Titãs: crítica de Nheengatu (2014)

Preciso confessar que me enche de orgulho escrever esta frase: os Titãs, enfim, estão de volta. De nome complicado e enrolado de pronunciar, Nheengatu é um dos discos do ano no cenário fonográfico brasileiro. O melhor álbum da banda desde Titanomaquia, lançado em 1993. Herdeiro musical direto e reto de Cabeça Dinossauro. Pesado, sujo e malvado, conforme prometeu Paulo Miklos. E longe, mas muito longe das melodias pop fáceis e radiofônicas.

Vejam, antes de mais nada, é preciso esclarecer: nada contra que uma banda de rock resolva esticar e testar os limites de sua sonoridade, que cruze as barreiras do pop, que se torne queridinha das paradas de sucesso. Sem problemas. Mas não deixa de ser uma pena que isso aconteça com uma banda como os Titãs, cujo potencial mostrado em Cabeça Dinossauro não poderia ser ignorado. Era uma cena triste que uma banda como a de Titanomaquia se escondesse por trás de letras baba-românticas e melodias genéricas e simplórias.

Reduzidos a um quarteto com a saída do baterista Charles Gavin, eles passaram boa parte de 2012 comemorando o aniversário de Cabeça Dinossauro e executando o disco na íntegra. Revisitar seu passado de maneira tão intensa talvez tenha sido o ponto de partida para Nheengatu - o título do álbum faz referência direta à língua criada pelos jesuítas para facilitar a comunicação entre os povos indígenas do Brasil e os colonizadores portugueses. Não por acaso, a bolacha abre com uma pedrada, “Fardado”, uma espécie de continuação direta de “Polícia”, só que evocando justamente a violência policial nos protestos dos últimos meses, e pedindo aos oficiais que se coloquem no lugar da população.

Aliás, o momento de atribulação e contestação que toma conta das ruas brasileiras parece ter servido de inspiração para o questionamento que permeia as letras do disco - e que passeiam por uma série de assuntos cabeludos, sem medo de cutucar feridas. “Pedofilia”, por exemplo, é uma faixa de letra incômoda e violenta que aborda o abuso a menores. Tão poderosa e intensa quanto é “Flores para Ela”, que aborda o assunto da violência contra as mulheres. Tudo com um peso que há anos não dava as caras, colocando a guitarra de Tony Bellotto como protagonista absoluta do disco.

Sobra ainda para a sociedade do consumo fútil e desenfreado na dobradinha de deliciosos skas “República dos Bananas” e “Eu Me Sinto Bem”; para os mandões politicamente corretos no groove do baixo de “Não Pode”; para a religião mercantilista no punk 1-2-3 básico de “Senhor”. Na irresistível “Baião de Dois”, eles rasgam o verbo numa versão moderna e pouco romântica de Romeu e Julieta - enquanto a guitarra dá um contorno roqueiro a uma batida tipicamente nordestina.

Talvez um dos momentos mais inspirados, não apenas musicalmente mas em termos de letras, esteja em “Mensageiro da Desgraça”. Desacelerando no andamento e com uma letra declamada como numa poesia urbano-infernal, eles versam sobre as condições miseráveis e sobre a loucura que toma conta de quem mora nas ruas. Para encerrar o disco, os Titãs conversam com os Ramones e convidam para a roda de pogo + bate-cabeça enquanto questionam o preconceito em “Quem São os Animais?”. Um encerramento em altíssima octanagem para um disco praticamente irrepreensível.  

Pois é, Titãs. Vocês provaram, para o mundo e para si mesmos, que não são apenas os jovens de 20 anos de idade que conseguem fazer um disco de rock inquieto e surpreendente. Espero que tenham aprendido a lição. E que este não seja o canto do cisne, mas apenas um promissor recomeço.

Nota 9,5

Tracklist:
1. Fardado
2. Mensageiro da Desgraça
3. República dos Bananas
4. Fala, Renata
5. Cadáver Sobre Cadáver
6. Canalha (cover de Walter Franco)
7. Pedofilia
8. Chegada ao Brasil (Terra à Vista)
9. Eu Me Sinto Bem
10. Flores Para Ela
11. Não Pode
12. Senhor
13. Baião de Dois
14. Quem São os Animais?  

Por Thiago Cardim

Comentários

  1. É bom ver um ''gigante'' do Rock Nacional de volta. Cada vez mais eu sinto falta de boas músicas novas em português. E o Titãs vem muito bem nesse novo disco.

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  2. Sem a menor intenção de comparar duas bandas bem diferentes, mas falando de sentimento: senti a mesma coisa ao fim da segunda faixa de Nhegatú que senti ao fim de "God is dead" do 13 do Black Sabbath ano passado.
    Como é boa a sensação que seus heróis do Rock ainda tem sangue nas veias e são capazes de após décadas lançar uma obra que foge da mediocridade e nos faz ter vontade de ouvir todo o disco!

