Hark: crítica de Crystalline (2014)


Jimbob Isaac esteve a frente da banda galesa Taint por quase duas décadas, e apesar de não ter ultrapassado as margens do underground, o seu legado stoner chapado permaneceu nos dois discos lançados pela Rise Above Records (a cultuada gravadora de Lee Dorian) e continua a se manifestar em Hark, novo projeto formado ao lado do baixista Nikolai Ribnikov e do baterista Simon Bonwick, ambos ex-Whyteleaf.

O trio já havia excursionado exaustivamente nos anos anteriores (em especial, uma turnê ao lado de Red Fang e Clutch), e como uma nova aposta da Season of Mist, lançou o seu disco de estreia no mês de março. Gravado no Monnow Valley Studios (por onde já passaram Black Sabbath e Judas Priest) e mixado por Kurt Ballou, basta olhar para a arte de Crystalline, desenhada pelo próprio Isaac, que já se espera que algo grandioso esteja ali dentro.


A imundice já é espalhada assim que o primeiro assalto de "Palendromeda" é libertado, despejando absurdas toneladas em andamentos que permeiam entre o cadenciado do stoner e o arrastado do sludge, com o mérito de soar climática mesmo quando não há espaço para se mexer em meio às anárquicas e desenfreadas linhas de percussão claramente mastodonianas. A claustrofobia permanece na monotonia dos riffs constantes do híbrido entre hardcore e blues de "Hounded By Callous Decree", uma sensação energizada pela produção cuidadosa, de indefinidas margens entre cada um dos instrumentos. 


"Sins On Sleeves", ao longo de seus sete minutos, introduz de forma mais evidente outro elemento que se mostra presente na sonoridade do Hark: certas inserções de southern rock, ora mais sutis, ora conduzindo pra valer a forma como cada passagem e melodia funcionam (como é o caso aqui) – a influência sabbathica se envereda por uma estranhíssima aura contemplativa e desértica. Aliás, "Black Hole South West" torna tudo ainda mais pesaroso, com uma veia rastejante beneficiada pelos intermináveis ruídos e contaminada por aquele ar da Georgia, que a levam até "Breathe and Run" e suas inesperadas mudanças de andamento ligadas por uma lisérgica e confusa harmonia, um bizarro espécime gerado pela união de sludge com hard rock setentista.

O direcionamento empoeirado permanece assombrando cada segundo de "Mythopoela", como um stoner em sua mais pura e suja forma que ecoa pelas décadas, direto de alguma velha casa abandonada na velha região industrial de Londres. Por falar em fantasmas, "Scarlet Extermities" vagueia perdidamente entre o doom primordial e o heavy metal americano grooveado dos anos noventa, enquanto "All Wretch No Vomit" parece ir mais longe ao trazer ligeiros toques de rock progressivo e hard rock às extremamente cadenciadas e nervosas nuances. 

Os ruídos de "Xtal 0.6" introduzem "Clear Light Of...", praticamente uma jornada stoner sludge através de um caminho espacial cheio de obstáculos e desvios a velocidades alucinantes, capitaneada pelas vozes de Isaac e Neil Fallon (do Clutch) sobre passagens que depois simplesmente largam o seu espírito vagando nas estrelas, ainda tentando compreender o que acabou de acontecer.

Crystalline não é exatamente o álbum mais original e revolucionário que você irá ouvir, dependendo do quanto já foi explorado. Una a técnica e a agressividade de um Mastodon, a distorção ruidosa de um Kylesa ou Black Tusk, a complexidade de um Neurosis e o sentimento de um Clutch, e é aproximadamente o que você tem aqui. Porém, o trabalho de estreia do Hark não soa sem alma e apenas como uma mera casca vazia, e sim mostra como a experiência de cada um dos músicos envolvidos, assim como os seus dinâmicos métodos de composição, consegue criar uma música facilmente identificável, infinitas influências que soam como vários grupos diferentes, mas sem deixar a impressão de estarem perdidos pelo caminho ou sem objetivo definido. 

Do stoner ao rock progressivo ao thrash ao sludge, uma conflitante produção densa e imunda no instrumental com toques de modernidade, sempre carregadíssimo de voltas intrincadas e inteligentes que parecem surgir de onde menos se espera, envoltos por melodias que inesperadamente se agarram a sua mente (o trabalho de vozes é no mínimo espetacular – algo na linha semelhante a de John Baizley). É uma viagem profunda, a ser repetida inúmeras vezes até ser compreendida por completo – o que torna muito difícil imaginar o que esperar da banda no futuro.

O stoner em suas personificações mais sujas pode não ser mais a vertente em total evidência desde o último ano, assim como o foi em tempos anteriores, mas ao mesmo tempo continua a proporcionar ácidas e complexas jornadas. Basta apenas encontrar o disco certo. E talvez em 2014, Crystalline seja este disco.

Nota 8,5

Faixas:
1 Palendroma
2 Hounded By Callous Decree
3 Sins on Sleeves
4 Black Hole South West
5 Breath and Run
6 Mythopoela
7 Scarlet Extremities
8 All Wretch No Vomit
9 Xtal 0.6
10 Clear Light Of…


Por Rodrigo Carvalho

Comentários

  1. Taí..uma banda maravilhosa! ao meu ver superior ao Mastodon! mais como cada um tem uma opinião!acho que esse disco vai ser um dos melhores do ano!

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  2. Muito bom, muito bom, muito bom!!!

    É um Mastodon mais pesado, sujo e menos "evolutivo"... ou seja, nada de progressivo!

    Dá-lhe Sludge na veia!!!!!

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  3. Vi a capa e me lembrei que tinha conhecido isso há poucas semanas. Quase que já caiu no esquecimento! A faixa que baixei é "Palendromeda"; porra, é muito boa!

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  4. Rapaz, estou na terceira faixa e de boca aberta. Massa!

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  5. Melhor do ano pra mim junto com o Suicidal Angels, Behemoth e Legion Of The Damned!

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