandas atuais, sacar o que está acontecendo agora, nesse momento, na música. Não é preciso deixar de lado os grupos clássicos, que são muito bons e fizeram história, mas ignorar tudo o que é produzido atualmente me parece uma burrice e uma estupidez sem tamanho. Essa mentalidade chegou a tal ponto que tem gente que se contenta em assistir a um show de uma banda cover ao invés de ver uma banda autoral, com material próprio. Ainda sobre a cena de Florianópolis, existem pouquíssimos lugares para uma banda que faz músicas próprias tocar. Já as bandas covers pipocam em praticamente todos os bares da cidade.

Isso faz com que os grupos novos não tenham visibilidade. O conservadorismo auditivo do roqueiro brasileiro prejudica as bandas nacionais e as de fora. No metal, por exemplo, a maioria dos ditos headbangers nunca parou para ouvir com atenção nomes sensacionais como Mastodon, Baroness, Graveyard, Rival Sons, Torche e outros. E até mesmo bandas mais antigas mas que flertaram com sonoridades polêmicas em suas carreiras, como é o caso do Machine Head, são vistas com desconfiança por aqui. Ao mesmo tempo, o Guns N’ Roses lota e causa comoção Brasil afora com um vocalista que é um arremedo do que foi, acompanhado por uma banda competente, mas sem identidade alguma.

Em relação aos grupos nacionais, a coisa é ainda pior. Esses fatores que você levantou fecham as portas para as bandas que estão surgindo, que cada vez mais encontram raros lugares para tocar e mostrar seus trabalhos. O moleque, hoje, quando pega uma guitarra e aprende a tocar, está mais inclinado a montar um cover dos seus ídolos do que investir em material próprio. Todos sabemos que o rock não é mais a música pop do Brasil como foi na década de 1980 e 1990. Hoje, o pop brasileiro, queiramos ou não, é o sertanejo universitário. E uma das razões, entre inúmeras outras, para isso acontecer é a falta de uma cena rock forte e VISÍVEL em todo o país. Existem boas bandas - aqui mesmo na Collectors você pode comprovar isso através da série Novas Bandas Brasileiras -, mas elas são deixadas de lado quando confrontadas com bandas cover, que têm a preferência do público e promotores de hard rock e heavy metal, principalmente.

Solução? Só a longo prazo. Uma geração inteira adquiriu o hábito de consumir bandas cover. É possível mudar esse cenário, mas isso demanda esforço e tempo. Pode ser feito, mas a pergunta que fica é: querem realmente mudar isso? Pelo que se vê, não. (Ricardo Seelig)

Participe você também do Espaço do Leitor enviando críticas, sugestões, pedidos e o que mais imaginar para o e-mail falacollectorsroom@gmail.com

Comentários

  1. Realmente é isso que está acontecendo. Vejam, recentemente o Rolando C. Jr. da Patrulha do Espaço publicou em rede social que as apresentações da banda serão mais raras daqui pra frente porque eles não tão conseguindo agendar shows. É uma banda histórica, com uma discografia imensa, abriu pro Van Halen aqui. Não vive só do passado porque o último play é de 2012. Se está difícil pra Patrulha, imaginem pra uma banda iniciante. Pra mudar isso só a longo prazo mesmo e depende de toda a cadeia, digo bandas, público, produtores, mídia especializada. Às bandas cabem fazer o trabalho bem feito. O público valorizar, ir aos shows, consumir os discos, mercha, passar a banda frente pelo boca a boca. E os produtores e mídia se conscientizarem que uma cena nacional forte será algo bom e lucrativo pra eles mesmos. O que nos faz não perder as esperanças é ver que quando tudo parece perdido alguma banda nova ainda consegue se destacar como o Project46 (tão tocando direto e lançaram disco novo este mês), o Anjo Gabriel, o Hellbenders (voltaram de uma turnê nos EUA e tão fazendo muitos shows por aqui).

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  2. Ricardo, falando na cena musical da nossa Florianópolis, numa das postagens da série Novas Bandas Brasileiras sugeri nos comentários 3 bandas legais daqui (suponho que você as conheça), quais sejam, Brasil Papaya, Stormental e Dazaranha, porém nenhuma delas foi mencionada em posts posteriores sobre o assunto. Nenhuma delas é “nova”, mas, ao que parece, possuem pouca visibilidade em termos “nacionais”, merecendo ainda ser “descobertas”. Talvez a Stormental seja até mais conhecida na Europa do que aqui em Floripa. Acredito que posssam ter uma chance num próximo post da série.