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  3. Na moral...esse é o pior play que ouvi no ano! muito ruim...as letras são bobinhas...

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  4. Não gostei muito do disco (principalmente das letras). Fui criado ouvindo a banda, e conheço a história e discografia dos Titãs bem a fundo. Creio que essa postura de “rock pesado” da banda soou meio forçada, assim como no Titanomaquia, mas com resultados bem mais fracos. As letras estão bem rasas, e beiram a vergonha alheia, caberiam perfeitamente num disco do Detonautas. Que bom seria se a banda voltasse ao ápice da genialidade como fizeram no Õ Blésq Blom - esse sim, um disco maduro.

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  5. NÃO é o tipo de cd que vc ouve inteiro,não dá,os dos anos 90 são bem melhores mas comparando com o que rola em nossa cena rock em português bom cd,no aguardo por criticas de Project46-"Que seja feita nossa vontade" e Ratos de Porão-"Século sinistro".

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  6. Depois da fase pop dos Titãs eu desisti da banda com as opiniões diversos, vou ouvir depois no Deezer para avaliar.

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  7. Ouvi o disco semana passada e achei uma bomba. Tentaram abandonar a sonoridade pop e resgatar o passado mais rebelde e agressivo, porém falharam. O peso sonoro soa extremamente forçado, e as letras parecem pseudo-poesias feitas por adolescentes que se dizem "de esquerda" e que vão às ruas apenas pra postar foto no Facebook. Nheengatu é mais uma prova de que os Titãs estão na hora de parar de lançar discos, caso contrário mancharão ainda mais seu brilhante legado, afinal estamos falando de uma banda que já fez "Nome Aos Bois" e "Bichos Escrotos".

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  8. Nem tão ruim...nem tão excelente...
    um disco de médio a bom....daria entre duas estrelas e meia a três de cinco no total....a letra das duas primeiras música é realmente meio boba....mas a coisa melhora a partir da terceira...em termos líricos...
    gostei do instrumental gordo...
    Resumindo: Achei um bom disco...nada mais

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  9. Achei excelente, grande retorno dos Titãs depois de tantos albuns insossos. Um dos melhores que ouvi no (até agora) chatíssimo ano de 2014, em termos musicais.

    Não pude deixar de notar sobre como são frequentes os comentários sobre as letras do disco (aqui e fora da CR). Não é segredo pra ninguém que esse aspecto lírico geralmente é ignorado ou pouco comentado (facilmente observado nos comentários sobre as críticas de CDs aqui na CR). Pra citar outro disco em português, os Raimundos lançaram recentemente o elogiado Cantigas de Roda, e eu li raríssimos comentários sobre essa parte. Ou seja, parece que essas letras dos Titãs, no mínimo, chamaram atenção ou incomodaram...

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  10. Realmente, é o melhor desde Titanomaquia. Aquelas músicas de auto-ajuda já não davam mais.

    Mas achei muito arrastado. Letras até criativas, mas bem forçadas. Estão longe da naturalidade presente em "Tudo ao Mesmo Tempo Agora", por exemplo. A guitarra não tem destaque nenhum no disco. Onde estão aqueles riffs legais, aquele baixo pulsante e aquela bateria cheia de viradas? Para mim, nota 7.

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  11. Eu gostei muito, não ouvia a banda desde o Titanomaquia, bom retorno!

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  12. Não precisa concordar com todas as letras pra achar o disco bom. Eu gostei do disco, daria nota 8. Achei algumas letras interessantes, outras óbvias e vazias, como Pedofilia, mas não tiram o brilho do álbum.
    "Canalha" já era bacana com Walter Franco, mas ficou melhor ainda pesada.

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  13. Acho que as pessoas que foram fãs dos Titãs como eu fui até o Titanomaquia torciam para um retorno da bandas as raízes, mas esse retorno sinceramente me soou muito forçado, algo oportunista...Me pareceu, guardadas as proporçoes o Metallica tentando mostrar que ainda faz thash, sem o menor punch de outrora.

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  14. A exceção das duas primeiras faixas, que são bem fraquinhas, com letras bem 'vergonha alheia' e linha de pensamento político de esquerda infantil, o resto do álbum até que é bacaninha, mas nada de mais.

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  15. Nunca as guitarras dos Titãs soaram tão bem, e eu acho que esse é o único mérito desse disco, o que não é pouco para uma banda de rock, convenhamos. Por outro lado, há uma insistência no uso de vocais afetados, que soam adolescente e infantis e inviabilizam o clima agressivo da peça. Quanto às letras, bem, os Titãs nunca foram bons nisso, ainda que funcionem melhor sem o insuportável Arnaldo Antunes, mas elas são a pior parte do álbum, e nem ouso analisar o aspecto formal, a questão é de conteúdo mesmo. Elas escancaram uma falsa rebeldia, rebeldia de Multishow, que não desafia absolutamente nada no establishment e se limita a repetir os chavões da esquerda chique; parece que foram escritas sob encomenda para a Maria do Rosário.

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