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  3. A falta de apoio aqui em Florianópolis é gritante, com certeza, embora ainda existam ótimas bandas e tentativas heróicas, como o Floripa Noize ou os malucos do underground realizando seus shows no Plataforma. Quanto às bandas em si, eu ainda acrescentaria à lista do colega acima os Skrotes (excelente e original demais), Cassim & Barbária, Insalubre, Homicide, só pra citar os primeiros nomes que me vêm à mente. Porém, infelizmente, os shows que são anunciados e que levam mais público continuam sendo esses de bandas covers, geralmente tocando nos mesmos bares-panelinhas de sempre, ou dessas bandas falidas que o Ricardo citou...uma lástima!

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  4. Concordo com tudo e com todos, mas não podemos deixar de citar que, apesar de ser até um pouco nocivo para a cena, existem muitas bandas covers que fazem shows divertidíssimos. Um exemplo que sempre ficou na minha cabeça foi um cover do King Crimson que assisti nos primeiros anos de faculdade que me fiz mergulhar ainda mais na carreira do grupo.

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  5. Sim, Fernando Bueno, tb concordo que o problema não está necessariamente numa banda tocar cover, pq esse pode ser um recurso legal, desde que bem explorado. O problema é essa cultura de tocar SOMENTE covers, por parte das bandas, e de apoiar/curtir SOMENTE bandas covers, por parte dos donos de estabelecimentos, promotores de shows e de boa parcela público tb, a qual padece de uma falta de cultura tão gigante que nem consegue pensar em fugir do velho esquema da grande mídia para tentar ouvir coisas novas e que estejam à margem da indústria.

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  6. O problema é bem complexo mesmo.

    Mas um fator chave é o fator custo benefício do entretenimento no Brasil. E não vejo porque chamar isso de "conservadorismo".

    Quanto tempo e dinheiro vocês gastam garimpando bandas novas? Acertam de primeira ou a cada dez discos um é bom mesmo? É uma nota, então, na dúvida, quando alguém quer ouvir metal você recomenda algo (ou recomendava, sei lá), um The Best of the beast e pronto.

    (Perceba o papel fundamental da crítica: poupar nosso tempo em garimpar horas a fio, ele filtra a cena, mesmo cometendo deslizes, mas, puxa vida, os caras têm que ouvir 99% do tempo música chata e fazem isso praticamente de graça, ou pagando do próprio bolso mesmo)

    Aí volto ao conver/origal, os custos em SP dos bares sãos astronômicos (a cerveja quente junto com o petisco frio é vendido a preços caríssimos), e, para muitos, dá para sair, sei lá, uma vez por mês.

    Consumir novas bandas se torna algo quase impossível, só se o pessoal da banda for amigo ou parente mesmo.

    O que torna uma cena musical ou artística efervescente é o volume e a disponibilidade em consumir a música, em um cenário com centenas de bares, todos com palcos, cervejas a preços camaradas e etc.... uma hora você se enche o saco do cover do KISS e vai ver o que um maluco está fazendo de novo.

    Isso vale para outras artes do Brasil, pergunte para um brasileiro se ele acha uma pintura de Pollock bonita ou a Mona Lisa, claro que é a Mona Lisa, o cara nunca viu arte e vai na mais fácil, mas se você nasceu em um local cheio de pinturas renascentistas você se enche o saco e quer ver algo novo.

    É isso.

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  7. Isso sem falar daquela galera que ta mais preocupada em ser rotulada e prefere sair por aí quebrando poste nas ruas e sujando a cidade pra bancar de ''roqueiro do mal'' do que que em fazer um som bacana. E muitas vezes é essa mesma turma que só vai nos shows de covers,por que só quer ver cover,e olha lá.

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  8. Isso sem contar que 90% do público sequer conhece a fundo a carreira das bandas coverizadas. É corriqueiro ver moleque com camisa do Metallica que só conhece Enter Sandman, One e mais umas duas ou três. Vide o set list tocado no último show da banda no Brasil, comparando o set list tocado no Peru, por exemplo, dá vergonha, molecada brasileira votou nas mesmas de sempre, não tinha nada que a banda já não tocasse em quase todos os shows.
    O mesmo vale pra maioria das bandas. Se uma banda cover do Maiden tocar Purgatory, Sun and Steel, The Duellists ou Public Enema Number One, uma parcela bem grande do público nem vai saber que músicas são aquelas.
    No show do Black Sabbath em SP no ano passado era nítido o desânimo do público durante a execução da espetacular Dirty Women, do discão Technical Ecstasy.
    Eu não acho que o problema tenha a ver com falta de grana e nem nada disso, é pura preguiça mesmo. Com acesso a qualquer coisa a qualquer hora, ninguém se interessa por nada.

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  9. Tambem escrevi algo sobre o assunto no blog que tenho em conjunto com minha namorada.......http://simplerockandroll.blogspot.com.br/2014/03/cover-vs-autoral.html

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